A necessidade da santidade sacerdotal
Pe. Moraes Junior
Para demonstrar a necessidade da santidade para o Padre, basta um estudo profundo das cartas do Apóstolo São Paulo a Timóteo e a Tito. Por estas leituras, todo Padre convictamente poderá dizer: visto que sou Padre, devo ser um Padre santo.
Escolhamos algumas passagens; são elas tão claras, vão tão direto ao seu fim, que seria inútil todo comentário, e até mesmo deslustraria sua admirável energia.
“Sede modelo dos fiéis na palavra, no modo de tratar com o próximo, na caridade, na fé, na castidade. Aplica-te à leitura, à exortação e ao ensino. Não desprezes a graça que há em ti, a qual te foi dada em virtude duma revelação, pela imposição das mãos do presbitério. Medita estas coisas, ocupa-te nelas, a fim de que o teu aproveitamento seja manifesto a todos. Veja por ti e pelo teu ensino; persevera nestas coisas; porque, fazendo isto, te salvarás a ti mesmo e àqueles que te ouvem. A piedade é uma grande fonte de lucro, tornando-nos contentes com o que basta para viver. Porque nada trouxemos para este mundo, e é sem dúvida que não podemos levar nada dele. Tendo, pois, os alimentos necessários, e com que nos cobrirmos, contentemo-nos com isto.
“Mas tu, ó homem de Deus, foge destas coisas [dos bens materiais], e segue a justiça, a piedade, a fé, a caridade, a paciência, a mansidão. Suporta os trabalhos como um bom soldado de Jesus Cristo. Esforça-te por te apresentares a Deus digno de aprovação, como um operário que não tem de que se envergonhar.
“Ninguém, que se alistou na milícia de Deus, se embaraça com negócios do século. Evita as conversas profanas e vãs. Vigia sobre todas as coisas, suporta os trabalhos, faze a obra dum evangelista, cumpre o teu ministério. Sê sóbrio.
“Combati o bom combate, acabei a minha carreira, guardei a fé. Conquista a vida eterna, para a qual foste chamado.”
(I Timóteo IV, 12-16; VI, 6-8, 11-12; II Timóteo II, 3-4, 15-16; IV, 5, 7).
Tendo nós, com Deus, relações mais freqüentes e mais íntimas que os leigos; exercendo funções que os próprios anjos não podem desempenhar; sendo, por estado, encarregados de santificar os povos; recebendo todos os dias, com abundância, graças de escolha e predileção, não é evidente que devemos ser mais santos, muito mais santos que os simples fiéis, que nunca receberam semelhantes favores? A santidade de uma criatura deve medir-se pela dignidade que ocupa, e pelas relações que esta dignidade estabelece entre Deus e ela. Que santidade não deverá ser a do Padre!
Se examinardes com os olhos da fé a função que o Padre desempenha num ato qualquer de seu ministério, admirareis infalivelmente a sua excelência. E assim deve ser, porque o Padre no seu ministério sacerdotal não tem nada de comum com os interesses do mundo. Coloca-se acima deles e domina-os com toda a sublimidade do seu sacerdócio. Sempre em relação imediata com Deus, é o executor de suas vontades adoráveis a respeito das almas, o verdadeiro ministro de Jesus Cristo e o continuador de sua obra.
A quem representa o Padre, quando por suas insuflações, suas bênçãos e seus exorcismos, lança fora a Satanás da alma do recém-nascido, e substitui o demônio pelo Espírito Santo nesta pobre criancinha desde o momento que lhe conferir o Santo Batismo? Quando a eficácia de sua divina palavra tocar alguma Madalena, aterrar algum Paulo, abrasar algum Agostinho [1], a quem representará o Padre quando estas conquistas da graça, lavadas em lágrimas, vierem humilhar seu orgulho a seus pés e solicitar, de sua poderosa autoridade, o perdão de seus crimes?
E no tribunal da graça, a quem representa o Padre? Sim, Padre de Jesus Cristo: é a Jesus Cristo mesmo que tu representas!
O Padre católico no altar! Um homem, à voz de quem baixa um Deus do Céu à terra, no momento em que, sem lhes alterar uma só letra, pronuncia na pessoa de Jesus Cristo estas palavras: “Hoc est enim corpus meum” [Este é o meu corpo]!
Subir ao altar, para aí sacrificar Jesus Cristo todos os dias e nutrir-se com sua própria substância: quem ousará dizer que isto não demanda uma santidade sem mancha?
Assentar-se ao santo tribunal com missão especial de reconciliar os pecadores com Deus, de reanimar os tíbios, de aperfeiçoar os justos, de consolar, esclarecer e dirigir milhares de almas pelo caminho da salvação e da perfeição cristã: é isto obra de um Padre sem piedade? Não é, antes, obra de um santo?
Ser aos olhos dos fiéis a imagem de Jesus Cristo sobre a terra; ser o Seu ministro e colaborador; exercer Seu sagrado Ministério, correndo, com Ele, atrás dos pecadores, dos aflitos e dos pobres, para os salvar a todos e abrasá-los no divino amor: pode isto desempenhar-se, e bem, com um coração frio, com uma piedade frouxa, e mesmo com uma santidade ordinária e comum?
Em muitos lugares do Antigo Testamento se exige grande santidade para um sacerdote figurativo. Que perfeição não deve exigir o sacerdócio real, que, como todos confessam, é tão superior ao primeiro, como o Céu é superior à terra?
Que nos diz o Espírito Santo? Ordena-nos que sejamos irrepreensíveis, na qualidade de despenseiros e ecônomos de Deus; proíbe-nos que sejamos orgulhosos, coléricos, sensuais, ávidos de um ganho sórdido. Pelo contrário, prescreve-nos que sejamos dóceis, afáveis, sóbrios, justos e santos; impõe-nos a obrigação de edificar os fiéis com nossos discursos, com nossa conduta para com o próximo, com nossa caridade, nossa fé, nossa castidade.
Como acreditar que somos Padres como Deus quer, depois de ouvir o Espírito Santo, se temos uma vida tíbia e frouxa?
Santo Agostinho, contemplando a dignidade do sacerdote, escreveu: “O venerabilis sanctitudo manuum! O felix exercitium! Qui creavit me sine me, ipse creavit se mediante me.” [Ó venerável e sagrado poder o das mãos do Padre! Ó glorioso ministério! Aquele que me criou a mim, deu-me, se ouso dizê-lo, o poder de o criar a ele; e ele que me criou sem mim, criou-se a si por meio de mim].
O Papa Inocêncio III, considerando os imensos poderes do Padre, não duvida colocá-lo, neste particular, acima mesmo da Santíssima Virgem: “Licet Beatissima Virgo excellentior fuit apostolis, non tamen illi, sed istis Dominus claves regni caelorum commisit.” [Ainda que a Beatíssima Virgem seja superior aos apóstolos, nem por isso lhe confiou Deus as chaves do reino dos Céus].
Os Padres, diz Santo Tomás, não devem somente ser virtuosos, mas perfeitos em virtudes; e explicando mais seu pensamento, continua: “Ordines sacri praexigunt sanctitatem; unde pondus ordinum imponendum parietibus jam per sanctitatem dessicatis, id est, ab humore vitiorum”. Meditemos bem as duas razões, que alega para apoiar sua opinião. A primeira vem a ser: “Assim como o que se ordena se torna superior aos leigos por sua dignidade, do mesmo modo o deve ser por sua santidade”. A segunda: “Dando a ordenação o poder de exercer as mais sublimes funções do altar, é necessário que quem as desempenha tenha uma santidade maior ainda que a que requer o estado religioso”.
Temos, além disto, para provar a necessidade da santidade sacerdotal, uma autoridade ainda mais respeitável que a dos doutores e teólogos: a da Igreja. Quem poderia enumerar os concílios e cânones de concílios em que se recomenda a santidade a todos os membros da nossa augusta corporação? Sempre e em todo tempo tem sido ela incansável na santificação dos seus ministros, já traçando-lhes regras de perfeição, já mostrando-lhes os perigos, já impondo-lhes rigorosas obrigações.
Para que não se julgue que a santidade, que se exige do Padre, consiste só na isenção dos pecados graves, o Santo Concílio de Trento acrescenta estas palavras: “Levia etiam delicta, quae in ipsis maxima essent, effugiant sacerdotes.” [Que nos afastemos de toda e qualquer mancha, pois, aos olhos de outros, as mínimas faltas seriam suficientes para empanar o brilho de nossa vida].
“Decet omnino – nos diz ainda a Igreja pelo mesmo Concílio – clérigos in sortem Domini vocatos, vitam moresque componere, ut habitus rebus nil nisi grave, moderatum ac religione plenum prae se ferant.” [Que em um sacerdote tudo seja santo: o hábito, as maneiras, a linguagem, e todos os atos].
O Santo Concílio, a propósito da mais augusta das nossas funções, a celebração da Missa, recorda-nos o que ela tem de Santo e de Divino, e parte daí para nos fazer ver a perfeição que exige do Padre que a exerce: “Necessario fatemur, nullum aliud opus adeo sanctum et divinum tractari posse quam hoc tremendum mysterium. Satis apparet omnem operam in eo esse ponendam, ut quanta maxime fieri potest, interiori cordis munditia peragatur.” [É preciso confessar que não é possível a um homem praticar ação mais santa que celebrar uma Missa. Deve, portanto, o Padre envidar todos os esforços para celebrar o santo Sacrifício do altar com a máxima pureza de consciência possível].
O que os doutores e teólogos têm dito da santidade do Padre é exato e não encerra uma só exageração, por isso que a sua linguagem é a mesma da Igreja. Não admiramos que a Santa Igreja, animada como está de tais sentimentos, não se limite a exprimi-los nos Cânones de seus Concílios, mas corrobore suas palavras por seus atos, e não julgue nunca fazer demais quando se trata de santificar seus ministros e de os tornar cada vez mais dignos do ministério divino que lhes confia.
Por que é que [a Igreja] os separa [os Padres] dos leigos, impondo-lhes regras especiais, fazendo, para sua santificação, estatutos e ordenanças que não faz para os simples fiéis, senão porque quer que, como chefes do rebanho de Jesus Cristo, atinjam um grau de santidade mais elevado que o das ovelhas que têm o encargo de apascentar?
Por que é que lhes inculca com tanta insistência a renúncia aos vãos prazeres e às loucas alegrias do século, de que os faz despedir logo ao entrar no Santuário, impondo-lhes a Sobrepeliz [2], símbolo da inocência, e fazendo-lhes dizer, quando a tomam, que só a Deus querem por porção de sua herança?
Por que é que lhes impõe com uma inflexibilidade tão fixa como invariável, a lei do celibato, essa lei que faz a glória do Padre católico e lhe concilia a estima até do mais embrutecido selvagem?
Por que é que a Igreja nos obriga a trazer um hábito tão diferente do dos leigos? Por que nos ameaça com penas, às vezes muito graves, se o depomos sem uma razão suficiente?
Por que tudo isto, senão para que esta veste, à qual nenhuma outra é semelhante, seja de algum modo o sinal particular da nossa santidade, para que nos sirva de monitor perpétuo, e nos recorde, por sua cor lúgubre, que morremos para o mundo e para nós mesmos, e que, por sua forma, devemos retratar em nossas pessoas a modéstia do nosso Divino Salvador, e fazê-la resplandecer aos olhos de toda a gente? Sim, com toda certeza este santo hábito deve ser como que o sinal da santidade daquele que o traz.
Dai-me, ó Deus, dez Padres zelosos, diz São Filipe Néri, e o mundo se converterá.
Se somos Padres, reconheçamos a imperiosa necessidade de sermos santos. Ser Padre e não ser santo é, na verdade, uma anomalia, um contrassenso, um estado de oposição formal à vontade de Deus, pois que é a nós, mil vezes mais que aos simples fiéis, que Ele dirige estas palavras: “Sancti estote quia ego sanctus sum. Qui sanctus est sanctificetur adhuc” [Sede Santos, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo. Aquele que é santo, santifique-se mais] (Levítico XIX, 2; Apocalipse XXII, 11).
Que éramos nos primeiros dias da nossa profissão?
Aqui, torrentes de luz vêm inundar-nos e talvez descobrir certos defeitos que deixamos passar despercebidos, como se defeitos dissimulados pudessem passar no juízo de Deus por defeitos corrigidos.
Quanto eram belos, quanto puros e serenos os dias do nosso Seminário, que tão depressa decorreram. Quanto eram doces as horas que passávamos junto do santo altar, e durante as quais fazíamos a Jesus os mais vivos protestos de nosso amor e de nossa inviolável fidelidade!
Quanto eram edificantes essas conversações com nossos piedosos condiscípulos ou com alguns zelosos diretores, cuja experiência consultávamos para melhor nos dispor a desempenhar mais tarde o santo ministério que nos havia de ser confiado!
Como eram bem cheios esses dias que passavam com tanta rapidez, esses hábitos de trabalho e das obras de piedade, que não davam lugar a esses passatempos que só causam desgosto e aborrecimento!
Que vida santa! Que vida edificante!
Felizes dias, de que, ah!... Talvez só reste para muitos uma amarga lembrança; amarga, sim, porque, se não são hoje o que eram outrora, e ainda hoje deveriam ser, a lembrança dos mais santos dias é para eles um remorso que penetra e dilacera.
Que dia, amados colegas; que dia aquele, em que nos disse o Bispo: Eis-te Padre para sempre. No começo do nosso ministério, que ardente desejo temos de consagrar nossos talentos, nossas forças, nossa piedade, nosso tempo, todo o nosso ser à glória e ao bom resultado do apostolado que nos era confiado! Oh!... quão santas eram nossas obras nesses felizes dias!... quão bem feitas eram nossas orações!... quão doces consolações nos davam nossos exames, nossas leituras, nossas piedosas visitas ao Santíssimo Sacramento! Nem um só anel faltava à cadeia de nossos exercícios espirituais.
Que somos atualmente com relação à santidade sacerdotal?
Conheço alguns Padres que são amados de Deus; seu elogio está em todas as bocas. Desde que se começa a falar de um deles, diz-se logo: “É um Santo!”. Eu mesmo, falando desses homens de Deus, por muitíssimas vezes o tenho dito, porque sou a cada instante testemunha de suas virtudes e da sua santidade sem mancha, que os distingue. Muito bem! Sua vida é a minha vida? Suas virtudes são as minhas virtudes? A sua alma é, de alguma sorte, a minha alma? Retrato em mim o que neles brilha com um tão vivo resplendor, essa modéstia que seduz, essa doçura que pacifica, essa caridade que abrasa, essa abnegação que edifica, esse desinteresse que todo mundo exalta, essa terna piedade que comunica aos mais frios corações o fogo sagrado do amor divino?
A consciência diz-nos que somos pouco mais ou menos o que devemos ser, que Deus não desaprova o todo de nossa conduta, e nos conta no número de seus Padres prediletos, dos Padres como Ele quer?
Se desgraçadamente não somos o que devemos ser, 1) ou havemos de operar reformas mais ou menos notáveis em nossa conduta, 2) ou renunciar para sempre à aquisição da santidade própria do nosso estado, o que é uma das mais indispensáveis de nossas obrigações.
Que queremos ser para o futuro?
Coloquemo-nos em face desse futuro, que gastamos peça sobre peça, e do qual esperamos sempre uma reforma espiritual que nunca chega; façamos sinceramente esta pergunta, que, para muitos Padres santos, tem sido fecunda em bons resultados: Que quero eu ser para o futuro? Quero ficar o que sou? Quero viver e morrer com os meus defeitos, com as minhas fracas e imperfeitas virtudes, com as minhas infidelidades quotidianas por ocasião dos meus exercícios espirituais e das diversas funções do meu ministério? Quero continuar neste estado, e não fazer nada para melhorar?
Não, eu não quero continuar neste estado em que estou. Quero mudar, e mudar para melhor.
Santo Tomás de Aquino, quando interrogado por sua irmã sobre o que devia fazer para chegar à perfeição, respondeu: “Para ser santo basta só uma coisa, uma só: o querer”.
Pelo menos neste ponto, queremos ser santos! O nosso querer é sério, sincero, forte, constante, eficaz e do íntimo da alma?
Ah!... Quantos haverá que, frente às respostas que poderão se suceder a esta pergunta, baixarão a cabeça em sinal de confusão, baterão no peito em sinal de arrependimento, e recobrarão ânimo, esperando enfim aproveitar o futuro em que fundam suas novas esperanças!
Nada é mais raro que ver uma alma tíbia e imperfeita deixar o caminho das suas infidelidades, corrigir-se dos seus defeitos ou pelo menos enfraquecê-los progressivamente, e preparar-se logo para uma vida mais santa.
É raro ver Padres corrigirem-se dos seus defeitos, fortificarem suas virtudes e adquirirem num futuro indeterminado essa perfeição sacerdotal, cuja necessidade, repito, tão expressamente lhes recorda Santo Tomás, quando diz que “os Padres não devem ser somente virtuosos, mas sim perfeitos em virtudes: Perfecti in virtute esse debent”, e quando acrescenta que “não é uma piedade qualquer a que lhes recomenda, mas uma piedade excelente: uma piedade maior que a que se requer para o estado religioso”.
Caros colegas, convençamo-nos de que um dia que passa sem combate fortifica nossos defeitos, enfraquece nossas virtudes. Convençamo-nos de que nossas resistências às solicitações de Deus diminuem o número das graças, que nos destinava, e enfraquecem o estímulo da nossa vontade. Convençamo-nos de que, com toda a probabilidade, não poderemos fazer no futuro, com graças restritas e uma vontade fraca, o que não tivemos a coragem de empreender no passado com graças abundantes e uma vontade forte. Convençamo-nos de que o zelo do Padre está sempre em perfeita relação com a sua santidade, e, por conseguinte, a salvação de muitas almas depende provavelmente dessa perfeição que nos espanta e não cessamos de adiar para amanhã.
“Ó Deus, derramai, nós vo-lo suplicamos, vossas graças em torrentes mais abundantes sobre a vossa Santa Igreja, e especialmente sobre seus ministros, que são as suas colunas, e que, por sua santidade, devem ser o seu ornamento e a sua glória. Amém.”
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Notas
[1] Referência aos santos que, após uma vida pecaminosa, converteram-se.
[2] Veste branca usada sobre a batina.
* Artigo de 1943.
Fonte: christifidei