A Missa Sacrílega
I
Pureza exigida no padre para celebrar dignamente
Lê-se no Concílio de Trento: Devemos reconhecer que entre todas as obras, ao alcance dos fiéis, nenhuma há mais santa que este mistério terrível. Nem o próprio Deus pode fazer que haja no mundo uma ação maior e mais santa que a celebração duma missa. Ó, quanto mais excelente que todos os sacrifícios antigos o sacrifício dos nossos altares, em que a vítima oferecida não é já um touro ou um cordeiro, mas o próprio Filho de Deus!
Para a vítima, o judeu tinha um boi, escreve S. Pedro de Cluny; o cristão tem Jesus Cristo; tanto este último sacrifício excede o primeiro, como Jesus Cristo excede a um boi. Depois ajunta que uma vítima servil era a única que convinha a servos, ao passo que aos amigos e aos filhos estava reservado o próprio Jesus Cristo, como vítima que nos libertou do pecado e da morte eterna. Tem pois razão S. Lourenço Justiniano em dizer que não há oferenda nem maior em si mesma, nem mais útil aos homens, nem mais agradável a Deus, que a que se faz no sacrifício da missa.
Assim, S. João Crisóstomo assegura que, durante a celebração da missa, está o altar cercado de anjos, reunidos para honrarem a Jesus Cristo, que é a Vítima oferecida neste augusto sacrifício. Que fiel poderá duvidar, pergunta por sua vez S. Gregório, que no momento do sacrifício o Céu se não abra à voz do padre e numerosos coros de anjos não estejam presentes a este mistério em que Jesus Cristo se imola? E Sto. Agostinho acrescenta que os anjos se conchegam a rodear o sacerdote como servos, para o ajudarem nas suas funções.
Falando deste grande sacrifício do Corpo e Sangue de Jesus Cristo, o Concílio de Trento nos ensina que é o próprio Salvador que aí se oferece a seu Pai, mas pelas mãos do sacerdote, que escolheu para seu ministro, encarregado de o representar ao altar. E S. Cipriano tinha dito antes: O padre ao altar ocupa o lugar de Jesus Cristo. É por isso que, ao consagrar, o padre se exprime assim: Isto é o meu corpo; este é o cálice do meu sangue. E o próprio Jesus Cristo disse a seus discípulos: Quem vos ouve, a mim ouve; quem vos despreza, a mim desprezas.
Ora, mesmo aos antigos Levitas exigia o Senhor que fossem puros, só porque tinham por dever transportar os vasos sagrados: Purificai-vos, vós que levais os vasos do Senhor. Sobre o que Pedro de Blois faz esta reflexão: Quanto mais puros devem ser os que trazem Jesus Cristo nas suas mãos e nos seus corações? E com quanta mais razão exigirá o Senhor a pureza dos padres da Lei nova, encarregados de representar ao altar a pessoa de Jesus Cristo, para oferecerem ao Padre eterno o seu próprio Filho! Tem pois justo motivo o Concílio de Trento, para querer que os padres celebrem este augusto sacrifício com a máxima pureza de consciência possível.
E é o que significa, nota o abade Rupert, a brancura da alba, de que a Igreja quer que o sacerdote se revista e cubra da cabeça aos pés, quando celebrar os divinos mistérios. É muito justo que o sacerdote honre a Deus com a inocência da sua vida, visto que Deus tanto o há honrado, elevando-o acima de todos os outros homens, e fazendo-o ministro seu, neste mistério sublime, como dizia S. Francisco de Assis. Mas como deve o padre honrar a Deus? Será porventura trajando ricos vestidos, anafando a cabeleira com arte, ostentando punhos elegantes? Não, responde S. Bernardo, é por uma vida irrepreensível, pelo estudo das ciências sagradas, e pelos trabalhos que empreender para glória de Deus.
II
Quanto é enorme o crime do padre que celebra em estado de pecado mortal
Que faz então o padre que celebra, em pecado mortal? Acaso honra ele a Deus? Ai, muito ao contrário! Comete contra ele o maior ultraje de que é capaz; despreza-o na sua própria pessoa, porque pelo sacrilégio parece fazer quanto de si depende para manchar o Cordeiro imaculado, que oferece sob as espécies sacramentais! Eis o que diz o Senhor: Escutai, ó sacerdotes que desprezais o meu nome... Ofereceis sobre o meu altar um pão manchado e dizeis: Em que é que te desonramos? S. Jerônimo comenta assim esta passagem: Manchamos o pão, isto é, o corpo de Cristo, quando nos aproximamos indignamente do altar.
Não podia Deus elevar um homem a uma dignidade mais sublime, que à dignidade sacerdotal. Que escolha teve de fazer o Senhor para formar um padre! Primeiro, teve de escolhê-lo na multidão inumerável das criaturas possíveis; depois teve de separá-lo de tantos milhões de pagãos e hereges; e por último teve de tirá-lo do meio de tantos simples fiéis. Depois disto, que poder lhe não foi dado!
Se Deus tivesse concedido a um só homem o poder de fazer descer à terra por suas palavras o próprio Jesus Cristo, quanto não estaria obrigado para com o Senhor esse homem tão privilegiado, e quantas ações de graças não teria de lhe render! Pois bem, esse poder concede-o Deus a cada um dos padres. Nada importa que o mesmo poder tenha sido confiado a muitos: o número dos padres, nem apouca a sua dignidade, nem diminui as suas obrigações. Mas, grande Deus! Que faz um padre que ousa celebrar com o pecado na sua alma? Desonra-nos, despreza-vos, declarando por isso mesmo que este sacrifício não é tão digno dos nossos respeitos, que devamos temer profaná-lo por um sacrilégio! Aproximar-se alguém do altar, sem o respeito que lhe é devido, diz S. Cirilo de Alexandria, é mostrar que o julga digno de desprezo.
A mão que toca a carne sagrada de Jesus Cristo, a língua que se tinge do sangue divino, diz S. João Crisóstomo, deveriam ser mais puras que os raios do sol. Noutro lugar, ajunta que um padre que sobe ao altar deveria ser bastante puro e santo para merecer um lugar entre os anjos. Que horror pois para os anjos verem um padre, inimigo de Deus, levar uma mão sacrílega para o Cordeiro sem mancha, e fazê-lo seu alimento! Onde se encontraria um homem tão ímpio, exclama Sto. Agostinho, que ousasse tocar o Santíssimo com as mãos enlameadas? Muito pior faz o padre que celebra missa com a consciência manchada.
Deus então desvia os olhos, para não ver um atentado tão horrível: Quando estenderdes as vossas mãos, afastarei de vós os meus olhos. E, para exprimir o desgosto que lhe causam esses padres sacrílegos, declara que lhes dá de atirar à cara a imundícia dos seus sacrifícios. Como ensina o Concílio de Trento, é verdade que o santo sacrifício não pode ser manchado pela malícia do padre. No entanto os sacerdotes, que celebram em estado de pecado mortal, não deixam de profanar, quanto podem, este adorável mistério; por isso declara Deus que as manchas deles o atingem dalgum modo.
Ai, Senhor, exclama S. Bernardo, como é possível que os chefes da vossa Igreja sejam os primeiros a perseguir-vos? É bem verdade, segundo S. Cipriano, que o padre, que celebra em estado de pecado mortal, ultraja com a sua boca e com as suas mãos o próprio corpo de Jesus Cristo. Pedro Comestor ajunta que, quando um padre fora da graça de Deus pronuncia as palavras da consagração, escarra por assim dizer no rosto de Jesus Cristo, e quando recebe na sua boca indigna o corpo adorável do Salvador, é como se o lançasse na lama. Mas, que digo, na lama?
O padre no estado do pecado é pior que a lama: a lama, diz Teofilato, é muito menos indigna de receber essa carne divina, do que um padre sacrílego. Segundo S. Vicente Ferrer, esse miserável comete então muito maior crime do que se atirasse o Santíssima a uma sentina. E tal é também o sentir de S. Tomás de Vilanova: Que abominação, exclamava ele, derramar o sangue de Cristo na sentina infecta do seu coração!
O pecado do padre é sempre gravíssimo, em razão da injúria que ele faz a Deus, que se dignou escolhê-lo para seu ministro e cumulá-lo de tantas graças. Observa S. Pedro Damião que uma coisa é transgredir as leis do príncipe, e outra feri-lo com as suas próprias mãos, como faz o padre, quando celebra em estado de pecado mortal. Tal foi o crime dos judeus que ousaram levantar as mãos contra a pessoa de Jesus Cristo; mas, segundo Sto. Agostinho, o pecado dos sacerdotes que celebram indignamente é muito mais grave ainda.
Os judeus não conheciam o Redentor como o conhecem os padres. E de mais, diz Tertuliano, os judeus só uma vez levantaram as mãos contra Jesus Cristo, ao passo que os padres sacrílegos têm a audácia de renovar com freqüência esta injúria. Notai além disto, como ensinam os doutores, que o sacerdote sacrílego ao celebrar comete quatro pecados mortais: 1.º consagra em estado de pecado; 2.º comunga em estado de pecado; 3.º administra o Sacramento em estado de pecado; 4.º ministrando-o a si próprio, administra-o a um indigno, isto que se encontra em estado de pecado.
Era o que inflamava em zelo S. Jerônimo e o fazia estuar de indignação contra o diácono Sabiniano. Miserável, exclamava! Como não se cobriram de trevas os vossos olhos, como não se vos gelou a língua na boca, como vos atrevestes a assistir no altar em estado de pecado? Dizia S. João Crisóstomo que o padre, que se aproxima do altar com a consciência manchada de falta grave, é muito pior que o demônio.
Com efeito, os demônios tremem na presença de Jesus Cristo, como o prova uma passagem que lemos na vida de Santa Teresa. Indo ela um dia comungar, percebeu aos dois lados do padre, que celebrava em pecado, dois demônios, que tremiam à vista do Santíssimo, e pareciam querer fugir. Então, do meio da hóstia consagrada, Jesus dirigiu à Santa estas palavras: “Vê que força têm as palavras da consagração, e vê também, ó Teresa, até onde vai a minha bondade, que, para teu bem e de todos, consinto em me pôr nas mãos do meu inimigo”.
Assim os demônios tremem à vista de Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento, ao passo que o padre sacrílego, não só não treme, mas tem a audácia de calcar aos pés, segundo a expressão de S. João Crisóstomo, a própria pessoa do Filho de Deus. Verificam-se então as palavras do Apóstolo: Quanto mais digno de castigo deveis crer aquele que calca aos pés o Filho de Deus, e trata como uma coisa impura o sangue da aliança, pelo qual foi santificado?. Em presença pois deste Deus, a cuja vista, diz Jó, tremem as colunas do céu, um verme da terra ousa calcar aos pés o sangue do Filho de Deus!
Mas, ai! Que maior desgraça pode acontecer a um padre, do que mudar a sua salvação em condenação, o sacrifício em sacrilégio, e a sua vida em morte? Sem dúvida foram muito ímpios os judeus, que atravessaram o lado de Jesus Cristo, para dele fazerem sair o seu precioso sangue; mas ainda mais ímpio é o padre, que tira do cálice este mesmo sangue, para o tratar dum modo tão indigno! Tal é o pensamento de Pedro de Blois: = Quam perditus ergo est, qui redemptionem in perditionem, qui sacrificium in sacrilegium, qui vitam convertit in mortem! Verbum beati Heronymi est: “Perfidus Judaeus, perfidus Christianus, ille de latere, iste de calice sanguinem Christi fundit”! (Epist. 123).
O próprio Senhor dizia um dia a Santa Brígida, lamentando-se destes padres sacrílegos: Eles me crucificam mais cruelmente do que o fizeram os judeus. O padre que celebra em estado de pecado, diz um autor, chega por assim dizer a matar o próprio Filho de Deus, sob os olhos de seu Pai.
Ó, que horrível traição! Eis como Jesus Cristo se lamenta do padre sacrílego, pela boca de Davi: Se o meu inimigo me tivesse execrado, tê-lo-ia sofrido; mas tu, meu amigo íntimo, e um dos chefes do meu povo, tu que partilhavas das delícias da minha mesa...! Tal é, feição por feição, o padre que diz a missa em pecado mortal: Se o meu inimigo me tivesse ultrajado, diz o Senhor, eu o teria sofrido com menor pena; mas tu, a quem escolhi para meu ministro, para seres o príncipe do meu povo; tu, venderes-me ao demônio por um capricho, por um prazer brutal, por um pouco de lodo!
Foi o que o divino Mestre declarou mais particularmente a Sta. Brígida: Padres tais não são sacerdotes meus, são antes traidores, porque me vendem como Judas. Aos olhos de S. Bernardino de Sena, são estes sacerdotes ainda piores que Judas: com efeito Judas entregou o Salvador aos judeus, mas eles entregam-no aos demônios, lançando-o num lugar submetido ao seu poder, no seio dum padre sacrílego.
Pedro Comestor faz esta reflexão: Quando o padre sacrílego sobe ao altar, recita a oração Aufer a nobis, e beija o altar, parece que Jesus Cristo lhe censura o seu crime e lhe diz: Ó Judas! É com um ósculo que me entregas? E, quando depois esse padre estende a mão para comungar, observa S. Gregório, parece-me ouvir o Redentor a dizer como outrora a respeito de Judas: Eis comigo sobre o altar a mão que me entrega! Foi o que fez dizer a Sto. Isidoro de Pelusa que “o padre sacrílego se encontra, como Judas, possesso do demônio”.
Ó, como então o sangue de Jesus Cristo, assim profanado, grita contra este padre indigno, ainda em mais altas vozes que o sangue do inocente Abel contra Caim! Foi o que o Salvador disse a Sta. Brígida. Ó, que horror causa a Deus e aos anjos uma missa celebrada em pecado mortal! Fê-lo o Senhor compreender um dia, em 1688, à sua fiel serva, a irmã Maria- Crucificada, de Palma, na Sicília, conforme se lê na sua vida.
Ouviu primeiro o retinir lúgubre duma trombeta, que com o estampido do trovão fazia ouvir, em todo o mundo estas palavras: Ultio, poena, dolor! Viu depois uma multidão de eclesiásticos sacrílegos, cujas vozes confusas formavam uma salmódia discordante. A seguir, um dentre eles se ergueu para dizer missa. Enquanto ele se revestia dos ornamentos sagrados, a igreja se cobriu de trevas e luto. Aproxima-se do altar e diz: Introibo ad altare Dei; neste instante, de novo retine a trombeta e repete: Ultio, poena, dolor! De repente — sinal visível da justa cólera do Senhor contra o ministro indigno, — turbilhões de chamas se elevam e cintilam em volta do altar. Ao mesmo tempo a religiosa distingue uma legião de anjos, armados de espadas ameaçadoras, como para tirarem vingança do sacrilégio que se vai cometer.
Quando o monstro se prepara, para o grande ato da consagração, uma multidão de serpentes saltam do meio das chamas, para o expulsarem do altar, — símbolo dos temores e remorsos da consciência. É em vão, o sacrílego sacrifica todos os remorsos à sua própria reputação. Pronuncia enfim as palavras da consagração; então a serva de Deus observa um tremor universal, que parece abalar o céu, a terra e o inferno.
Depois da consagração a cena muda: Jesus Cristo aparece como um doce cordeiro, que se deixa maltratar entre as garras desse lobo cruel. No momento da comunhão, o céu obscurece-se, e todo se abala de novo, a ponto de parecer que a igreja desaba. Os anjos choram amargamente em redor do altar; mas ainda mais amargas são as lágrimas, que inundam o rosto da Mãe de Deus; geme ela sobre a morte de seu Filho inocente, e sobre a perda dum filho culpado.
Depois duma visão tão terrível, permaneceu a serva de Deus de tal modo aterrada e abatida pela dor, que não pôde fazer outra coisa senão chorar. O autor da sua Vida nota que foi precisamente no mesmo ano de 1688 que se deu o grande terremoto, que tantos estragos fez na cidade de Nápoles e seus contornos, donde se pode concluir que tal castigo foi efeito da celebração desta missa sacrílega.
Haverá no mundo crime mais horrível do que o dessa língua, que faz descer do Céu à terra o Filho de Deus, e ousa depois carregá-lo de ultrajes no mesmo instante em que o chama? Que coisa mais espantosa que ver essas mãos, que se banham no sangue de Jesus Cristo, mancharem-se ao mesmo tempo no sangue impuro do pecado, segundo a expressão de Sto. Agostinho! Pelo menos, exclama S. Bernardo, dirigindo-se ao padre sacrílego, pelo menos, ó miserável, quando quiseres levar as tuas culpas até o extremo, procura outra língua diferente da que se banha com o sangue de Jesus Cristo, e outras mãos que não sejam as que tocam a sua carne sagrada.
Se tais padres, — dispostos a comportar-se como inimigos de Deus, que os elevou a tão altas funções, — se abstivessem ao menos de sacrificar indignamente no altar! Mas não, diz S. Boaventura, para não perderem o salário miserável duma missa, uma vil moeda, ousam cometer um crime tão horrível. Como assim! Para falar segundo a linguagem de Jeremias, pensais então que a carne de Jesus Cristo, que ides oferecer, vos há de livrar das vossas iniqüidades? Não; o contato desse corpo adorável, sobre o qual vos atreveis a estender uma mão conspurcada pelo pecado, servira para vos tornar mais culpado ainda e digno de maior castigo. Quando se comete um crime, diz S. Pedro Crisólogo, na presença do próprio juiz, nenhuma desculpa se pode invocar.
Que castigo não merece sobretudo um padre que, em vez de levar consigo ao altar o fogo do amor divino, intromete lá as chamas infectas de afeições impuras! É do que nos adverte S. Pedro Damião, ao considerar o castigo dos filhos de Aarão que no sacrifício se serviram dum fogo estranho. Quem tiver uma tal audácia, ajunta ele, infalivelmente será consumido pelo fogo da vingança divina.
Que Deus nos guarde pois, diz ele ainda, de virmos adorar no altar o ídolo da impureza, e colocar o Filho da Virgem no templo de Vênus, isto é, num coração impudíco. Se aquele homem do Evangelho, continua o mesmo Santo, por se ter apresentado no festim sem a veste nupcial, foi condenado às trevas eternas, — que castigo bem mais terrível está reservado para quem, admitido à sagrada mesa, não só não se encontra preparado com o vestido conveniente, mas até exala o cheiro infecto da impudicícia?
Desgraçado, exclama S. Bernardo, o que se afasta de Deus, mas muito mais desgraçado o padre, que se aproxima do altar com a consciência manchada. Falando um dia o Senhor a Sta. Brígida a respeito de um padre sacrílego, disse-lhe que entrava na alma dele como Esposo, com desejo de o santificar, mas pouco depois se via obrigado a sair como Juiz, para castigar a injúria que lhe fazia este ministro indigno, recebendo-o em estado de pecado mortal.
Mas, se o horror do ultraje, ou para melhor dizer, dos numerosos ultrajes que faz a Deus uma missa sacrílega, não pode impedir esses padres culpados de celebrarem em estado de pecado mortal, deveriam eles ao menos tremer com o pensamento do grande castigo, que lhes está preparado. Segundo S. Tomás de Vilanova, não há castigo bastante rigoroso para punir um tal crime como ele merece: = Vae sacrilegis manibus, vae immundis pectoribus impiorum Sacerdotum! Omne supplicium minus est fragitio quo Christus contemnitur in hoc sacrificio. O Senhor disse a Sta. Brígida que tais padres são amaldiçoados por todas as criaturas no Céu e na terra.
Como noutra parte dissemos, o padre é um vaso consagrado a Deus; portanto, assim como Baltasar foi punido por ter profanado os vasos do Templo, do mesmo modo, diz Pedro de Blois, será punido o sacerdote, que celebra indignamente. Já uma mão misteriosa se prepara para traçar estas palavras terríveis: Máne, Thécel, Farés. Numeratum, Appensum, Divisum. Numeratum, quer dizer, um só sacrilégio basta para suspender a torrente das graças divinas; Appensum, é bastante para fazer pender a balança da justiça divina, e decidir a ruína eterna do padre culpado; Divisum, Deus, irritado por um crime tão atroz, o repelirá e afastará para sempre.
É assim que se há de cumprir a palavra de Davi: Torne-se em ruína sua a mesa posta diante deles. Sim, o altar há de tornar-se para este desgraçado o lugar do seu suplício; ali será carregado com as cadeias que hão de retê-lo para sempre escravo do demônio, fazendo-o perseverar no mal; porque, segundo S. Lourenço Justiniano, todos os que comungam em pecado mortal permanecem mais obstinados na sua malícia. Isto está de acordo com o que o Apóstolo declarou: O que come e bebe indignamente, come e bebe a sua própria condenação. Ó padre do Senhor, exclama sobre este ponto S. Pedro Damião, vós, que deveis oferecer em sacrifício ao Padre eterno o seu próprio Filho, não vades primeiro dar-vos como vítima ao demônio!
O pecado de escândalo
Nos tempos antigos, inventou o demônio deuses fantásticos, entregues a todos os vícios, e empenhou todos os meios para os fazer adorar, a fim de que os homens, perdendo até o horror aos crimes de que as divindades lhes davam exemplo, cressem que lhes era permitido pecar à vontade. Assim confessa o pagão Sêneca, nestes termos: “Por estas invenções, chegou-se a destruir nos homens a vergonha de pecar”. Não será fomentar os vícios e atribuí-los aos deuses, e desculpar-se do mal como o exemplo da divindade? Imersos em tal cegueira, os desgraçados pagãos, como se vê no mesmo filósofo, diziam: “O que os deuses fizeram sem vergonha, hão de corar os homens de o fazer?”
Ora, o que o demônio conseguiu dos pagãos, por meio dessas falsas divindades, que lhes propunha por modelos, hoje o consegue dos cristãos por meio de padres prevaricadores, cujos escândalos persuadem aos pobres seculares, que lhes é permitido, que lhes é permitido, ou pelo menos que não é grande mal para eles, fazerem o que vêem fazer aos seus pastores; é o que nota S. Gregório. Colocou Deus os padres na terra para servirem de modelos aos outros, do mesmo modo que o nosso Salvador foi enviado por seu Pai para ser o exemplar de todos: Conforme o meu Pai me enviou, assim eu vos envio a vós. Por isso S. Jerônimo escrevia a um bispo — que evitasse tudo quanto fosse capaz de induzir a pecado os que quisessem imitá-lo.
Não consiste o pecado de escândalo só em aconselhar diretamente o mal aos outros, mas em levar o próximo a pecar, dum modo indireto, pelo exemplo da própria conduta. “Uma palavra ou ação, mais ou menos repreensível, e que é para o próximo ocasião de ruína espiritual”, dá escândalo. É assim que se define geralmente o escândalo, segundo Santo Tomás.
E, para se conhecer quanto é grande a malícia do escândalo, basta recordar o que dele diz S. Paulo: que o que ofende o seu irmão, fazendo-o cair em pecado, ofende o próprio Jesus Cristo. S. Bernardo dá esta razão: que o escandaloso faz perder a Jesus Cristo as almas, resgatadas a preço do seu sangue; e acrescenta que o Salvador sofre uma perseguição mais cruel da parte dos escandalosos, do que da parte dos algozes que o crucificaram.
Mas se o escândalo é tão abominável mesmo nos seculares, quanto mais o não será no padre, que Deus estabeleceu na terra para salvar as almas e conduzi-las o para o céu! O padre é chamado o sal da terra. É próprio do sal conservar as coisas: assim o padre é destinado a manter as almas na graça de Deus. Em que se tornarão os outros homens, pergunta Sto. Agostinho, se os padres não produzirem sobre eles o efeito do sal? Então, prossegue ele, esse sal só será bom para ser lançado fora da Igreja e calcado aos pés, por todos os transeuntes.
E, se o sal em vez de conservar não fizesse senão corromper, quero dizer, se o padre, em vez de salvar as almas, só trabalha em as perder, que castigo não chama sobre si! Também o padre é luz do mundo. Donde S. João Crisóstomo conclui que o padre deve ter uma vida tão radiante de virtudes, que possa alumiar os outros e servir-lhes de modelo. Mas se esta luz se muda em trevas, em que se tornará o mundo? Só servirá para precipitar na ruína o mesmo mundo, como diz S. Gregório.
No mesmo sentido escreveu este grande papa aos bispos de França, exortando-os a castigar os padres escandalosos. É a palavra do profeta Oséias: Tal padre tal povo. E pela boca de Jeremias se exprime o Senhor assim: Hei de encher de favores a alma dos meus sacerdotes, e o meu povo será enriquecido dos meus benefícios. Por isso mesmo dizia S. Carlos Borromeu que, se os padres forem ricos e fecundos em virtudes, também ricos serão os povos; mas, se os sacerdotes forem pobres, bem miseráveis serão os povos.
Conta Tomás de Cantimpré que um eclesiástico que pregara em Paris, em presença do clero, fôra encarregado pelo demônio de saudar os príncipes da Igreja, e dar-lhe os agradecimentos, da parte dos príncipes do inferno, pelas muitas almas que deixavam perder. É precisamente do que o Senhor se lamenta pela boca de Jeremias: O meu povo não é mais que um rebanho perdido; os pastores seduziram as suas ovelhas: = Grex perditus factus est populus meus; pastores eorum seduxerunt eos (Jer. 50, 6).
É inevitável, diz S. Gregório: quando o pastor caminha para o precipício, as ovelhas vão com ele. O mau exemplo dos padres, diz também S. Bernardo, necessariamente arrasta o povo à depravação. Se um leigo, acrescenta ele, se transvia do reto caminho, perder-se-á ele só; mas, se um padre se desgarrar, causará a perdição duma multidão de almas, sobretudo das que lhe estiverem sujeitas.
Mandou o Senhor, no Levítico, que se imolasse um novilho pelo pecado dum só sacerdote, como pelos pecados de todo o povo; donde Inocêncio III deduz que o pecado do padre pesa tanto como os pecados de todo o povo, e a razão que dá é que o padre, pecando, arrasta ao pecado todo o povo. Foi o que o próprio Deus declarou no Levítico: Se o sacerdote que recebeu a unção santa vier a pecar, fazendo pecar o povo...
Assim Sto. Agostinho dizia, dirigindo-se aos padres: Não fecheis o Céu aos fiéis; de fato lho fechais, desde que lhes deis o exemplo duma má vida. Um dia dizia o Senhor a Sta. Brígida, que os pecadores, à vista dos maus exemplos dos padres, se animavam a praticar o mal, e chegavam até a gloriar-se dos vícios, que antes os faziam corar. Assim, o Senhor ajunta que os padres maus serão carregados de maldições, muito mais terríveis que os outros homens, porque a sua má vida, é a ruína deles e também a dos outros.
À vista duma árvore cujas folhas se mostram amarelentas e murchas, diz o autor da Obra imperfeita, logo se compreende que ela sofre nas raízes; do mesmo modo quando se vê um povo corrompido, pode-se concluir, sem receio de proferir um juízo temerário, que é entre os seus sacerdotes que reina o mal. Com efeito, ajunta ele, a vida dos padres é a raiz que comunica a seiva das virtudes aos fiéis, que são coo os ramos a respeito da árvore. No mesmo sentido, diz Sto. Ambrósio, que os padres são a cabeça, donde os espíritos vitais se difundem em todos os membros, que são os seculares.
E lê-se em Isaías: Toda a cabeça está esvaecida... Da planta dos pés ao alto da cabeça nada há nela de são. Palavras que Sto. Isidoro aplica assim ao nosso assunto: A cabeça enfraquecida é o doutor que se entrega ao pecado; o seu mal comunica-se ao corpo. Do mesmo modo lamenta S. Leão esta desordem e diz que não pode haver saúde no corpo quando não a há na cabeça.
Santo Ambrósio, servindo-se doutra figura, pergunta: Quem procurará uma fonte de água cristalina no meio de um lamaçal? Por outras palavras, olharia eu como idôneo para me dar conselhos quem não soubesse aconselhar-se a si próprio? Diz Plutarco que a corrupção dos príncipes é como um veneno lançado, não numa taça, mas numa fonte, onde todos venham colher e beber água que os há de envenenar. O que tem aplicação ainda mais aos padres; por isso Eugênio III disse que os pecados dos inferiores se devem atribuir de preferência aos maus superiores.
Aos sacerdotes chama S. Gregório — Patres christianorum. É o título que lhes dá também S. João Crisóstomo, que afirma que o padre, na sua qualidade de vigário de Deus, é obrigado a tomar cuidado de todos os homens, visto que é pai do mundo inteiro. Assim como um pai se torna duplamente culpado, quando dá mau exemplo a seus filhos, também o padre dalgum modo comete dois pecados, quando escandaliza os simples fiéis. Que fará o leigo, pergunta Pedro de Blois, senão o que vir fazer ao seu pai espiritual?.
É precisamente o que S. Jerônimo escrevia a um bispo: Os outros acreditarão que devem fazer quanto virem que vós fazeis. E, conforme nota S. Cesário, ao seguirem os maus exemplos dos eclesiásticos, os leigos desculpam-se dizendo: Não fazem a mesma coisa os eclesiásticos mais graduados? Santo Agostinho põe a mesma linguagem na língua dum homem do mundo: O que é que me mandais? Nem os padres fazem isso, e vós quereis que eu o faça? Quando os padres, diz S. Gregório, em vez do bom exemplo, dão escândalo, fazem de algum modo que o pecado deixe de ser aborrecido e inspire horror.
Tais sacerdotes pois são ao mesmo tempo pais e parricidas, visto que são a causa da morte de seus filhos. Disto se lamentava S. Gregório: “Vêde donde partem os dardos, que semeiam a morte nas fileiras do povo; — qual a causa de tantos males senão os nossos pecados? Sim, damos a morte ao povo, nós que devíamos ser os seus guias nos caminhos da vida”.
Dirão talvez alguns na sua cegueira: Que me importam os pecados dos outros? — Digam lá o que quiserem, mas escutem o que escreveu S. Jerônimo: “Se disserdes: ‘Basta-me a minha consciência; não me importo com o que disserem’, escutai o que vos responde o Apóstolo: Devemos aplicar-vos a praticar o bem, não só diante de Deus, mas também diante dos homens”. Nota S. Bernardo que os padres escandalosos dão a morte aos outros, dando-a a si próprios. E noutra parte acrescenta que não há peste mais funesta aos povos, que a ignorância e a corrupção unidas nos padres.
Ajunta ainda noutro lugar que muitos padres são católicos na sua pregação, mas hereges nos seus costumes; porque fazem muito maior mal com os seus maus exemplos, que os hereges, ensinando o erro: têm as obras mais força que as palavras. Segundo Sêneca, para cair no vício, como para chegar à virtude, é longo o caminho do ensino, ao passo que o do exemplo é curto e eficaz. O que fez dizer a Sto. Agostinho, falando especialmente da castidade dos sacerdotes: A todos é indispensável a castidade, mas especialmente aos ministros do altar de Jesus Cristo, porque a sua vida deve ser uma pregação contínua para os outros. Como pregar a castidade, quando se é escravo da impudicícia? Tal é a reflexão de S. Pedro Damião. O estado em que se acha constituído, o hábito que veste, tudo nele diz S. Jerônimo, reclama e exige a santidade.
Que escândalo não será pois na Igreja, segundo nota S. Gregório, ver aquele que é honrado, com um nome e caráter sagrados, dar o exemplo do vício! E que desordem ainda mais horrível, acrescenta Sto. Isodoro de Pelusa, ver um sacerdote servir-se da sua dignidade como de uma arma para ofender a Deus! Segundo a palavra de Ezequiel, um tal padre torna abominável a nobreza do seu estado. Diz S. Bernardo que os padres que não dão bom exemplo são a fábula de todo o mundo.
É já uma grande desordem que os padres vivam à maneira das pessoas do mundo, observa o autor da Obra imperfeita, mas o que será se a sua conduta for pior que a dos mundanos? E que exemplo pode o povo receber de vós, pergunta Sto. Ambrósio, se em vós nota certas ações que o fazem envergonhar, devendo olhar-vos como santos?
Lê-se no profeta Oséias: Ouvi isto, ó sacerdotes... visto que se trata de culpa vossa, porque vos tornastes como um laço e uma rede estendida para caçar aves. Para atrair as aves aos seus laços, serve-se o caçador do chamariz doutras aves, que retém presas no lugar em que preparou as armadilhas.
O mesmo faz o demônio: serve-se dos escandalosos para atrair os outros aos seus laços. Desde que uma alma se deixa cair, diz Sto. Efrém, serve-se dela para seduzir outras. É dos escandalosos que se queixa o Senhor pela boca de Jeremias, quando diz: Há no meu povo ímpios que, à semelhança do passareiro, armam emboscadas e estendem laços traiçoeiros para caçarem os homens. Mas os que os demônios buscam com mais empenho e escolhem de preferência, para chamariz nesta caça, são os padres escandalosos, diz S. Cesário, o qual explica como é que os demônios se servem deles: Fazem como os passareiros que, tendo tomado algumas pombas, as tornam cegas e surdas, para que as outras pombas se aproximem delas e caiam nas armadilhas.
Afirma um autor que antigamente, quando um simples clérigo ia a passar na rua, todos se levantavam, e cada um se recomendava às suas orações. Vê-se o mesmo nos nossos dias? Ai! Devemos exclamar Jeremias: Como se obscureceu o ouro, como se embaciou o seu brilho, como se dispersaram as pedras do santuário pelos ângulos de todas as praças?
Eis como S. Gregório explica toda esta passagem: Está o ouro obscurecido, porque os padres desonram a sua vida com ações baixas: está empanado o vivo resplendor do ouro, porque o mais santo dos estados se tornou desprezível, por obras abjectas; dispersaram-se as pedras do santuário pelos ângulos de todas as praças, porque os que deviam passar uma vida toda interior e de oração, só se ocupam de coisas exteriores. Quase não há negócios seculares que não sejam administrados pelos padres.
Lê-se nos Cânticos: Combateram contra mim os filhos de minha mãe. Orígines aplica estas palavras aos padres que, por seus escândalos se armam contra a Igreja, sua mãe. Diz S. Jerônimo que a vida criminosa dos padres produz a devastação na Igreja. E a propósito da lamentação de Ezequias — Eis que no seio da paz a minha amargura é amaríssima — S. Bernardo põe na boca da Igreja estas palavras: Tenho a paz do lado dos pagãos, tenho a paz do lados dos hereges, mas em verdade não a tenho da parte dos meus filhos. Não sou hoje perseguida pelos pagãos, não há tiranos; não sou perseguida pelos hereges, não há heresias novas; mas sou perseguida pelos meus próprios filhos, pelos sacerdotes, cuja vida desordenada me rouba um grande número de almas! Não, diz S. Gregório, ninguém prejudica tanto a causa de Deus como os padres que, estabelecidos para encaminharem os outros, são os primeiros a dar-lhes maus exemplos.
Pelos seus maus exemplos, fazem os maus sacerdotes que os povos desprezem o ministério deles, isto é, os sermões, as missas, e todos os ministérios da religião. Por isso o Apóstolo lhes dirige este aviso: Não demos a ninguém ocasião de escândalo, para que não se torne desprezível o nosso ministério; mostremo-nos ao contrário verdadeiros servos de Deus. Se a lei de Jesus Cristo é desprezada, diz Salviano, a causa disso somos nós, os padres. S. Bernardino de Sena ajunta que muitos cristãos, à vista dos maus exemplos dos eclesiásticos, chegam a vacilar na fé, e acabam por se abandonar aos vícios, desprezando os sacramentos, o inferno e o Paraíso.
Segundo o autor da Obra imperfeita, quando os infiéis viam os desregramentos dos sacerdotes, diziam que o Deus dos cristãos ou não existia, ou era um deus mau; porque, acrescentavam, se fosse bom, como poderia suportar tais desordens nos seus ministros? Na Instrução sobre a missa, mais de espaço nos havemos de referir ao caso de um herege que estava disposto a converter-se: tendo porém visto em Roma um padre a dizer missa com pouco respeito, desistiu de abjurar os seus erros, dizendo que nem o próprio papa tinha fé; de contrário, teria mandado queimar vivos tais padres, desde que os conhecesse.
Dizia S. Jerônimo que, procurando saber pela história quais os homens que têm difundido na Igreja o veneno das heresias e pervertido os povos, não encontrava outros senão os padres. Pedro de Blois diz por sua vez: É pela negligência dos padres que as heresias se têm multiplicado... Por causa dos nossos pecados, é que a Igreja tem sido calcada aos pés e caído no desprezo.
E, no sentir de S. Bernardo, mais mal nos fazem os padres escandalosos, que os próprios hereges; porque, afirma ele, está no nosso poder guardarmo-nos dos heréticos, — mas como será possível guardarmo-nos dos padres, cuja assistência a cada instante nos é necessária? Eis as suas palavras: Uma peste mortal invade hoje todo o corpo da Igreja; e o mal é tanto mais assombroso quanto se mostra geral; é tanto mais funesto quanto procede do interior. Se o inimigo fosse um herege declarado, poderia lançar-se fora; se o inimigo se apresentasse com as armas na mão, poderia a Igreja furtar-se aos seus golpes; mas como lançá-lo fora? Como escapar aos seus golpes? Todos são a um tempo amigos e adversários dela.
Ó, que terrível castigo está reservado para os padres escandalosos! Se é ameaçado de grande desgraça todo o homem por quem vem o escândalo, que desgraça ainda mais terrível há de estalar sobre aquele que Deus escolheu para ser ministro seu! De preferência a tantos outros, o encarregou Deus de lhe granjear frutos, salvando-lhe almas, e ele, por seus maus exemplos, arrebatou almas ao seu divino Mestre! Diz S. Gregório que tais sacerdotes merecem sofrer tantas mortes, quantos os maus exemplos que dão. Falando dos padres em especial, disse o Senhor a Sta. Brígida: Serão duplamente malditos os que por sua conta se perdem a si próprios e consigo perdem os outros. São os sacerdotes encarregados da vinha; o Senhor porém expulsa da sua vinha os maus jornaleiros e a confia a outros, que saibam produzir bons frutos.
Ai! Que será dos padres escandalosos no dia do juízo? Hei de aparecer-lhes como a ursa a que arrebataram os filhos. Com que furor se não precipita a ursa contra o caçador que vai para lhe arrebatar e matar os filhos! É assim, diz o Senhor, que eu me lançarei contra os sacerdotes que, em vez de me salvarem as almas, as fazem perder. E, se nesse dia terrível cada um há de ter dificuldade em responder por si, pergunta Sto. Agostinho, que será dos padres que hão de dar conta de tantas almas que fizeram perder?
O autor da Obra imperfeita acrescenta: Quando os padres vivem em pecado, todo o povo se afunda nos vícios; também, ao passo que os outros só prestarão conta dos próprios pecados de todos. Ó, quantos seculares, quantos pobres camponeses e mulheres humildes, serão no Vale de Josaphat um motivo de confusão para os padres! Acrescenta ainda o autor da Obra imperfeita: No dia do juízo hão de ver se leigos revestidos da túnica da glória destinada aos padres; e alguns padres, por seus pecados, despojados da dignidade sacerdotal e repelidos para o meio dos infiéis e hipócritas.
Guardemo-nos pois, ó sacerdotes, ó irmãos meus, de causar por nossos maus exemplos a perda das almas, nós a quem Deus colocou na terra para as salvar. Em ordem à consecução deste fim, evitemos com zelo não só as ações, más em si mesmas, mas até as que tenham aparência de mal, conforme a palavra do Apóstolo: Ab omni specie mala abstinete vos (1. Thess. 5, 22).
Por esta razão ordenou o concílio de Agda: Ut ancillae a mansione, in qua clericus manet, removeantur (Conc. Agth. c. 11). Ter na própria casa criadas novas, — ainda mesmo que, por impossível, não fossem ocasião de pecado, — seria pelo menos uma aparência de mal, que podia ser motivo de escândalo para os outros.
Assim o Apóstolo nos adverte que devemos abster-nos até de certas coisas permitidas, com receio de escandalizar os fracos. Devemos abster-nos igualmente, com muito cuidado, de repetir certas máximas do mundo, tais como estas: É preciso que não nos deixemos calcar aos pés; é necessário gozar da vida; felizes os ricos; Deus é cheio de misericórdia e compadece-se das nossas fraquezas (falando-se de pecadores, que persistem nas suas desordens).
Que escândalo não seria também aplaudir quem pratica o mal, por exemplo: um homem que se vinga, ou que mantém relações perigosas! Louvar os que fazem o mal, diz S. Crisóstomo, é muito pior que praticá-lo! Finalmente, quanto ao passado, quem teve a desgraça de dar algum escândalo, ou qualquer ocasião de pecado, deve saber que está obrigado a repará-lo publicamente por seus bons exemplos.