PADRE GABRIELE AMORTH
Famoso Exorcista da diocese de Roma.
A HISTÓRIA DOS EXORCISMOS NA IGREJA CATÓLICA
Tenho dificuldade em abordar a história dos exorcismos na Igreja Católica, desde Jesus Cristo até hoje.
É uma história que ainda não foi escrita; fato que representa uma grave lacuna. E, no entanto, é necessário procurar traçar uma história dos exorcismos, porque só assim podemos tomar consciência, com maior exatidão, do ponto de chegada, ou seja, da situação presente em que nos encontramos, nós, católicos.
Para tal, faço uso dos estudos realizados e, sobretudo, da conferência profunda que o meu companheiro, padre Franco Pierini, docente de patrologia (um ramo da teologia) e história eclesiástica, apresentou no Congresso Nacional dos Exorcistas Italianos, que promovi em setembro de 1993. digo, desde já, que a minha perspectiva é pastoral; por isso, omitirei toda a grandeza necessária de citações que caracterizam um livro científico. E peço desculpas se houver lacunas ou inexatidões: deixo a tarefa de completar e corrigir para aqueles que decidirem, finalmente, elaborar uma exposição histórica sobre este tema.
Por que motivo considero tão importante esta exposição, que chego a apresentá-la em primeiro lugar no meu livro? Certamente que não é para ser polêmico. O objetivo da minha intensa atividade de exorcista é ser fiel ao mandato de Cristo e ao bem das almas.
Para alcançar este fim, não hesitei em dizer o que me parecia obrigatório pessoalmente, através de todos os meios de comunicação: livros, artigos, entrevistas televisivas, entrevistas radiofônicas e jornalísticas. Vários bispos amigos dizem-me que, se nestes últimos anos na Itália foram nomeados mais de 150 exorcistas – também deve ter acontecido o mesmo em dioceses que nunca os tiveram -, foi em parte, graças à minha contribuição. Agradeço a Deus que assim seja. Mas, a meu ver, estamos bem longe daquilo que o Senhor deseja para a Sua Igreja.
Estarei exagerando? Há cerca de três séculos que, na Igreja Católica, quase não se fazem exorcismos: no ensino acadêmico (seminários, universidades pontifícias), nos últimos decênios, quase nunca se fala do demônio e, muito menos, dos exorcismos.
Atualmente temos um clero – sacerdotes e bispos – que não tem qualquer preparação sobre este tema, salvo raríssimas exceções. Por outro lado, o Evangelho é claro; o exemplo dos Apóstolos é claro; a prática da Igreja, há cerca de três séculos, é igualmente clara. E é claríssima para quem se dedica incansavelmente a este ministério, à necessidade imediata dos fiéis, à causa crescente procura. Veremos a razão deste estado de coisas quando falarmos sobre o ocultismo e sobre os doze milhões de italianos que freqüentam magos, cartomantes e pessoas semelhantes.
Mas, entretanto, questiono-me: qual é, hoje, a resposta dos homens da Igreja?
Apresento um fato: que é tempo de reflexão. Uma das transmissões televisivas em que participei e que mais me impressionaram foi transmitida pela Raí 2 (rede italiana de televisão), por Alessandro Cecchi Paone, no dia 18 de dezembro de 1994.
Diante de um público de muitos milhões de expectadores, tive a alegre surpresa de não ser o único exorcista a participar. Estava prevista uma ligação a Palermo, na qual, padre Matteo La Grua, o exorcista mais conhecido da Sicília e uma das pedras fundamentais dos exorcistas italianos, também seria entrevistado e filmado. Estava prevista também, uma outra participação; desta vez, de Treviso, onde seria entrevistado o exorcista de Pordenome, monselhor Ferrucio Sutto. Inútil dizer que ambos os exorcistas eram meus amigos.
O fato que mais me impressionou foi precisamente o que ocorreu durante o telefonema com Treviso. Foi filmada de costas uma senhora que, após um série de exorcismos, tinha sido libertada do demônio.
A entrevistada falava do seu grande sofrimento e da felicidade que sentia por ter sido, finalmente, libertada. Mas aquilo que mais me impressionou foram as palavras conclusivas do marido: “Foram precisos dez anos para que encontrássemos um bispo que acreditasse em nós e nomeasse um exorcista que libertasse a minha mulher!”.
Dez anos de tortura; dez anos de portas fechadas na cara, de zombaria, de “vocês são doidos”. Dez anos que, enquanto prosseguia com tratamentos médicos, gastaram, inutilmente, tudo o que tinham.
Acreditam em mim, não exagero: este fato espelha a situação da Igreja italiana neste campo. O Papa João Paulo II, como preparação para o Jubileu, convidou para que se fizesse um profundo exame de consciência sobre todos os erros e faltas; e indicou, sobretudo, o período de 1994 a 1996. É necessário ter a coragem da verdade.
Procurei também informar-me sobre a situação dos outros países, uma vez que recebo contínuos pedidos de toda a Europa e também de outros continentes; tomei consciência de que a situação, no que diz respeito aos católicos é, por todo o mundo, ainda pior do que na Itália.
Pude confirmar este fato nos Congressos Internacionais de Exorcistas. Penso que é suficiente apresentar uma breve panorâmica histórica, uma análise de dois mil anos, para que possamos compreender a fase de estagnação em que nos encontramos e de qual temos dificuldades em sair.
Premissa
Quero que fiquem claros os limites da minha exposição esquemática, que diz respeito aos exorcismos na Igreja Católica, de Jesus Cristo até hoje. Repito que se trata de uma história que nunca foi escrita.
Não sei como é que Triacca, que é tão especializado e de grande credibilidade, pôde escrever no VII volume de Anamnesis: “A história do exorcismo, nas suas várias definições, já foi escrita”. Não é verdade. Podemos verificar nos últimos anos, perante o desinteresse da cultura eclesiástica, o interesse por parte da cultura popular.
Refiro-me aos quatro volumes sobre o demônio, do professor J. B. Russel, publicados pela Mondadori e pela Laterza. Podemos também recordar os dois volumes do alemão A. Franz sobre as bênçãos na Idade Média, que dedica uma centena de páginas aos textos referentes aos exorcismos. É bem pouco.
Quando falo dos limites da minha apresentação, entendo, sobretudo, estar me referindo à ampla matéria que aqui não trato. Antes de mais nada, não falarei da Antiguidade.
Podemos dizer que sempre houve diabos e exorcismos. Em todas as religiões e em todos os povos, mesmo antes dos hebreus, dos egípcios, dos assírios e dos babilônicos, sempre houve uma intuição da existência do espírito do mal contra o qual era necessário defender-se, com os meios e de acordo com a mentalidade sócio-cultural dos vários povos e das várias épocas; de maneira que podemos dizer que sempre houve uma ou outra forma de exorcismo. Do mesmo modo, não falarei de como se desenvolveram os exorcismos nas religiões contemporâneas.
Nem sequer falarei das outras igrejas cristãs, separadas de Roma: tenho que delimitar o meu campo de análise, infelizmente. O conhecimento das Igrejas irmãs é exatamente importante para o diálogo ecumênico, como veementemente sublinhou a Encíclica Utunum sint, de 25 de maio de 1995. sobretudo, para aprender com elas e não só para conhecê-las. A mesma Encíclica afirma, no nº 14, que nas outras comunidades (ou seja, nas igrejas cristãs separadas da Igreja Católica) “certos aspectos do ministério cristão foram mesmo apresentados com maior eficácia”. É o caso, por exemplo, da fidelidade à leitura da Bíblia por parte do povo. E é também, freqüentemente, o caso da prática dos exorcismos.
Na Igreja do Oriente, nunca foi aceita a instituição do ministério do exorcizado: o exorcismo é considerado um carisma pessoal e, para encontrar quem faça um exorcismo, não são necessários dez anos de procura inútil... Alguns amigos sacerdotes, oriundos da Romênia e Moldávia, asseguram-me que em seus países, em todos os mosteiros ortodoxos, são feitos os exorcismos: basta pedir. É uma prática pastoral corrente, assim como no passado acontecia na Igreja Católica.
Na igreja Copta, só no Egito, existem quinze centros (entre mosteiros e santuários) em que se praticam regularmente os exorcismos. Um estudo histórico deveria, igualmente, abranger os irmãos de reforma protestante, em particular os anglicanos, os pentecostais, os batistas... Em relação a eles, estamos muito atrasados; mas antigamente não era assim. Cristo deu o poder de expulsar os demônios: é um poder, mas é também uma obrigação de fidelidade ao Senhor e de serviço aos irmãos.
E passo finalmente ao breve discurso histórico, que divido em sete períodos: na vida de Cristo e dos Apóstolos; nos três primeiros séculos; do século II ao século VI; do século VI ao século XII; do século XIII ao século XV; do século XVI ao século XVII; e do século XVIII até aos nossos dias.
Os sete períodos históricos
1. Na vida de Cristo e dos Apóstolos
O Evangelho é claríssimo ao apresentar a luta frontal entre Cristo e o demônio. Jesus, desde cedo, tem de combater e vence Satanás na sua atividade corrente de tentador: a vida pública de Jesus começa com a página das tentações. Mas também o vence na sua atividade extraordinária, libertando as pessoas por ele possuídas. Mas há dois aspectos que quero destacar primeiro, a importância desta luta, e, segundo, a sua originalidade.
O poder de Cristo sobre os demônios é fortemente sublinhado pelos Evangelhos e reconhecido pelos próprios demônios. Por quê? Porque, como afirma São João, Cristo veio “para destruir as obras de Satanás” (1Jo 3,8); veio, como afirma o próprio Jesus, “para destruir o reino do demônio e instaurar o Reino de Deus” (cf. Lc 11,20), veio como dirá São Pedro a Cornélio, “para nos libertar da escravidão de Satanás” (At 10,38). O diabo, “príncipe deste mundo” (Jo 14,30), como Jesus o chama, ou “Deus deste mundo” (2Cor 4,4), como é chamado por Paulo, era o forte que se sentia seguro do seu domínio; Jesus é o mais forte, que o desarma e tira dele tudo o que tinha usurpado do Seus. A importância desta luta direta, desta vitória total, é fundamental para compreender a obra da redenção.
Falei também da originalidade desta luta porque Jesus fez determinadas escolhas e propôs determinados ensinamentos a respeito do demônio. Não demonstrou que estava vinculado às idéias do seu tempo, em que a própria existência do demônio era tida como motivo: os fariseus acreditavam na sua existência, mas os saduceus, não.
Jesus falou claramente da ação de Satanás contra Deus (pense, por exemplo, nas explicações que ele próprio dá ás parábolas do trigo e do joio e à do semeador); libertou os endemoninhados, fazendo clara distinção entre a libertação do demônio e a cura de uma doença (foram certos teólogos e biblistas modernos, verdadeiros trapalhões e traidores do Evangelho, quem confundiram e fundiram num só os dois aspectos); concedeu este importantíssimo poder aos Apóstolos, depois aos discípulos e, por fim, a todos aqueles que viriam a acreditar nEle, numa crescente doação que apenas a estupidez de uma determinada fatia da cultura contemporânea não soube identificar, procurando mesmo negá-la.
Os Apóstolos continuaram a seguir as pegadas do Mestre. Expulsaram os demônios, quer durante a vida pública de Cristo, quer depois da Sua ressurreição. E insistiram na luta contra o demônio. São Pedro diz: “O Diabo, como um leão que ruge, buscando a quem devorar. Resisti-lhe firmes na fé” (2 Pd 5,8). São Tiago, exorta: “Resisti ao Diabo, e ele fugirá de vós” (Tg 4,7). São João afirma: “Sabemos que aquele que nasceu de Deus não peca; mas o que é gerado de Deus se acautela, e o Maligno não o toca. Sabemos que somos de Deus, e que o mundo todo jaz sob o Maligno”. (1Jo 5, 18-19). São Paulo assegura: “Não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares” (Ef 6,12).
A Bíblia fala do demônio mais de 1.000 vezes; no Novo Testamento, alguém calculou 568 referencias. Quem não acredita no demônio, não compreende a obra de Cristo, engana os fiéis e “sai do quadro de ensinamento bíblico e eclesiástico” (Paulo VI, novembro de 1972). Todos os Apóstolos fizeram exorcismos. E os atuais sucessores dos Apóstolos, ou seja, o clero será que acredita?
2. Nos primeiros três séculos
Todos os cristãos exerciam ou podiam exercer este poder, que receberam e que hoje ainda possuem, de expulsar os demônios em nome de Cristo. Justino afirma-o expressamente, tal como Santo Ireneu. Deste período, queria destacar três aspectos que considero particularmente relevantes.
Os exorcismos tinham grande valor apologético, que atraía os pagãos endemoninhados a dirigirem-se aos cristãos, para serem libertados. Justino escreve: “Cristo nasceu por vontade do Pai para salvação dos que crêem e ruína dos demônios. Podeis convencer-vos mediante o que vedes com os vossos olhos.
Em todo o universo e na vossa cidade (Roma) existem numerosos endemoninhados que os outros exorcistas, encantadores e magos, não conseguiram curar. Muitos de nós cristãos, pelo contrario, ordenando-lhes em nome de Jesus Cristo, crucificado sob Pôncio Pilatos, curamo-los reduzindo à impotência dos demônios que os possuíam” (Apologia, VI, 5-6).
Tertuliano confirma a eficácia com que os cristãos libertam dos demônios quer os próprios cristãos, quer os pagãos. E insiste na eficácia dos exorcismos, não apenas sob as pessoas, mas também sob a vida social, impregnada de idolatria e de influência maléficas. É um aspecto bem presente nos discursos de Paulo VI e de João Paulo II. Cito um dos três discursos de Paulo VI sobre o diabo (23 de fevereiro de 1977):
“Não é de admirar, por isso, que a nossa sociedade se degrade no seu grau de humanidade autêntica, à medida que progride nesta pseudomaturidade moral, nesta indiferença, nesta insensibilidade à diferença entre o bem e o mal, e as Escrituras insistentemente nos avisa que o mundo (no sentido pejorativo em que estamos a falar) jaz sob o poder do maligno”. São reflexões que nos serão úteis quando passarmos ao terceiro ponto.
Também Cipriano insiste em afirmar o poder dos exorcismos: “Vem ouvir com os teus próprios ouvidos os demônios, vem velos com os teus olhos nos momentos em que, cedendo às nossas esconjuras, aos nossos flagelos espirituais e à tortura das nossas palavras, abandonam os corpos daqueles de quem se tinham apoderado” (Contra Demétrio, c.15).
Insisti nesta característica apologética dos exorcismos, que atraem os pagãos para a ação libertadora dos cristãos, porque me parece que, atualmente, nos encontramos exatamente na posição oposta: os cristãos já não encontram qualquer compreensão e auxílio na Igreja, dirigindo-se aos magos, a outras religiões, às seitas.
As próprias palavras do exorcismo, que nos são referidas pelos padres mais antigos da Igreja, são preciosas. Dão-nos a impressão de terem contribuído para a formulação dos símbolos, ou Credo. Por exemplo, o próprio Justino, no seu Diálogo com Trifão, apresenta – nos um texto de exorcismo muito rico: “Todo e qualquer demônio a quem se dê uma ordem em nome do Filho de Deus – gerado antes de toda a criatura, que nasceu de uma Virgem, fez-se homem submetido ao sofrimento, foi crucificado pelo seu povo, sob Pôncio Pilatos, morreu, ressuscitou dos mortos e subiu ao céus -, todo e qualquer demônio, digo, ordenado em força deste nome, é derrotado e subjugado”.
Por seu lado, Orígenes, no seu texto contra Celso, é mais extenso: “A força do exorcismo reside no nome de Jesus que é pronunciado enquanto, ao mesmo tempo se anunciam os fatos relativos à sua vida”. Orígenes, em comparação com os seus antecessores, acrescenta elementos novos. Diz-nos que, no nome de Jesus, os demônios podem ser expulsos, não apenas das pessoas, mas também das coisas, dos lugares, dos animais. É um conceito sublinhado e praticado desde sempre pelos exorcistas e que, nos documentos eclesiásticos, nunca encontrou espaço, mas que o Catecismo da Igreja Católica (cf.nº 1673) recuperou.
Recordo, por fim, que a prática dos exorcismos foi se desenvolvendo, desde os primeiros tempos, em duas direções: para libertar os possessos e como parte integrante do Batismo, no qual lhe era atribuído grande valor, porque desse modo era ressaltado que o catecúmeno tinha sido tirado de Satanás e dado a Cristo.
Temos uma clara ressonância dessa passagem na fórmula das promessas batismais, muito eficazes e que devem ser renovadas com freqüência. Infelizmente, nesta última reforma litúrgica, o exorcismo batismal, especialmente o das crianças, foi de tal maneira reduzido que o próprio Papa Paulo VI manifestou publicamente o seu desapontamento (cf. discurso de 25 de novembro de 1972). Não estava sendo respeitado esse aspecto fundamental do Batismo, que certamente era muito vivido nos primeiros tempos.
Os primeiros cristãos estavam convencidos de que o paganismo era obra do demônio. Freqüentemente ouvimos falar de sementes do Verbo: nas obras de Justino, de Clemente Alexandrino, de Orígenes... É necessário não esquecer que os padres da Igreja utilizam essa expressão para se referirem aos filósofos, não às religiões pagãs. Segundo eles, as sementes do Verbo existiam nas grandes filosofias (Sócrates, Platão, Aristóteles), que tendiam para o monoteísmo.
Mas não existiam nas religiões pagãs, em que viam uma quebra da verdadeira religião, por obra do demônio. Aqui percebemos a necessidade de exorcizar os indivíduos e o mundo social, de maneira a fazer a passagem do paganismo para o cristianismo, do domínio do demônio para o domínio de Deus. Se também hoje existe a necessidade de insistir nesta passagem perceba quem tem os olhos abertos sobre os nossos fiéis e sobre a nossa sociedade.
3. Do século III ao século VI
É um período de grandes evoluções por toda a Igreja e também no campo dos exorcismos. Grandes acontecimentos históricos, como as vitórias de Constantino e de Teodósio, podem levar a pensar que o paganismo foi derrotado pelo cristianismo. Por outro lado, as invasões bárbaras são interpretadas pelos padres da Igreja como advento de um novo paganismo, não menos necessitado de ser exorcizado do que o primeiro. Não se pode deixar passar despercebida a grande figura de São Martinho de Tours que, alem de ter precedido São Bento na fundação do monaquismo ocidental, é um dos grandes Apóstolos da conversão dos bárbaros e conhecido como grande exorcista.
Mas o fato que dá mais impulso à atividade exorcística é o início do monaquismo. Os primeiros monges, como, por exemplo, Santo Antão, Pacómio, Hilarião, não se retiraram para o deserto para fugirem do mundo, mas para combaterem o demônio que, segundo a antiga tradição, tem no deserto a sua morada preferida.
A luta contra o demônio, para libertar a humanidade dos assaltos de Satanás, é o objetivo principal dos monges que, acabadas as perseguições e acabada a época dos mártires, se tornam, deste modo, combatentes de primeira linha. Este é um conceito expresso muito claramente em todas as obras que falam do pensamento e da atividade dos primeiros monges: reflita, por exemplo, a Vida de Santo Antão, escrita por Santo Atanásio, nas Collationes de Cassiano, na Escada do Paraíso de São João Clímaco.
Já anteriormente, embora todos os cristãos pudessem expulsar o demônio em nome de Cristo, os protagonistas desta tarefa eram aqueles que se dedicavam, sobretudo, à oração e ao jejum, conforme o ensinamento evangélico. Também este fato explica a eficácia da vida dura que os monges levavam para derrotar os espíritos malignos.
Por volta do século IV, durante a última perseguição (de Diocleciano), encontramos o heróico testemunho cristão ligado à luta conta o demônio. Em Roma, entre os últimos mártires, destacam-se Marcelino e Pedro; Pedro era um exorcista famoso, o mais antigo exorcista mártir de que conhecemos, com exceção dos Apóstolos. Parece que é a figura do exorcista mártir que cede o lugar ao exorcista monge.
Não nos esqueçamos que, também naquele tempo, não faltavam os falsos exorcistas, os charlatões, dos quais era necessário defender o povo. Promulgam-se, deste modo, na Igreja ocidental, as primeiras disposições canônicas. O Sínodo Romano, realizado durante o pontificado do Papa Silvestre, nomeia os exorcistas entre as Ordens Menores.
É a tendência, em parte devida ao direito romano, de querer regularizar todos os âmbitos. Deste modo, os exorcistas são inseridos no sacramento da Ordem, fazendo parte das Ordens Menores. O exorcismo será, mais tarde, abolido como Ordem Menor pela Igreja Anglicana, em 1550 e pela Igreja Católica, com o Vaticano II.
A Igreja oriental, pelo contrário, alheia à burocratização do exorcismo, considera-o como um carisma, uma capacidade pessoal de todos os fiéis, particularmente dos homens e das mulheres propensos a esta forma de apostolado. E esta é a disciplina ainda hoje: exorcistas são aqueles que têm esse carisma pessoal.
Acrescento que, no Ocidente, os formulários para os exorcismos batismais (é suficiente citar a este propósito São Cirilo de Jerusalém) e podemos considerar concluída essa fase disciplinar, no ano de 416, quando o Papa Inocêncio I estabelece que os exorcismos apenas podem ser administrados sob autorização episcopal. No Oriente prosseguiu-se com a liberdade carismática, sem nenhum tipo de disciplina especifica.
Gostaria ainda de acrescentar que, com a disciplina instaurada, não se quis, de modo algum, limitar os poderes do Espírito Santo de dar os carismas a quem Ele desejar e como quiser, mesmo o carisma de libertar os endemoninhados. A história da Igreja está repleta de santos (por exemplo, São Paulo da Cruz, Santa Catarina de Sena, Santa Gemma Galgani, São João Bosco, Santo Padre Pio... só para citar alguns nomes de diferentes épocas) que expulsaram demônios sem ser exorcistas.
E também não quis limitar o poder conferido por Cristo a todos aqueles que acreditarão nEle em expulsar o demônio em Seu nome. De agora em diante, e para não criar confusão, apenas temos que utilizar as palavras com propriedade de linguagem: ou seja, chamar Exorcismo ao sacramental administrado pelos bispos ou pelos sacerdotes autorizados pelos bispos; e chamar de orações de libertação a todas as outras preces feitas por indivíduos ou por grupos, embora a sua finalidade seja a mesma, isto é, a libertação do demônio.
4. Do século VI ao século XII
Já é longo o período em que a prática dos exorcismos, tanto no Oriente como no Ocidente, se encontra numa fase de pleno desenvolvimento. As Igrejas estão bem fornecidas de exorcistas e existe aquele a que chamo de escola, que hoje se perdeu, completamente, por inatividade: os exorcistas anciãos e experientes são ajudados por vários jovens, que estão prontos a sucedê-los quando tal for necessário, tendo já uma preparação adequada. Atualmente, o sacerdote que é nomeado exorcista recebe uma única instrução: “Se vire!”.
É um período caracterizado por uma grande criatividade de fórmulas de exorcismo, de diversas proveniências. Como fórmulas oficiais, ou oficiosas, encontramos, pela primeira vez, a fórmula para a ordenação do exorcista nos Statuta Ecclesiae Antiquae, do século VI. Dignos de nota, são formulários para exorcismos de Alcuíno (falecido 804), que entraram no Missal Romano Gallicano e, depois, quando saiu o Ritual de 1914, foram preferidos a tantas outras fórmulas, e ainda hoje são oficialmente recitados.
Perceba que, neste período, ressurge um grande perigo, o dualismo maniqueísta. Denunciado pelo Sínodo de Praga, de 560, continuará substituindo para reaparecer com prepotência no século XII, através de heresia dos Cátaros e dos Albigenses.
É um fato a estar presente porque explica um certo tipo de exorcismo e, sobretudo, de perseguições contra os heréticos, que infelizmente se difundirá nos séculos seguintes. Mas até ao século XII, tanto o povo como os teólogos rejeitam a crença nas bruxas e não pensam sequer em perseguir os endemoninhados.
Podemos concluir com uma nota iconográfica: surgem, neste período, as primeiras representações de Satanás e também, portanto, dos exorcistas. É um período de bom equilíbrio neste setor: a prática de exorcismos faz parte integrante da pastoral da Igreja, como deve ser e como, infelizmente, hoje não é.
5. Do século XII ao século XV
É um período muito triste para a Igreja; um período que prepara tempos ainda mais tristes. Não do ponto de vista cultural: é o período das grandes sumas teológicas, das estupendas catedrais, dos grandes Papas teocratas. Mas é também o período de luta contra os Albigenses, o período em que nascem as grandes heresias com as respectivas contestações anticlericais e anti-eclesiásticas; a Europa é, continuamente, assolada por guerras – basta lembrar da Guerra dos Cem Anos. E o pior ainda está para vir. Aquelas que, até então, eram chamadas bonae feminae, ou seja, mulheres um pouco loucas e merecedoras de misericórdia passam a ser consideradas bruxas.
Precisamente, essas mulheres, que mais do que qualquer outra pessoa, precisavam ser exorcizadas, são perseguidas e queimadas no fogo. Não posso deixar de citar Santa Joana D’Arc, mesmo considerada bruxa por motivos políticos, nunca foi exorcizada e foi condenada à fogueira.
É a ruína da justiça pastoral e jurídica, que faz perder a cabeça, até aos mais responsáveis, que emanam disposições com conseqüências gravíssimas, porventura, com a ilusão de, num primeiro momento, conseguir moderar as situações, regulando-as. Em 1252, Inocêncio IV autoriza a tortura contra os hereges; em 1326, João XXII autoriza pela primeira vez a inquisição contra as bruxas.
É o começo da loucura, acompanhada por calamidades naturais. De 1340 a 1450 a Europa é assolada pela peste negra, uma epidemia que extermina inúmeras vidas humanas com tantas outras conseqüências: ruína dos valores morais, difusão de lutas civis de todo o gênero, divisões na Igreja. No meio destas tragédias, surgiu a mania de demonizar todas as coisas: mas não uma forma de demonização que conduzisse a um maior número de exorcismos e, conseqüentemente, à cura ou à libertação; pelo contrário, conduziu apenas à destruição.
Também é verdade que podemos esquecer que cada fato histórico deve ser compreendido no contexto da mentalidade da época em que ocorreu. Todavia, compreender não significa aprovar, mas tão-somente tomar consciência das causas. Se querermos julgar os fatos do passado com a mentalidade do presente, não compreenderemos nada.
6. Do século XVI ao século XVIII
Este foi verdadeiramente o período da loucura, o período em que os exorcismos cederam lugar às perseguições. A história é a mestra de vida, embora freqüentemente seja definida num tom crítico, como mestra de vida que ninguém escuta. E ao descrever este período, que é o período mais negro de todos, vem o desejo de ser objetivo, porque considero que tem muito para ensinar ao nosso tempo.
É um fato consumado naquele tempo: onde já não se fazem exorcismos, o seu lugar passa a ser ocupado pelas perseguições; onde se fazem exorcismo, o seu lugar passa a ser ocupado pelas perseguições; onde se fazem exorcismo, a mentalidade também, e os problemas igualmente. Onde o demônio não é combatido e expulso mediante os exorcismos, os homens são demonizados e mortos.
Parece-me importante dizer, claramente, antes de continuar com o discurso histórico, que o fenômeno ao qual fizemos referência me deixa preocupado relativamente ao presente da sociedade e da Igreja. Quando constato as contínuas tentativas de minimizar a existência e a ação do demônio, de reduzir ao mínimo ou acabar definitivamente com os exorcismos, quem acaba sendo prejudicado não é o demônio, mas o homem.
E há muitos modos de demonizar a humanidade: por exemplo, Dachau ou os Gulag, os genocídios e as limpezas étnicas. Precisamente, enquanto escrevo estas páginas, acontece à guerra na ex-Iugoslávia.
Mas retomemos a nossa história. Neste período também era sentida a necessidade e a urgência de reformar os rituais dos exorcismos, mas ninguém se mexia. Tal como hoje: a única parte descuidada e ainda não reformada depois do Vaticano II, que já fechou portas há algum tempo, são os exorcismos; e, se alguma tentativa já começou a dar os primeiros passos, é que os homens da Igreja não se decidiam, e quem tomou a iniciativa foi o imperador Carlos V, que no dia 9 de julho de 1548 promulgou, em Augusta, um édito de reforma dos rituais.
Mas o mal já tinha aprofundado por demasiado e as perseguições contra as bruxas atingiram o clímax nos anos que decorreram, entre 1560 e 1630.
Graças a Deus que houve algumas exceções. É bem conhecido e documentado o caso da irmã Joana (1559-1620), das Irmãs negras de Mons, na França. Esta freira, há anos, havia contraído um pacto com o diabo: era mesmo uma verdadeira bruxa e, segundo as normas do tempo, devia ser entregue à Inquisição e condenada ao suplício.
Felizmente para ela, encontrou um superior religioso muito culto e de sensibilidade pastoral, monsenhor Luís de Berlaymont, Arcebispo de Cambrai, o qual ordenou que a freira não fosse processada nem condenada, mas exorcizada.
Foi preciso mais de um ano, mas a freira, finalmente, foi libertada do demônio e viveu os anos que lhe restaram como freira exemplar. Só é lamentável que outros bispos, embora doutores e santos, não tenham agido da mesma maneira. Refiro-me, por exemplo, a São Carlos Borromeu, que neste caso foi completamente vencido pelas idéias do tempo; não deixa, no entanto, de ser um grande santo e um grande bispo; mas a santidade não protege ninguém de idéias erradas.
O horror da caça ás bruxas difundiu-se, sobretudo nos países protestantes (atualmente, também estes o admitem), onde, principalmente no século XVII ocorreram as guerras religiosas.
Mas aquilo que mais quero destacar é que, onde continuaram os exorcismos, não houve fogueiras, ou estas foram reduzidas ao mínimo. Na Roma dos Papas, apenas houve um caso; na Irlanda católica, as bruxas nunca foram perseguidas e o foram bem pouco a Espanha, conhecida pela Inquisição de Torquemada.
Também é necessário recordar a autocrítica dos católicos, iniciada pelo jesuíta Friedrich Spee, que em 1631 publicou o livro Cautio criminalis, no qual fez uma crítica impiedosa contra a tortura e a caça às bruxas. Foi o começo do arrependimento, que depois também se estendeu ao lado protestante. Bem pouco difundiu, ao contrário, o Concílio de Trento, pois de limitou a elaborar a doutrina sobre o sacramento da Ordem, considerando o exorcismo uma das Ordens Menores.
7. Do século XVIII até aos nossos dias
Assim como tinha sido irracional a caça às bruxas, do mesmo modo se revelou irracional o seu fim. Acabou tudo de um momento para o outro, quase de repente. Mas não aconteceu aquilo que, logicamente, se esperaria: a perseguição substituiu os exorcismos; onde continuaram a realizar os exorcismos, não houve perseguição; portanto, era necessário recuperar os exorcismos. Mas as coisas não se passaram assim.
A reação aos excessos do passado levou a um desinteresse total com relação ao diabo e à sua ação; um desinteresse que, também por outros motivos, ainda hoje subsiste. Houve exageros quando se demonizaram todas as coisas; a reação conduziu a este exagero, conduziu à queda da doutrina sobre o demônio. O demônio passou a ser símbolo, um boneco: quando muito passou a ser visto como a idéia abstrata do mal.
Mas deixou de ser considerado como ser pessoal que atua em profundidade e, como diz o Vaticano II: “Toda a história humana está marcada por uma luta tremenda contra as potências das trevas; luta essa que começou no princípio do mundo e está destinada a durar, como diz o Senhor, até o último dia” (Gaudium Et Spes, 37).
Esta brusca passagem, que se manteve viva por mais três séculos, foi depois influenciada pela cultura popular, que teve grande influência nos ambientes eclesiásticos, especialmente nas universidades, com fortes repercussões nos bispos e sacerdotes; a religiosidade do povo ressentia-se com um enfraquecimento generalizado e, como sempre acontece quando a fé sofre um abalo, com tendência para aderir à superstição que, no nosso tempo, encontrou a sua raiz nas várias expressões do ocultismo.
A cultura popular passou a ser dominada pela obra de desmistificação dos racionalistas incrédulos, depois da última influência irônica e satírica dos iluministas, e ainda pelos cientistas do século passado, que contestaram, em massa, o cristianismo e a revelação.
Para chegar, durante o século XX, ao materialismo histórico, ao ateísmo ensinado às massas pelo comunismo do mundo ocidental. A influência foi grande também sobre o mundo eclesiástico.
Como já referimos, nos seminários e nas universidades pontifícias, quase não se fala do demônio; dos exorcismos muito menos; e atualmente estão na moda certos teólogos e biblistas que negam a existência de Satanás, ou pelo menos a sua ação; que negam mesmo os exorcismos de Jesus Cristo, considerando-os “linguagem cultural, adaptada à mentalidade da época”; que afirmam que apenas acreditam na psiquiatria e na parapsicologia, das quais, certamente, têm noção muito imprecisas.
Por outro lado, não se pode negar que sempre houve exorcistas, alguns deles até famosos. Assim como sempre estiveram em vigor as disposições eclesiásticas com relação à nomeação por parte dos bispos e sobre o Ritual a ser utilizado nos exorcismos. Mas não se pode esperar muito de um episcopado que tem o monopólio absoluto da nomeação dos exorcistas, e que, sem culpa própria, mas por motivos históricos, nunca fez nem presenciou exorcismo algum, levando, portanto, a que poucos acreditem nele. Salvo raras exceções. Eis por que razão, atualmente na Igreja Católica, é emblemática a história daqueles esposos que demoraram dez anos a encontrar um exorcista.
Já fiz referência a santos que, mesmo não sendo exorcistas, expulsaram os demônios; sempre houve personagens deste gênero. Uma pessoa estupenda que gosto de recordar é Pio VII, conhecido por ser o Papa prisioneiro de Napoleão. Era um grande exorcista que, mesmo quando Papa, continuou a fazer exorcismos; também durante a viagem de ida para a França e de volta para casa. E gostava de dizer que “o ponto de partida da pastoral é o exorcismo”.
É suficiente pensar em como este conceito se revela, concretamente, nas promessas batismais, em que se renuncia a Satanás e se adere a Deus. Do mesmo modo, no primeiro capítulo do Evangelho de São Marcos, o ministério público de Jesus partiu daí. Mas atualmente, quantos são os eclesiásticos que acreditam nesta afirmação?
Quando em 1614 o Ritual Romano foi publicado, foi necessário escolher algumas dentre as muitas orações de exorcismo em vigor. Foram preferidas várias fórmulas de Alcuíno, que, portanto têm doze séculos de experimentações. Mas também são dignas de nota as vinte e uma normas iniciais que orientam o exorcista no seu ministério. Embora vários pontífices tenham retocado estes preceitos, bem pouco se fez ao longo do tempo.
Atualmente, o exorcista é considerado como um ser estranho, no meio do caminho entre o mago e o louco. Na estima dos colegas sacerdotes é, sobretudo, considerado um supersticioso sem importância alguma. Perceba que na nossa época tenham sido produzidos filmes, como O exorcista (de 1971, obra do famoso realizador William Blatty), em que os dois sacerdotes exorcistas representam personagens totalmente contrastantes entre si e em total contradição, com aquele que é um verdadeiro exorcista.
Algumas conclusões
Considero necessário apresentar algumas conclusões, depois do esforço feito em caracterizar “por alto” os 200 anos de história dos exorcismos na Igreja Católica.
1- São pontos ausentes da doutrina evangélica e eclesiásticas as seguintes conclusões: a existência dos demônios, puros espíritos bons criados por Deus, mas que se perverteram por culpa própria; o poder maléfico que têm sobre os homens, chegando mesmo a tomarem posse de homens e objetos; o domínio que Cristo exerceu e que, depois, conferiu aos que acreditam nEle, de expulsar os demônios em Seu nome. Quem não acredita nestas verdades está fora da fé cristã.
2- A luta contra o demônio deve ser levada até o fim por todos; é um dos princípios fundamentais da vida espiritual cristã, como nos ensina a tradição monástica. Sabemos que a ação ordinária do demônio é a tentação: todos devemos combater contra as tentações que nos vêm na carne (ou seja, da ferida original), do mundo, do demônio.
A Bíblia é muito clara a respeito desta luta que temos de enfrentar contra o mal e contra os próprios malignos; é uma luta que tem a sua síntese nas duas últimas invocações do Pai-Nosso. O exorcista deve ser visto como um sacerdote que, por encargo da Igreja, nos ajuda quando temos de enfrentar a ação extraordinária do demônio. É certo que a sua obra deveria readquirir aquele dinamismo e criatividade que tinha no passado e, segundo a tradição viva desde sempre na Igreja oriental, deveria buscar o auxílio daqueles carismas e daqueles carismáticos que o Espírito concede para o seu ministério.
3- Atualmente, passados quase três séculos, assistimos a um lento despertar desta realidade, a uma retomada de exorcismos, a uma insistente exigência por parte do povo de Deus, exigência que o clero não consegue satisfazer. Se excluir o que diremos sobre o ocultismo? Creio que o mérito desta retomada se deva à cultura popular. No passado, como já vimos, a cultura popular contribuiu para lançar o descrédito sobre todas as realidades espirituais. Foi também o período das grandes descobertas científicas, o período em que se pensava que a ciência podia resolver todos os problemas, e em que se discutia sobre a compatibilidade entre a ciência e a fé.
Hoje a situação mudou. A ciência, especialmente os cientistas mais corretos e inteligentes, tomou consciência dos males que pode causar à humanidade (é suficiente pensar na bomba atômica) e, sobretudo, dos seus limites; toma cada vez mais consciência daquilo que não sabe e do fato que existem leis e forças que escapam ao nosso controle.
Para mim, foi motivo de grande audiência, me foi perguntado por Minoli, o apresentador do programa, se seria capaz de colaborar com psiquiatras ou outros especialistas. Respondi que sim. Logo em seguida, tomou a palavra o já falecido professor Emílio Servadio, que não só me deu razão como também afirmou expressamente: “Pessoalmente, perante certos casos, envio para o exorcista”. Considerei preciosa aquela declaração e devo dizer que já tive vários casos de pessoas que me foram enviadas por psiquiatras. Mas o fato é ainda significativo, uma vez que existem muitos eclesiásticos que não acreditam, nem nas possessões diabólicas nem nos exorcismos, e mandam todas as pessoas para o psiquiatra...
4- Ainda estamos muito longe daquele que deveria ser o ponto de chegada: considerar o exorcismo um serviço pastoral integrado no âmbito pastoral normal e ao qual se dedica um suficiente número de pessoas. Posso dizer, aos meus colegas sacerdotes, que é, sobretudo um ministério de conforto, de aproximação a Deus e à Igreja. Algumas pessoas pensam que os exorcistas demonizam tudo e que, nesse sentido, a sua presença é nociva. Mas é exatamente o contrário: o exorcista tranqüiliza, afasta falsos medos, colabora eficazmente para a pacificação das consciências e para a paz entre os indivíduos.
Foi o que vimos no período mais negro da história dos exorcismos: onde se faziam exorcismos, não se demonizavam nem se matavam as pessoas. Ter muitos exorcistas significa dar um grande auxilio para acalmar os ânimos. E significa também aconselhar e consolar as pessoas com palavras da fé, e não com os truques dos magos, a quem as pessoas recorrem, muitas vezes porque não encontram entre os sacerdotes, quem as ouça.
Fonte: Extraído do Livro "Exorcistas e Psiquiatras" - Pe. Gabriele Amorth - Ed. Palavra & Prece.