A ESSÊNCIA DO SANTO SACRIFÍCIO DA MISSA
Cân. 898 — Os fiéis tenham em suma honra a santíssima Eucaristia, participando activamente na celebração do augustíssimo Sacrifício, recebendo com grande devoção e com frequência este sacramento, e prestando-lhe a máxima adoração; os pastores de almas, ao explanarem a doutrina sobre este sacramento, instruam diligentemente os fiéis acerca desta obrigação.
Por pe. Martinho de Cochem.
Na língua sagrada de nossa mãe, a Santa Igreja católica, no latim, a Santa Missa é designada pelo nome de "sacrificium", sacrifício.
"Um sacrifício é um dom visível, oferecido, exclusivamente, a Deus, por um ministro sagrado, para reconhecer a soberania do Altíssimo sobre todas as coisas".
O sacrifício, portanto, é um culto devido, exclusiva e unicamente, a Deus. A nenhuma criatura, por mais elevada que seja, compete jamais um sacrifício.
Diz Santo Agostinho: "Quem pensaria jamais, que se pudesse oferecer sacrifício, senão ao Deus único e verdadeiro?"
Somente à idolatria insana dos Imperadores romanos ficou reservada a presunção sacrílega de exigir, dos súditos desditosos, sacrifícios de diversas formas.
Indagando a origem do sacrifício, que encontramos entre os povos, sem exceção devemos confessar, com S. Tomás de Aquino, que é uma lei natural oferecer sacrifícios a Deus, e, por este motivo, é que o homem se sente levado a sacrificar, sem insinuação ou conselho de alguém.
Com efeito, Caim e Abel, Noé e Abraão, como outros patriarcas, profetas e reis do antigo testamento ofereceram a Deus sacrifícios espontaneamente.
Porém não só os que conservaram a fé no Deus verdadeiro, mas também os povos que apostataram desta fé, os pobres pagãos, ofereceram sacrifícios a seus ídolos. Pois, o sacrifício, como a religião, da qual é a mais elevada manifestação, é, realmente, uma necessidade da natureza humana, e, por isso, encontramo-lo entre todos os povos de todos os tempos.
Por conveniência imperiosa, Jesus Cristo cuidou de deixar na sua religião, divinamente perfeita, uma forma de sacrifício, como jamais houve entre povo algum; e essa forma de sacrifício é a Santa Missa.
A respeito, ensina o Santo Concílio de Trento:
"Segundo o testemunho de S. Paulo Apóstolo, o sacerdócio levítico do antigo testamento não atingiu a perfeição. Assim, desde a origem do mundo, o Deus da Misericórdia determinara que surgisse um sacerdote podendo aperfeiçoar e completar o sacrifício. Esse sacerdote era Jesus Cristo, Nosso Senhor que, depois de se ter oferecido a seu Pai sobre o altar da cruz, não queria deixar extinto o seu sacrifício, e, na véspera de sua morte, deu a sua esposa mística estremecida, a Santa Igreja, um sacrifício visível, segundo as exigências da natureza humana."
Este sacrifício devia perpetuar o Sacrifício cruento que Jesus Cristo ia oferecer sobre a Cruz; devia perpetuar-lhe a memória até o fim dos tempos e, por sua virtude salutar, nossos pecados quotidianos deviam ser perdoados. Deste modo, Jesus Cristo declarou-se sacerdote segundo a ordem de Melquisedec, oferecendo a seu eterno Pai seu Corpo e seu Sangue, sob as aparências de pão e vinho, que deu a seus apóstolos também sob as mesmas espécies, instituindo-os sacerdotes do novo Testamento. E, dizendo as palavras: "Fazei isto em memória de mim", ordenou-lhes e aos seus sucessores no sacerdócio, que os oferecessem em sacrifício.
A Santa Igreja nos ensina que, na última Ceia, Jesus Cristo não só mudou o pão e o vinho em seu Corpo e em seu Sangue, mas também ofereceu-os a Deus, seu Pai, e instituiu e ofereceu pessoalmente o Sacrifício do novo Testamento, a fim de que se reconhecesse, nele, este sacerdote de que canta o salmista: "O Senhor jurou e não se arrependerá de seu juramento. És sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedec" (Sl. 109, 4).
Muito contrário ao costume de sua época, Melquisedec não imolava animais como faziam Abraão e outros patriarcas, mas, por inspiração do Espírito Santo, levantava o pão e o vinho para o céu e oferecia-os por meio de cerimônias e orações especiais. Assim tornou-se a figura de Jesus Cristo, e seu Sacrifício é o símbolo da nova Lei.
Como tudo que se relaciona com a pessoa do salvador foi objeto de admiráveis profecias, desde os dias do paraíso até os últimos tempos do antigo testamento, também o sacrifício que havia de coroar e perpetuar a obra redentora na cruz, foi predito séculos antes.
Escreve o profeta Malaquias:
"Minha afeição não está mais em vós, diz o Senhor dos exércitos, e nunca mais receberei ofertas de vossas mãos, porque, desde o oriente até o ocidente, meu nome é grande entre as nações e, em toda parte, se sacrifica e oferece uma oblação pura".
Esta profecia não se realizou no antigo testamento, como se vê no próprio texto, pois o próprio Deus declara rejeitar os antigos sacrifícios. Tão pouco a profecia se refere ao sacrifício da cruz, porque esse sacrifício foi oferecido somente uma vez e em um lugar.
É de um sacrifício novo e puro em que Deus tem as complacências, que o profeta fala. Esse sacrifício, infinitamente puro, não pode ser outro senão o sacrifício da Missa. Desde o momento de sua instituição no cenáculo, crêem e confessam isto os apóstolos, os evangelistas, todos os primeiros cristãos, e assim ainda crê e confessa a Igreja católica universalmente, tanto quanto as igrejas cismáticas orientais.
De acordo com o evangelista S. Lucas, a Santa Igreja ensina:
"Na véspera de sua morte, Jesus Cristo tomou o pão e, rendendo graças a Deus, partiu-o e deu aos discípulos, dizendo: "Isto é o meu Corpo que será entregue por vós; fazei isto em memória de mim". Da mesma forma, tomou o cálice depois da ceia, dizendo: "Este cálice é o novo Testamento em meu Sangue, que será derramado por vós." (Lc. 22, 19-29).
Ponderemos bem o que diz e faz o Senhor:
Muda o pão em seu Corpo, e o vinho em seu Sangue; e por esta separação mística de seu Corpo e de seu Sangue, constituiu-se em holocausto. As palavras que acompanham a transubstanciação, indicam o sacrifício. "Isto é o meu Corpo, que será entregue por vós, isto é o meu Sangue, que será derramado por vós". Ainda que se quisesse aplicar estas duas palavras "entregar" e "derramar" ao Sacrifício da Cruz, Jesus Cristo afirma, claramente, que estas duas ações se realizam na Ceia, e assim afirma também que houve aí sacrifício.
Se os adversários pretendem desvalorizar este ensino de nossa Santa Igreja, dando outras explicações torcidas e infundadas, como é que explicarão as palavras claras de S. Paulo Apóstolo, quando escreve aos Hebreus:
"Temos um altar, e uma vítima da qual os que prestam serviços ao Tabernáculo, (isto é, os judeus) não têm o direito de comer" (Hb. 13, 10). Ora, não poderia existir altar sem oblação, e a palavra "comer" indica, claramente, que não se trata do sacrifício da Cruz, mas de um sacrifício (comestível) nutriente, tal qual Jesus Cristo o instituiu na Ceia.
Lemos também, na vida do apóstolo S. Mateus, que foi morto no altar, quando celebrava os santos mistérios. Na vida de Santo André, refere-se que ele disse ao juiz Egéias: "Ofereço em sacrifício, diariamente, a Deus todo-poderoso, não a carne de touros, nem o sangue dos animais, mas o Cordeiro Imaculado".
É atribuída ainda a S. Tiago e a S. Marcos uma liturgia da Santa Missa. Enfim, atribui-se também a S. Pedro o "Cânon", isto é, a parte da Santa Missa que vai do "Sanctus" até a Comunhão.
Tantos testemunhos provam que o Santo Sacrifício do novo Testamento esteve, desde o começo, em uso na Igreja.
O fato de não se encontrar a palavra "Missa" nas sagradas letras, não pode servir de argumento contra a doutrina da Igreja. A palavra "Trindade" também não se encontra; e, não obstante, os adversários aceitam-na. Mas, em 142, encontramos a palavra Missa tal qual a empregamos. O Papa Pio I faz uso da palavra de maneira que evidencia que o termo era geralmente, adotado e conhecido. Daí em diante, a palavra Missa não desaparece mais dos escritos dos santos Padres e mais escritores da Igreja católica.
A Igreja grega emprega nomes de significação idêntica. Falam, por exemplo, da mesa ou do altar do Senhor, ceia, oferta. Em vista disso, que valem os ataques dos hereges?
Os ataques violentos promovidos, em diversas épocas, contra a Santa Missa, testemunham-lhes à santidade e importância como também o ódio com que o demônio a persegue.
No curso dos dez primeiros séculos, quando numerosos hereges afligiam a Santa Igreja, nenhum deles ousou atacá-la. Era preciso, para isto, um alto grau de perversidade, uma audácia verdadeiramente infernal.
Isto só aconteceu no décimo primeiro século pelo herege Berengar de Cours. Porém, mal havia disseminado as blasfêmias, o orbe católico recuou de espanto e clamou-lhe indignado: "Tornai-vos uma pedra de escândalo para os fiéis, separai-vos de nossa Mãe, a Santa Igreja, pois perturbais a unidade dos cristãos". Berengar, depois de anatematizado por mais de cindo Concílios, por um milagre da misericórdia divina, abjurou os erros, fez penitência, e morreu em 1088, confessando a doutrina verdadeira.
Infelizmente, a heresia sobreviveu-lhe, sendo pregada, alguns anos depois, pelos albigenses, seita perversa que declarava, entre outros erros, o matrimônio como ilícito, e permitia a impureza. Em particular, atacava a Missa privada, vulgarmente chamada Missa-rezada. Aos que assistiam a essas Missas, perseguiam com penas horrorosas e, mais ainda, aos Padres que tinham a coragem de celebrar os santos mistérios.
Após os albigenses, os inimigos mais encarniçados da Santa Missa foram os reformadores do século décimo sexto. O próprio Lutero confessa, no livro "contra a missa", cap. XIX, ter sido impelido por Satanás a abolir a Santa Missa como um ato de idolatria, e que fez sabendo, perfeitamente, que o demônio odiava todo o bem e que seus ensinos eram mentirosos.
Se as trevas infernais não tivessem invadido, inteiramente, toda a inteligência de Lutero, não teria antes raciocinado assim: se Satanás considera a Santa Missa como um ato de idolatria, para que procura abolí-la, em vez de louvá-la e propagá-la, a fim de insultar mais cruelmente o Altíssimo?
Ora, Satanás privou o Santo Sacrifício da Missa a todas as seitas luteranas, causando-lhes tão profundo ódio contra este santo mistério, que vomitaram a espantosa blasfêmia: "A Missa é uma abominável idolatria... aí renuncia-se o sacrifício cruento de Cristo!" Assim se exprime o catecismo dos calvinistas de Heidelberg.
Pobres insensatos! Neste caso, como podem admitir que uma alma se tenha salvo desde Jesus Cristo? Todos os apóstolos, todos os sacerdotes têm celebrado o Santo Sacrifício da Missa, os mártires, os confessores assistiram-no com terna devoção. Acusarão todo este exército de Cristo de idolatria, e, por conseguinte, digno do inferno? O simples bom senso a isso se opõe.
Ah, mais suave é ouvir S. Fulgêncio dizer: "Creio, sem dúvida alguma, que o Filho único de Deus, feito homem por nós, ofereceu-se em sacrifício a Deus Altíssimo, a quem a Igreja católica oferece, sem cessar, na fé e na caridade, o Sacrifício do pão e do vinho".
Tomemos cuidado para não nos acontecer o que aconteceu aos hereges, a quem Satanás tirou a Santa Missa. Não podendo privar-nos inteiramente dela, esforça-se, pelo menos, para cegar-nos sobre o valor infinito do Santo Sacrifício a fim de que, apreciando-o pouco, deixemos de assisti-lo, ou não tiremos os abundantes frutos de graças que poderíamos colher.