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A Gloriosa Ressurreição de Jesus.

 

           

1. As vésperas da ressurreição.

 

Depois de terminado o sábado, entrou João na sala das piedosas mulheres, chorou com elas e consolou-as. Quando, após algum tempo saiu, entraram Pedro e Tiago o Maior para o mesmo fim, demorando-se também pouco tempo apenas. Retiraram-se então as santas mulheres mais uma vez para a cela, chorando ainda por algum tempo, sentadas sobre a cinza e cobertas do véu de luto.

 

Enquanto a Santíssima Virgem estava sentada, em ardente oração, cheia de saudade de Jesus, vi acercar-se lhe um Anjo, que lhe disse que saísse pela portinha de Nicodemos, pois o Senhor se aproximava. Encheu-se então o coração de Maria de profunda alegria; envolvendo-se no manto, ela deixou as santas mulheres, sem dizer aonde ia. Vi-a dirigir-se apressada àquela portinha do muro da cidade pela qual tinham entrado, ao voltar do Sepulcro.

 

Podiam ser cerca de 9 horas da noite, quando vi a Santíssima Virgem parar de repente o passo apressado, num lugar deserto, perto dessa portinha; olhou com radiante amor para o muro da cidade. A alma de Jesus veio voando, resplandecente, sem sinais das chagas, ao encontro de Maria, seguida de um grande número de almas dos patriarcas. Virando-se para os patriarcas e indicando Maria, disse estas palavras: “Maria, minha Mãe” e foi como se abraçasse; depois desapareceu.

 

Maria, porém, caiu de joelhos e beijou a terra onde Ele pisara; os sinais dos joelhos e pés da Virgem ficaram impressos na pedra. Voltou então, cheia de indizível consolação, para junto das santas mulheres, que encontrou reunidas em redor de uma mesa, preparando ungüentos e especiarias. Não lhes disse o que lhe sucedera; mas estava confortada e consolou a todos e confirmou-as na fé.

        

Quando Maria voltou, vi as santas mulheres em redor de uma longa mesa, de pés cruzados, como um aparador e cuja toalha pendia até o chão. Vi algumas escolherem, misturarem e arrumarem variadíssimos molhos de ervas; tinham também alguns frascos com ungüento e outros com água de nardo, como também várias flores vivas, entre as quais me lembro de ter visto uma íris listrada ou um lírio; embrulharam tudo em panos. Durante a ausência de Maria, tinham ido à cidade Madalena, Maria Cléofas, Salomé, Joana Cuza e Maria Salomé, para comprar tudo. Queriam ir na madrugada do dia seguinte ao sepulcro, para derramar e espalhar tudo sobre o corpo amortalhado do Senhor. Vi os discípulos buscarem uma parte das especiarias em casa daquela merceeira e entregarem-nas à porta da casa das santas mulheres, sem entrar lá.

 

2. José de Arimatéia é posto em liberdade.

 

Pouco tempo depois do encontro da Santíssima Virgem com a alma do Senhor e da sua volta para junto das mulheres santas, vi José de Arimatéia rezando no cárcere. De súbito vi o cárcere cheio de luz e ouvi chamar-lhe o nome; vi o teto em parte como que levantado do muro e uma figura resplandecente, que desceu um pano, que me fez lembrar do pano em que José envolvera o corpo de Jesus e a figura mandou-o subir pelo pano. José segurou então o pano e apoiando os pés em algumas pedras salientes do muro, subiu até duas vezes a altura de um homem, à abertura que, depois de o ter deixado passar, tornou a fechar-se. Quando José chegou em cima, desapareceu a figura. Eu mesmo não sei se foi o Senhor ou um Anjo que o libertou.

 

Vi-o depois correr sobre o muro da cidade, sem ser notado, até perto do Cenáculo, que está situado perto do muro sul de Sião. Ali desceu e bateu na porta do Cenáculo. Os discípulos ali reunidos tinham fechado as portas e já se entristeciam muito pelo desaparecimento de José; ao receberem a notícia, pensaram primeiro tivesse sido lançado numa fossa.

 

Quando, porém, abriram e o viram entrar, reinou a mesma alegria que mais tarde, quando Pedro, libertado do cárcere, reapareceu entre eles. José contou a aparição que tivera; alegraram-se muito e ficaram consolados; deram-lhe de comer e agradeceram a Deus. José porém, fugiu na mesma noite de Jerusalém, para a cidade natal, Arimatéia; mas recebendo depois notícia de que não havia mais perigo, voltou para Jerusalém.

 

Pelo fim do Sábado vi também Caifás e outros sacerdotes em casa de Nicodemos, conversando com este e interrogando-o hipócritamente a respeito de muitas coisas; não sei mais do que se tratava. Ele, porém, ficou decidido e fiel na defesa do Senhor e os inimigos saíram então.

 

3. A noite antes da ressurreição de Jesus.

 

Pouco depois vi o sepulcro do Senhor. Tudo ali estava quieto e sossegado; cerca de sete guardas estavam sentados ou em pé, defronte e em redor do rochedo. Cássio raras vezes se afastara, durante todo o dia e por poucos instantes; lá estava de novo mergulhado em meditação sobre muitas coisas e em expectativa; pois receberam muitas graças e iluminações e estava interiormente esclarecido e comovido.

 

Era noite e os braseiros diante da gruta sepulcral projetavam uma viva luz em redor; então me aproximei, na minha contemplação, do corpo sagrado, para o adorar: jazia ainda inalterado, envolto nos panos, rodeado de luz, entre dois Anjos, que vi continuamente, desde que foi levado à sepultura, do lado da cabeça e dos pés, em silenciosa adoração.

        

Esses Anjos eram como figuras sacerdotais e lembravam-me vivamente os Querubins da Arca da Aliança, pela posição, com os braços cruzados sobre o peito; somente não lhes vi asas. Em geral a sepultura e o túmulo do Senhor me lembravam por diversas vezes extraordinariamente a Arca da Aliança, em várias épocas da história. Talvez que a luz e a prece dos Anjos de tenham tornado até certo ponto visíveis a Cássio e por isso ficasse em contínua contemplação diante do sepulcro fechado, como alguém que adora a SS. Sacramento.

 

Durante a minha adoração, tive a impressão de que a alma do Senhor, com as almas remidas dos patriarcas, entrava pelo rochedo na gruta, fazendo-os conhecer todo o martírio do seu santo corpo. Nesse mesmo momento me parecia que todos os invólucros eram tirados; vi o corpo sagrado cheio de feridas e era como se a divindade, que lhe permanecia unida, o mostrasse às almas de maneira misteriosa, em todos os maus tratos e cruel martírio que padecera. Parecia-me inteiramente transparente e visível todo o seu interior. Podiam-lhe conhecer as feridas, dores e sofrimentos, nas partes mais íntimas. As almas estavam cheias de indizível respeito e pareciam estremecer e chorar de compaixão.

 

Entrei depois numa contemplação, cujo mistério, em toda a extensão, não posso contar claramente. Vi a alma de Jesus entrar-lhe no corpo sagrado, sem lhe restituir a vida pela perfeita união e com ele sair do sepulcro; pareceu-me que os dois Anjos, que adoravam nas duas extremidades do túmulo, levaram o santo corpo martirizado para cima, nu, desfigurado e cheio de feridas, ereto, mas com os membros na posição em que estavam no túmulo.

 

Vi-os subir ao céu, passando pelo rochedo que tremeu; tive uma visão de Jesus, apresentando o corpo martirizado ao trono do Pai Celestial, no meio de inúmeros coros de Anjos em adoração, do mesmo modo que as almas de muitos profetas tomaram os respectivos corpos, depois da morte de Jesus, conduzindo-os ao Templo, sem que eles vivessem verdadeiramente e tivessem de morrer de novo; pois foram depois depostos pelas almas sem separação violenta. Nessa contemplação não vi as almas dos patriarcas acompanharem o corpo do Senhor. Também agora não me lembro mais onde ficaram, até que as vi novamente reunidas à alma do Senhor.

 

Notei nessa contemplação um tremor do rochedo do sepulcro; quatro dos guardas tinham ido à cidade buscar qualquer coisa, três que estavam presentes, caíram como que desmaiados. Atribuíram-no a um terremoto, não percebendo a verdadeira causa. Cássio, porém, estava muito comovido e abalado; pois viu algo do que se passou, sem ter entretanto uma clara compreensão. Mas permaneceu no posto, esperando com profundo respeito o que ia acontecer. No entanto voltaram os soldados ausentes.

 

Minha contemplação tornou a dirigir-se depois às santas mulheres. Depois de terem terminado a preparação das especiarias, que foram envolvidas em panos e arrumadas para se levarem comodamente, retiraram-se novamente para as celas; não se deitaram, porém, para dormir, encostaram-se apenas nos leitos enrolados, para descansar, porque queriam ir ao sepulcro de Jesus antes de amanhecer.

 

Tinham manifestado várias vezes receios a respeito dessa intenção; pois tinham medo de que os inimigos de Jesus lhe pudessem fazer mal, se saíssem. Mas a Santíssima Virgem, reanimada desde a aparição de Jesus, consolou-as e disse-lhes que descansassem um pouco e depois fossem sossegadamente ao sepulcro, que não lhes sucederia mal algum. Assim foram descansar um pouco.

 

Eram, porém, cerca de onze horas quando a Santíssima Virgem, impelida pelo amor e pela saudade, não achou mais sossego; levantou-se, envolveu-se inteiramente no manto cinzento e saiu sozinha de casa. Pensei ainda: “Ah! Como podem deixar sair sozinha nestas condições a santa Mãe, tão angustiada e abatida?” Vi-a, porém, ir cheia de tristeza até à casa de Caifás  e dali até ao palácio de Pilatos, o que significava uma longa volta para dentro da cidade.

 

Assim percorreu sozinha toda a via sacra de Jesus, pelas ruas desertas, demorando-se nos lugares onde o Senhor sofrera qualquer dor ou mau trato. Era como se procurasse algo que tivesse perdido. Muitas vezes se lançava por terra, apalpava com as mãos as pedras em redor, tocando depois com a mão a boca, como se tivesse tocado numa coisa sagrada, o sangue do Senhor e o beijasse respeitosamente. Estava, porém, num estado sobrenatural; pelo amor via tudo em redor de si luminoso e claro, estava toda absorta em amor e adoração. Acompanhei-a pelo caminho e senti e fiz, na medida de minhas poucas forças, tudo quanto ela sentiu e fez.

 

Ela seguiu o caminho da cruz até o Monte Calvário. Quando se aproximou deste, parou de repente e vi Jesus, com o santo corpo torturado, aparecer diante da Santíssima Virgem; um Anjo ia á frente, os dois Anjos que o adoravam no sepulcro, iam ao lado, seguindo-se um grande número de almas remidas. O corpo não se movia, era como um cadáver ambulante, rodeado de luz; mas ouvi sair dele uma voz, que anunciou à Mãe Santíssima o que Ele tinha feito no limbo e que em breve ressuscitaria, com corpo vivo e glorificado e viria ao seu encontro; que o esperasse perto da pedra em que caíra, no Monte Calvário. Vi depois essa aparição se dirigir à cidade e a Santíssima Virgem, envolta no manto, prostrando-se de joelhos, rezar no local onde o Senhor a mandara esperar. Já devia ser mais de meia noite, pois Maria gastara muito tempo em seguir a via sacra.

 

Vi, porém, o cortejo do Senhor percorrer também todo o caminho da cruz. todo o suplício e os padecimentos de Jesus foram mostrados às almas e os Anjos colheram, de maneira misteriosa, toda a substância sagrada que lhe fora arrancada, durante a Paixão. Vi que lhes foi mostrado também a crucifixão, a elevação da cruz, o golpe da lança no lado, a descida da cruz e a preparação para a sepultura; a Santíssima Virgem contemplou tudo em espírito e adorou-O com amor.

 

Vi então, na contemplação, o corpo do Senhor jazendo novamente no túmulo e que os Anjos lhe tinham restituído, de maneira misteriosa, tudo quanto lhe fora tirado, durante o suplício. Vi-o de novo envolta na mortalha, rodeado de esplendor e os dois Anjos em adoração, nas extremidades do túmulo, do lado da cabeça e dos pés. Não posso explicar como O vi; são tantas e tão variadas coisas, tão inefáveis, que a nossa inteligência não as pode compreender segundo as leis comuns da natureza. Quando as vejo, é tudo tão claro e compreensível, mas depois de me turva a mente, de modo que não o posso claramente descrever.

 

Quando o céu clareou-se a leste de um alvo rasto luminoso, vi Madalena, Maria Cléofas, Joana Cuza e Salomé, envoltas nos mantos, saírem da habitação, no Cenáculo. Levavam sob os mantos as especiarias, embrulhadas nos panos e uma delas levava também uma lanterna acesa. As especiarias constavam de flores vivas, para serem espalhadas sobre o corpo e de suco extraído de plantas, essências e óleos, que queriam derramar sobre ele. Vi as santas mulheres encaminharem-se, com muito receio, em direção à portinha de Nicodemos.

 

4. A Ressurreição do Senhor.

 

Vi a alma de Jesus aparecer, com grande esplendor, entre dois Anjos de figura guerreira, (os Anjos que eu via dantes tinham figura sacerdotal), rodeado de muitas outras figuras luminosas; passando por cima através do rochedo do sepulcro, desceu sobre o santo corpo, como se inclinasse para ele e com ele se fundisse. Então vi os membros se lhe moverem nos invólucros e o corpo vivo, e resplandecente do Senhor, unido à alma e à divindade, sair, ao lado das mortalhas, como se saísse da chaga do lado. Esta visão me recordou Eva, que saiu do lado de Adão. Tudo estava cheio de luz e esplendor.

 

Nesse momento vi, na minha contemplação, a aparição de uma forma monstruosa, que dos infernos subiu, por baixo do túmulo. Levantou raivosamente a cauda de serpente e a cabeça de dragão contra o Senhor. Além disso, como ainda me recordo, tinha uma cabeça humana. Vi, porém, na mão do Redentor ressuscitado um belo bastão branco e sobre este uma bandeira desfraldada. O Senhor pisou a cabeça do dragão e bateu três vezes com o bastão na cauda da serpente; vi-a encolher-se cada vez mais e afinal desaparecer; a cabeça do dragão foi pisada e esmagada na terra e só a cabeça humana lhe ficou ainda. Tenho tido essa visão já por diversas vezes na contemplação da ressurreição e vi também uma serpente semelhante, espreitando à hora da conceição de Nosso Senhor.

 

A forma dessa serpente lembra-me sempre a serpente do paraíso, mas era ainda mais hedionda. Penso que essa visão se referia à promissão: “A semente da mulher esmagará a cabeça da serpente”. Parecia-me um símbolo da vitória sobre a morte; pois enquanto Jesus esmagou a cabeça do dragão, não vi mais o sepulcro, mas vi o Senhor passar resplandecente através do rochedo. Tremeu a terra, um Anjo em figura de guerreiro desceu do céu ao sepulcro, como um relâmpago, levantou a pedra para o lado direito e sentou-se-lhe em cima. Foi tal o tremor de terra, que as lanternas oscilavam e as chamas saiam por todos os lados.

 

A vista disso, caíram por terra os guardas, como que atordoados e jaziam como mortos, com os membros tortos. Cássio viu tudo de luz e esplendor; mas recobrando ânimo, aproximou-se resolutamente do túmulo, abriu um pouco as portas, examinou as mortalhas vazias e afastou-se, para ir relatar a Pilatos o que acontecera. Mas ainda se demorou um pouco na proximidade, esperando que sucedesse mais alguma coisa; pois vira só o terremoto, o Anjo que num instante levantara a pedra e se lhe sentara em cima, o túmulo vazio, mas não vira Jesus. Como também os guardas, foi Cássio um dos primeiros que deram notícia do sucedido aos Apóstolos.         

 

No mesmo momento em que o Anjo desceu ao sepulcro e a terra tremeu, vi o Senhor aparecendo à Mãe Santíssimaperto do Monte Calvário. Estava maravilhosamente belo, sério e luminoso. A veste, que lhe envolvia o corpo como um largo manto, flutuava no ar atrás dEle quando caminhava e tinha reflexos de cor branca azulada, como fumaça vista através  da luz do sol. As chagas estavam largas e brilhavam; nas chagas das mãos se podia introduzir bem um dedo. Os lábios das chagas tinham a forma de três triângulos eqüiláteros, coincidindo no centro de um circulo. Do meio das mãos saiam raios luminosos para os dedos. As almas dos patriarcas inclinaram-se diante da Mãe de Jesus, à qual o Senhor disse, em poucas palavras, que me fugiram da memória, que tornaria a vê-Lo. Mostrou-lhe as chagas e quando ela se prostrou por terra, para beijar-lhe os pés, tomou-a pela mão e levantando-a, desapareceu.

 

Vi ao longe o brilhar das lanternas ao lado do sepulcro e a leste de Jerusalém uma luz branca no horizonte – o amanhecer do dia.

 

5. As santas mulheres no sepulcro. Aparições de Jesus.

 

As santas mulheres estavam perto da pequena porta de Nicodemos, quando o Senhor ressuscitou. Nada notaram dos prodígios que nesse momento se deram, nem sabiam que fora posta uma guarda à porta do túmulo; pois na véspera, como era sábado, ninguém fora ao sepulcro e elas tinham ficado de luto, com as portas fechadas. Inquietas, diziam umas às outras: “Quem nos tirará a pedra da porta?” Pois no desejo de prestar homenagem ao corpo do Senhor, tinham se esquecido inteiramente da pedra.

 

Tinham a intenção de derramar água de nardo e ungüentos sobre o corpo do Senhor e cobri-lo de flores e ervas aromáticas, pois não tinham contribuído para as especiarias usadas no embalsamamento, de cujas despesas se encarregava Nicodemos e por isso queriam agora oferecer ao corpo do Senhor e Mestre o que de mais preciso podiam encontrar. Salomé comprara a maior parte; não era a mãe de João, mas outra Salomé, uma senhora rica de Jerusalém, aparentada com S. José. Resolveram que iriam pôr as especiarias sobre a pedra, diante do túmulo e esperar até que porventura viesse um dos discípulos, que lhes abrisse as portas, no entanto continuavam caminhando para o jardim do sepulcro.

 

Vi os guardas deitados em redor, como mortos e com os membros tortos. A pedra fora colocada do lado direito da gruta, de modo que se podia abrir a porta que, porém, ainda estava encostada. Vi através da porta, no leito sepulcral, os panos em que o corpo de Jesus tinha sido envolto. O pano largo, que cobria todo o corpo, estava inalterado, apenas vazio e encolhido, continha somente as ervas aromáticas. A faixa com que fora enrolado, estava ao longo do lado anterior do leito Sepulcral mas não fora desenrolada. O pano com que Maria lhe cobrira a cabeça, encontrava-se na cabeceira, à direita, na mesma posição em que lhe envolvera a cabeça, apenas o véu do rosto fora aberto.

 

Vi então as mulheres se aproximarem do jardim. Vendo as lanternas da guarda e os soldados deitados em redor, assustaram-se e deixando de lado o jardim, seguiram alguns passos em direção ao Gólgota. Madalena, porém, esqueceu-se de todo o perigo e entrou apressada no jardim; Salomé seguiu-a a alguma distância. Eram as duas principalmente que tinham comprado os ungüentos. As duas outras mulheres eram mais tímidas e ficaram fora do jardim.

 

Vi Madalena, deparando com os guardas, correr assustada para trás, ao lado de Salomé; depois avançaram juntas e passando timidamente por entre os soldados, que ainda estavam atordoados, entraram na gruta. Viram a pedra já afastada; as portas estavam encostadas, como provavelmente Cássio as deixara. Então abriu Madalena, com grande ânsia, uma das portas, olhou assustada para o leito sepulcral e viu todos os panos vazios e separados. Tudo estava cheio de esplendor e um Anjo sentado à direita, sobre o túmulo.

 

Madalena ficou espantada; não sei se ouviu qualquer palavra do Anjo. Correu precipitadamente para fora do jardim, pela pequena porta de Nicodemos, ao encontro dos Apóstolos, reunidos na cidade. Também não sei se Maria Salomé, que não entrara na gruta, ouviu alguma palavra do Anjo; vi-a fugir do sepulcro e do jardim, muito assustada, logo depois de Madalena e juntar-se às mulheres que ficaram fora do jardim, às quais anunciou o que sucedera.

 

Tudo isso foi feito com grande pressa e com o espanto de quem viu espíritos. As outras mulheres, ouvindo as notícias de Maria Salomé, assustadas e ao mesmo tempo satisfeitas, não ousaram por algum tempo entrar no jardim.

 

Cássio, porém, depois de sair do sepulcro, demorara-se algum tempo nos arredores, esperando ver Jesus ou que este aparecesse talvez às mulheres, que se aproximavam; dirigiu-se depois apressadamente à porta da cidade, para levar notícias a Pilatos e passando perto das santas mulheres, contou-lhes em poucas palavras o que vira, exortando-as a que fossem verificá-lo com os próprios olhos.

 

Então recobraram ânimo e entraram juntas no jardim e tendo entrado com muito medo na gruta, viram diante delas os dois Anjos do sepulcro, em vestes sacerdotais, brancas e resplandecentes. As mulheres, extremamente assustadas, estreitando-se uma à outra e cobrindo o rosto com as mãos, inclinaram-se até à terra. Um dos Anjos, porém, falou-lhes, dizendo que não se assustassem; não procurassem ali o Crucificado, pois estava vivo, tinha ressuscitado e não se achava mais entre os mortos. Mostrou-lhes também o leito vazio do sepulcro e mandou-lhes que anunciassem aos discípulos o que tinham ouvido e visto, avisando-lhes que Jesus os precederia na Galiléia; deviam lembrar-se do que lhes dissera na Galiléia: “O Filho do homem será entregue nas mãos dos pecadores e crucificado e no terceiro dia ressuscitará dos mortos”.

 

Então desapareceram os Anjos e as santas mulheres, com temor e tremendo, olharam para o leito sepulcral e os panos, chorando e ao mesmo tempo cheias de alegria; depois saíram, dirigindo-se à porta da cidade pela qual Jesus saíra para o suplício. Estavam ainda espantadas, não se apressavam, mas paravam de vez em quando, olhando em redor, na esperança de ver Jesus ou que Madalena voltasse.

 

No entanto vi Madalena chegar ao Cenáculo; estava como que desvairada e bateu com veemência à porta. Alguns dos discípulos estavam ainda deitados, dormindo ao longo das paredes; outros já se haviam levantado e estavam conversando; Pedro e João foram abrir. Madalena disse apenas: “Tiraram o Senhor do sepulcro, não sabemos para onde o levaram”. Tendo dito isto, voltou ao jardim do sepulcro, correndo com grande pressa. Pedro e João entraram de novo em casa, disseram algumas palavras aos outros discípulos e seguiram-na depois apressadamente, mas João mais ligeiro do que Pedro.

 

Vi Maria Madalena entrar novamente no jardim e correr ao sepulcro, perturbada pela corrida forçada e a tristeza. Estava toda molhada de orvalho, o manto caíra-lhe da cabeça aos ombros e os cabelos tinham-se-lhe soltado. Como estava só, teve medo de entrar na gruta, mas ficou no fosso, diante da gruta; ali se inclinou, para olhar para dentro do túmulo, através da porta baixa da gruta.

 

Segurando o longo cabelo com as mãos, viu dois Anjos de vestes brancas, sacerdotais, sentados à cabeceira e aos pés do túmulo e ouviu ao mesmo tempo a voz de um deles: “Mulher, por quê choras?” E Madalena exclamou, cheia de tristeza, (pois não pensava senão no corpo de Jesus, que não estava mais ali): “Levaram o meu Senhor e não sei onde o puseram!” Dizendo isso e vendo só os panos, virou-se logo, como quem procura alguém; pensava que devia encontrá-Lo em qualquer parte e tinha um vago sentimento de sua presença e nem a aparição dos Anjos podia dissuadi-la. Parecia não se lembrar que eram Anjos; pensava só em Jesus, perguntava somente a si mesma: “Jesus não está aqui; onde estará Ele?”

 

Vi-a alguns passos diante da gruta, vagando de um lado para o outro, como quem, com grande perturbação, está procurando alguém. O longo cabelo caia-lhe de ambos os lados sobre os ombros; uma vez o segurou no ombro direito, com ambas as mãos; depois o pegou de ambos os lados e jogou-o para trás, olhando sempre em redor.

 

De súbito viu, a dez passos de distância, a leste do rochedo sepulcral, onde o jardim sobe para o muro da cidade, atrás de uma palmeira, nas moitas, uma figura alta, vestida de branco, à luz do crepúsculo e correndo para lá, ouviu de novo as palavras: “Mulher, por quê choras? A quem procuras?” Julgou que fosse o jardineiro e eu também lhe vi na mão uma enxada e na cabeça um grande chapéu, que se parecia com um pedaço de casca de árvore, para proteger do sol, como vi também o jardineiro na parábola que Jesus contou às mulheres, em Betânia, pouco antes da Paixão.

 

A aparição não era luminosa, mas de um homem vestido de uma longa veste branca, à luz do crepúsculo. Às Palavras: “Quem procuras?” Madalena respondeu imediatamente: “Senhor, se O levaste, dize-me onde está e irei buscá-Lo”. E ao mesmo tempo olhou em redor, para ver se o achava ali perto. Então lhe disse Jesus, com a voz habitual: “Maria!” Reconhecendo-Lhe a voz e esquecendo a crucificação, morte e sepultura, Madalena virou-se imediatamente e disse-Lhe, como se Ele ainda estivesse vivo: “Raboni (Mestre)!” E caiu de joelhos, estendendo as mãos para lhe abraçar os pés. Jesus, porém, ergueu a mão para a afastar, dizendo: “Não me toques: pois ainda não subi ao meu Pai. Mas vai a meus irmãos e dize-lhes: “Ascenderei a meu Pai e a vosso Pai, a meu Deus e a vosso Deus”. E o Senhor desapareceu.

 

Recebi também a explicação do motivo pelo qual Jesus disse: “Não me toques”; mas não me lembro mais muito bem. Parece-me que o disse, porque Madalena era muito impetuosa e estava dominada inteiramente pela convicção de que Ele vivia como dantes e que tudo era como outrora. Das palavras de Jesus: “Ainda não subi a meu Pai”, recebi a explicação de que ele não se apresentara ainda ao Pai depois da Ressurreição e não lhe agradecera ainda a vitória sobre a morte e a Redenção. Parecia dizer com isso que as primícias da alegria pertenciam a Deus; antes de tudo devia lembrar-se de dar graças a Deus, pelo mistério consumado da Redenção e da vitória sobre a morte; pois Madalena queria abraçar-Lhe os pés, como dantes e não pensava senão no Mestre querido e esquecera, no enlevo do amor, o grande milagre da ressurreição.

 

Depois do desaparecimento do Senhor se levantou Madalena e correu mais uma vez ao sepulcro, como para se convencer de que não tinha sonhado. Então vi os dois Anjos sentados à cabeceira e aos pés do túmulo, ouviu o que tinham dito também às outras mulheres, a respeito da ressurreição, viu os panos; convencida do milagre e da visão, saiu correndo, para procurar as companheiras no caminho do Gólgota; pois, andavam ainda pelos arredores, indecisas, esperando a volta de Madalena e nutrindo o desejo de ver o Senhor em qualquer parte.

 

Tudo o que se deu com Madalena, durou apenas alguns minutos; podiam ser cerca de duas horas e meia, quando lhe apareceu o Senhor. Ela correra justamente para fora do jardim, quando entrou João e logo após este, Pedro. João ficou na entrada e curvando-se, olhou pela porta meio aberta do sepulcro e viu lá dentro os panos. Então chegou Pedro e entrou na gruta; lá viu as mortalhas dobradas, nas quais estavam embrulhadas as especiarias: tudo enlaçado com faixa de pano, como as mulheres costumam enrolar tais panos para guardas; o véu do rosto, porém, estava dobrado perto da parede, do lado direito. João entrou então também na gruta e, aproximando-se do leito sepulcral, viu-o e creu na ressurreição; pois nesse momento se lhes tornou claro o que Jesus tinha dito e o que está escrito na Escritura e a que dantes tinham prestado pouco atenção. Pedro levou os panos sob o manto. Depois saíram, correndo, pela pequena porta de Nicodemos; João, porém, tomou novamente a dianteira.

 

Vi com eles e também com Madalena, o sepulcro. Ambas às vezes vi os dois Anjos sentados à cabeceira e aos pés, como sempre e durante todo o tempo em que o santo corpo de Jesus esteve no sepulcro. Pareceu-me, porém, que Pedro não os viu. Quanto a João, ouvi-o dizer mais tarde os discípulos de Emaús que, olhando de fora para dentro, vira um Anjo. Talvez fosse por isso que, assustado, deixou primeiro entrar Pedro e não o escreveu no Evangelho por humildade, para não ter visto mais do que Pedro.

 

Depois vi os guardas, estendidos por ali, recobrarem os sentidos e levantarem-se. Tomaram as lanças e os braseiros, que ardiam na entrada, em cima de hastes e lançavam luz na gruta, saíram assustados e perturbados do jardim e voltaram à cidade, pela porta pela qual Jesus fora conduzido à morte.

 

No entanto encontrara Madalena as santas mulheres e contara-lhes que comunicara a Pedro ter visto os Anjos; as mulheres responderam-lhe que também tinham visto os Anjos. Madalena voltou apressadamente à cidade, pela porta do Calvário; as mulheres, porém, foram novamente na direção do Jardim, esperando talvez encontrar ainda lá os dois Apóstolos. Os guardas passaram-lhes perto e disseram-lhes algumas palavras.

 

Quando as santas mulheres chegaram próximas ao jardim do sepulcro, veio-lhes ao encontro Jesus, com uma veste larga e branca, que lhe cobria até as mãos e disse: “Deus vos salve!” Elas estremeceram e caíram-Lhe as pés, os quais pareciam querer abraçar; mas não me lembro mais claramente de o ter visto. O Senhor disse-lhes algumas palavras, apontou com a mão em uma direção e desapareceu.

 

As santas mulheres foram depressa pela Porta de Belém a Sião, para anunciar aos discípulos que tinham visto o Senhor e o que Ele lhes dissera. Estes, porém, não queriam a princípio lhes dar fé às afirmações, nem às de Madalena, tomando tudo, até à volta de Pedro e João, por imaginação das mulheres.

 

João e Pedro, que se tornara muito pensativo com o que tinha visto, encontraram-se, ao voltar, com Tiago o Menor e Tadeu, que os tinham querido seguir ao sepulcro. Também esses dois estavam muito comovidos, pois o Senhor lhes aparecera perto do Cenáculo. Vi, porém, que Jesus tinha passado perto de Pedro e João: pareceu-me que Pedro O viu, pois vi-o de súbito extremamente comovido. Não sei se João também O reconheceu.

 

Nas visões que se referem a esse tempo, vejo muitas vezes, em Jerusalém e em outros lugares, o Senhor e outras aparições no meio de homens, mas não noto que estes o avistem. Às vezes vejo alguns estremecerem de repente espantar-se, enquanto que outros ficam indiferentes. Parece-me que vejo o Senhor sempre, mas percebo ao mesmo tempo que naqueles dias os homens o viam só de vez em quando.

 

Do mesmo modo tenho visto sempre os dois Anjos sacerdotais na gruta do sepulcro, desde a sepultura do Senhor, mas vi também que as santas mulheres às vezes os viam, outras vezes viam só um e ainda em outras ocasiões viam ambos. Os Anjos que falaram às mulheres, eram os Anjos de aparência sacerdotal. Falou apenas um deles e só um foi visto, porque a porta não estava aberta. O Anjo que desceu do céu como um relâmpago, rolou a pedra para o lado o sentou-se-lhe em cima, apareceu na figura de um guerreiro. Cássio e os guardas viram-no a princípio sentado na pedra. Os Anjos que falaram ainda depois, eram um ou dois Anjos do sepulcro. Do motivo porque tudo assim sucedeu, não me lembro mais; quando o vi, não fiquei surpresa; pois lá vemos muito simples e direito e nada parece estranho.

        

6. Relatório da guarda do sepulcro.

 

No entretanto chegara Cássio ao palácio de Pilatos, cerca de uma hora depois da ressurreição. Vi o governador deitado no leito e Cássio apresentar-se-lhe e relatar-lhe, muito comovido, como o rochedo tremera e um Anjo descera do céu, removendo a pedra e as mortalhas ficaram vazias. Jesus era com certeza o Messias e o Filho de Deus; ressuscitara e não estava mais no sepulcro. Ainda contou outras coisas que vira.

 

Pilatos ouviu tudo com um oculto terror, mas não deixou perceber nada e disse a Cássio: “És um sonhador; fizeste muito mal em colocar-te junto do sepulcro do Galileu; pois os deuses dEle conquistaram poder sobre ti e fizeram-te ver todas essas visões fantásticas. Dou-te o conselho de não falar dessas coisas ao sumo Sacerdote, senão te meterás em maus lençóis”.

 

Fingiu também crer que o corpo de Jesus fosse roubado pelos discípulos e que a guarda descrevesse o sucedido de modo diferente apenas para se desculpar, porque havia permitido o roubo ou porque não cumprira com o dever ou talvez porque tivesse sido enfeitiçada. Tenho Pilatos falado ainda mais tempo dessa maneira indecisa, despediu-se Cássio e o governador mandou novamente oferecer sacrifícios aos ídolos.

 

Vieram ainda quatro dos soldados da guarda, dando a mesma informação a Pilatos, que os mandou a Caifás, sem lhes manifestar opinião. Vi uma parte dos soldados da guarda dirigir-se imediatamente a um vasto pátio perto do Templo, onde estavam muitos anciãos do povo. Vi estes se reunirem em conselhos e depois tomarem os soldados de parte e os induzirem, com dinheiro e ameaças, a dizerem que os discípulos tinham roubado o corpo de Jesus, enquanto os guardas dormiam.

        

Como, porém, os soldados replicassem que os camaradas contariam o contrário a Pilatos, prometeram os fariseus arranjar tudo com Pilatos e persistiam em descrever o sucedido como o tinham contado ao governador. Mas já se espalhara também a notícia da fuga inexplicável de José de Arimatéia do cárcere bem fechado e como os fariseus quisessem lançar suspeitas sobre os guardas, que persistiam em proclamar a verdade, acusando-os de terem combinado com os discípulos o roubo do corpo de Jesus e ameaçando-os violentamente, se não o trouxessem de novo, responderam os guardas que não o podiam fazer, assim como os guardas do cárcere não podiam trazer o fugitivo José de Arimatéia.

 

Responderam valentemente às acusações e não se deixaram induzir por nenhum suborno a guardar silêncio, a respeito dos acontecimentos; até falaram com muita franqueza do falso e odioso julgamento de sexta-feira e da interrupção das cerimônias da Páscoa; então foram presos e lançados no cárcere os outros, porém, espalharam o boato de que os discípulos tinham roubado o corpo de Jesus e os fariseus mandaram propagar esta mentira em todos os lugares e sinagogas do mundo, junto com outros insultos a Jesus.

 

Mas esta mentira lhes foi de pouco proveito; pois após a ressurreição de Jesus, apareceram muitas almas de santos judeus defuntos e comoveram os corações dos descendentes, levando a converterem-se os que ainda eram acessíveis à graça e ao arrependimento. Vi também tais aparições apresentarem-se a muitos discípulos que, abalados na fé e desanimados, se tinham dispersado pelo país; consolaram e firmaram-nos na fé.

 

A ressurreição dos corpos mortos dos sepulcros, depois da morte de Jesus, não tinha semelhança com a ressurreição do Salvador; pois o Senhor ressuscitou com o corpo glorificado e revivificado, andou na terra vivo e em pleno dia e subiu ao céu com esse mesmo corpo, diante dos olhos dos amigos; esse corpo não era mais sujeito à morte e ao sepulcro.

        

Mas os outros ressuscitados eram apenas cadáveres ambulantes e sem movimento, dados como invólucro às almas, que de novo os depuseram no seio da terra, onde esperam a ressurreição final, como todos nós. Em verdade ressuscitaram menos do que Lázaro, que viveu verdadeiramente e mais tarde morreu segunda vez; pois aqueles foram depostos nos sepulcros, como vestimentas das almas, quando o corpo de Jesus foi sepultado.

        

7. Ameaças dos inimigos.

 

No domingo seguinte, se não me engano, vi os judeus começarem a limpar, a lavar e purificar o Templo. Encheram o chão de flores e cinza de ossos de mortos e ofereceram sacrifícios de expiação; tiraram os escombros, fecharam as aberturas com tábuas e tapetes e fizeram depois as cerimônias da Páscoa, as quais na própria festa não tinham podido completar.

 

Proibiram, porém, todos os boatos e murmúrios, explicando a interrupção da festa e as destruições no Templo como conseqüência do terremoto e da presença de pessoas impuras durante o sacrifício; citaram um trecho de uma visão do profeta Ezequiel, sobre a ressurreição dos mortos, não sei mais como a aplicaram a esse fato. Demais ameaçaram com penas e excomunhão. Assim reduziram todos os silêncios, pois muitos se sentiam culpados, como cúmplices do crime. Contudo conseguiram acalmar realmente apenas a grande multidão, endurecida no pecado e já perdida; a parte melhor do povo converteu-se silenciosamente nessa ocasião e abertamente na festa de Pentecostes e mais tarde na sua terra, ao ouvir a pregação dos Apóstolos.

 

Os Sumos Sacerdotes tornaram-se por isso cada dia menos arrogantes e o número dos fiéis aumentou, de modo que já nos dias do Diácono Estevão, todo o bairro de Ofel e a parte oriental de Sião não podia mais conter a multidão da comunidade de Jesus Cristo e os cristãos construíram as cabanas e tendas além da cidade, através do vale de Cedron, até Betânia.

 

Vi naqueles dias o Sumo Sacerdote Anás como que possesso do demônio; puseram-no em reclusão e não apareceu mais. Caifás estava desvairado de secreto furor.

 

Na quinta-feira depois da Páscoa, vi Pilatos procurar a esposa, mas em vão. Estava escondida em casa de Lázaro, em Jerusalém. Ninguém imaginava que estivesse ali, pois naquela ocasião não se encontravam mulheres no edifício, só Estevão, o discípulo que ainda não era conhecido como tal, entrava e saia de vez em quando da casa, levando-lhe comida e dando-lhe notícias e preparava-a para a conversão. Estevão era primo de Paulo. Simão de Cirene procurou depois do sábado os Apóstolos, pedindo admissão e o batismo.

        

 

8. Ágape após a ressurreição de Jesus.

 

(*Ágape: Refeição que os primitivos cristãos faziam em comum. Refeição entre amigos.)

 

Nicodemos, preparou uma refeição para os Apóstolos, as mulheres e uma parte dos discípulos, sob as colunatas abertas, no vestíbulo do Cenáculo. Depois do meio-dia ali se reuniram dez dos Apóstolos; Tomé retraíra-se arbitrariamente, afastando-se um pouco dos outros. Tudo quanto se fez ali foi para cumprir a vontade de Jesus que na ceia pascal se sentara entre Pedro e João, revelando-lhes diversos mistérios do SS. Sacramento e fazendo-os depois sacerdotes; ordenou-lhes também que ensinassem essas verdades aos outros, juntamente com as doutrinas anteriores a esse respeito.

 

Vi primeiro Pedro e João, no meio dos outros oito Apóstolos, comunicando-lhes os mistérios que Jesus lhes confiara; explicaram-lhes também a doutrina do Senhor a respeito do modo de administrar este Sacramento e de ensiná-lo aos discípulos. Vi que, de uma maneira sobrenatural, tudo quanto Pedro ensinou, foi dito também por João. Todos os Apóstolos estavam revestidos das vestes brancas de cerimônia, sobre as quais Pedro e João haviam colocado nos ombros uma estola, cruzada no peito e segura com um gancho; os outros Apóstolos traziam uma estola sobre um ombro, a qual, passando pelo peito e as costas, cruzava debaixo do outro braço e era segura por um gancho. Pedro e João eram sacerdotes, ordenados por Jesus, os outros eram ainda diáconos.

 

Terminada esta explicação, entraram na sala também as santas mulheres, em número de nove; Pedro falou-lhes e ensinou-lhes. João, Porém, foi receber na casa do despenseiro, perto do portão, dezessete dos mais provados discípulos, que estiveram mais tempo com Jesus. Entre esses estavam: Zaqueu, Natanael, Matias, Barsabás e outros. João serviu-os no lava-pés e na vestição; vestiram longas vestes brancas e cintas. Depois da explicação da doutrina, Mateus foi enviado por Pedro à Betânia, para ensinar a muitos outros discípulos, durante uma refeição semelhante, em casa de Lázaro e fazer tudo o que os Apóstolos tinham feito no Cenáculo.

 

A refeição foi realmente um banquete. Rezaram em pé e comeram deitados sobre os leitos e durante a refeição Pedro e João ensinaram. No fim do banquete foi colocado em frente a Pedro um pão delgado e estriado, que ele partiu nas partes marcadas e subdividiu cada parte mais uma vez. Depois mandou passar esses bocados, em dois pratos, por ambos os lados da mesa. Passou também de mão em mão um grande cálice, do qual todos beberam. Se bem que Pedro benzesse o pão, não era contudo o SS. Sacramento, mas apenas um ágape*(refeição); Pedro disse ainda que ficassem unidos, como era um só o pão que os alimentara e o vinho que beberam. Depois se levantaram todos e cantaram salmos.

 

Tiradas as mesas, as santas mulheres formaram um semicírculo, na extremidade da sala; os discípulos colocaram-se de ambos os lados e todos os Apóstolos andavam de um lado para outro, ensinando e revelando a esses discípulos mais provados o que lhes podiam comunicar sobre o SS. Sacramento. Pareceu-me ser a primeira explicação do catecismo depois da morte de Jesus. Vi também que depois apertaram as mãos uns aos outros, declarando ardentemente que queriam ter tudo em comum, dar tudo uns aos outros e ficar todos unidos.

 

Então vi em todos uma grande comoção. Talvez tivessem sentido só interiormente o que vi exteriormente: pois vi-os, no meio de uma luz brilhante, fundirem-se uns aos outros e tudo formou afinal um templo de luz, em que apareceu a SS. Virgem como cume e centro de todos. Até mesmo vi que toda a luz emanava dela para os Apóstolos e destes voltava, pela SS. Virgem, ao Senhor. Era uma imagem das relações recíprocas entre os presentes.

 

Fonte: Extraído do Livro "Vida, Paixão e Glorificação do Cordeiro de Deus - Anna Catharina Emmerich - Ed. MIR.