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A VIDA DE ORAÇÃO.

 

A ORAÇÃO é a vida do coração novo. Deve animar-nos a todo o momento. Mas acontece que nos esquecemos d'Aquele que é a nossa vida e o nosso tudo. É por isso que os Padres espirituais, na sequência do Deuteronômio e dos profetas, insistem na ORAÇÃO como «lembrança de Deus», frequente despertador da «memória do coração». «Devemos lembrar-nos de Deus com mais frequência do que respiramos» (1). (Catecismo da Igreja Católica N° 2697.) > O que é a Oração de Coração?

 

A ORAÇÃO: "É pela oração que a alma se arma para toda espécie de combate. Em qualquer estado em que se encontre, a alma deve rezar. Tem que rezar a alma pura e bela, porque de outra forma perderia a sua beleza; deve rezar a alma que está buscando essa pureza, porque de outra forma não a atingiria; deve rezar a alma recém-convertida, porque de outra forma cairia novamente; deve rezar a alma pecadora, atolada em pecados, para que possa levantar-se. E não existe uma só alma que não tenha a obrigação de rezar, porque toda a graça provém da oração." (Diário de Santa Faustina, N° 146).

A VIDA DE ORAÇÃO

 

> O QUE É A ORAÇÃO?

 

2697. A oração é a vida do coração novo. Deve animar-nos a todo o momento. Mas acontece que nos esquecemos d'Aquele que é a nossa vida e o nosso tudo. É por isso que os Padres espirituais, na sequência do Deuteronómio e dos profetas, insistem na oração como «lembrança de Deus», frequente despertador da «memória do coração». «Devemos lembrar-nos de Deus com mais frequência do que respiramos» (1). Mas não se pode orar «em todo o tempo», se não se orar em certos momentos, voluntariamente: são os tempos fortes da oração cristã, em intensidade e duração.

 

2698. A Tradição da Igreja propõe aos fiéis ritmos de oração destinados a alimentar a oração contínua. Alguns são quotidianos: a oração da manhã e da noite, antes e depois das refeições, a Liturgia das Horas. O Domingo, centrado na Eucaristia, é santificado principalmente pela oração. O ciclo do ano litúrgico e as suas grandes festas constituem os ritmos fundamentais da vida de oração dos cristãos.

 

2699. O Senhor conduz cada pessoa pelos caminhos e da maneira que Lhe apraz. Por seu turno, cada fiel responde-Lhe conforme a determinação do seu coração e as expressões pessoais da sua oração. No entanto, a tradição cristã conservou três expressões principais da vida de oração: a oração vocal, a meditação e a contemplação. Têm um traço fundamental comum: o recolhimento do coração. Esta atenção em guardar a Palavra e permanecer na presença de Deus faz destas três expressões tempos fortes da vida de oração.

 

ARTIGO 1

 

AS EXPRESSÕES DA ORAÇÃO

 

I. A oração vocal

 

2700. Pela sua Palavra, Deus fala ao homem. É nas palavras, mentais ou vocais, que a nossa oração toma corpo. Mas o mais importante é a presença do coração Àquele a Quem falamos na oração. «Que a nossa oração seja atendida não depende da quantidade de palavras, mas do fervor das nossas almas» (2).

 

2701. A oração vocal é um elemento indispensável da vida cristã. Aos discípulos, atraídos pela oração silenciosa do seu mestre, este ensina-lhes uma oração vocal: o «Pai-nosso». Jesus não rezou apenas as orações litúrgicas da sinagoga: os evangelhos mostram-no-Lo a elevar a voz para exprimir a sua oração pessoal, desde a bênção exultante do Pai (3) até à desolação do Getsémani (4).

 

2702. A necessidade de associar os sentidos à oração interior corresponde a uma exigência da natureza humana. Nós somos corpo e espírito e experimentamos a necessidade de traduzir exteriormente os nossos sentimentos. Devemos rezar com todo o nosso ser para dar à nossa súplica a maior força possível.

 

2703. Esta necessidade corresponde também a uma exigência divina. Deus procura quem O adore em espírito e verdade e, por conseguinte, uma oração que suba viva das profundezas da alma. Mas também quer a expressão exterior que associe o corpo à oração interior, porque ela Lhe presta a homenagem perfeita de tudo a quanto Ele tem direito.

 

2704. Porque exterior e tão plenamente humana, a oração vocal é, por excelência, a oração das multidões. Mas até a oração mais interior não pode prescindir da oração vocal. A oração torna-se interior na medida em que tomamos consciência d'Aquele «a Quem falamos» (5). Então, a oração vocal torna-se uma primeira forma da contemplação.

 

II. A meditação

 

2705. A meditação é sobretudo uma busca. O espírito procura compreender o porquê e o como da vida cristã, para aderir e corresponder ao que o Senhor lhe pede. Exige uma atenção difícil de disciplinar. Habitualmente, recorre-se à ajuda dum livro e os cristãos não têm falta deles: a Sagrada Escritura, em especial o Evangelho, os santos ícones (as imagens), os textos litúrgicos do dia ou do tempo, os escritos dos Padres espirituais, as obras de espiritualidade, o grande livro da criação e o da história, a página do «hoje» de Deus.

 

2706. Meditar no que se lê leva a assimilá-lo, confrontando-o consigo mesmo. Abre-se aqui um outro livro: o da vida. Passa-se dos pensamentos à realidade. Segundo a medida da humildade e da fé, descobrem-se nela os movimentos que agitam o coração e é possível discerni-los. Trata-se de praticar a verdade para chegar à luz: «Senhor, que quereis que eu faça?».

 

2707. Os métodos de meditação são tão diversos como os mestres espirituais. Um cristão deve querer meditar com regularidade; doutro modo, torna-se semelhante aos três primeiros terrenos da parábola do semeador (6). Mas um método não passa de um guia; o importante é avançar, com o Espírito Santo, no caminho único da oração: Cristo Jesus.

 

2708. A meditação põe em acção o pensamento, a imaginação, a emoção e o desejo. Esta mobilização é necessária para aprofundar as convicções da fé, suscitar a conversão do coração e fortalecer a vontade de seguir a Cristo. A oração cristã dedica-se, de preferência, a meditar nos «mistérios de Cristo», como na « lectio divina» ou no rosário. Esta forma de reflexão orante é de grande valor, mas a oração cristã deve ir mais longe: até ao conhecimento amoroso do Senhor Jesus, até à união com Ele.

 

III. A contemplação

 

2709. O que é a contemplação? Responde Santa Teresa: «Outra coisa não é, a meu parecer, oração mental, senão tratar de amizade – estando muitas vezes tratando a sós – com Quem sabemos que nos ama» (7).

 

A contemplação procura «Aquele que o meu coração ama» (Ct 1, 7) (8), que é Jesus, e n'Ele o Pai. Ele é procurado, porque desejá-Lo é sempre o princípio do amor, e é procurado na fé pura, esta fé que nos faz nascer d'Ele e viver n'Ele. Nesta modalidade de oração pode, ainda, meditar-se; todavia, o olhar vai todo para o Senhor.

 

2710. A escolha do tempo e duração da contemplação depende duma vontade determinada, reveladora dos segredos do coração. Não se faz contemplação quando se tem tempo; ao invés, arranja-se tempo para estar com o Senhor, com a firme determinação de não Lho retirar durante o caminho, sejam quais forem as provações e a aridez do encontro. Não se pode meditar sempre; mas pode-se entrar sempre em contemplação, independentemente das condições de saúde, trabalho ou afectividade. O coração é o lugar da busca e do encontro, na pobreza e na fé.

 

2711. A entrada na contemplação é análoga à da liturgia eucarística: «reunir» o coração, recolher todo o nosso ser sob a moção do Espírito Santo, habitar na casa do Senhor que nós somos, despertar a fé para entrar na presença d'Aquele que nos espera, fazer cair as nossas máscaras e voltar o nosso coração para o Senhor que nos ama, de modo a entregarmo-nos a Ele como uma oferenda a purificar e transformar.

 

2712. A contemplação é a oração do filho de Deus, do pecador perdoado que consente em acolher o amor com que é amado e ao qual quer corresponder amando ainda mais (9). Mas ele sabe que o seu amor de correspondência é o que o Espírito Santo derrama no seu coração, porque tudo é graça da parte de Deus. A contemplação é a entrega humilde e pobre à vontade amorosa do Pai, em união cada vez mais profunda com o seu Filho muito amado.

 

2713. Assim, a contemplação é a expressão mais simples do mistério da oração. É um dom, uma graça; só pode ser acolhida na humildade e na pobreza. É uma relação de aliança estabelecida por Deus no fundo do nosso ser (10). A contemplação é comunhão: nela, a Santíssima Trindade conforma o homem, imagem de Deus, «à sua semelhança».

 

2714. A contemplação é, também, por excelência, o tempo forte da oração. Nela, o Pai enche-nos de força, pelo Espírito Santo, para que se fortaleça em nós o homem interior, Cristo habite nos nossos corações pela fé e nós sejamos radicados e alicerçados no amor (11).

 

2715. A contemplação é o olhar da fé, fixado em Jesus. «Eu olho para Ele e Ele olha para mim» – dizia, no tempo do seu santo Cura, um camponês d'Ars em oração diante do sacrário (12). Esta atenção a Ele é renúncia ao «eu». O seu olhar purifica o coração. A luz do olhar de Jesus ilumina os olhos do nosso coração; ensina-nos a ver tudo à luz da sua verdade e da sua compaixão para com todos os homens. A contemplação dirige também o seu olhar para os mistérios da vida de Cristo. E assim aprende «o conhecimento íntimo do Senhor» para mais O amar e seguir (13).

 

2716. A contemplação é escuta da Palavra de Deus. Longe de ser passiva, esta escuta é obediência da fé, acolhimento incondicional do servo e adesão amorosa do filho. Participa do «sim» do Filho que se fez Servo e do «faça-se» da sua humilde serva.

 

2717. A contemplação é silêncio, este «símbolo do mundo que há-de vir» (14) ou «linguagem calada do amor» (15). Na contemplação, as palavras não são discursos, mas acendalhas que alimentam o fogo do amor. É neste silêncio, insuportável para o homem «exterior», que o Pai nos diz o seu Verbo encarnado, sofredor, morto e ressuscitado e que o Espírito filial nos faz participar da oração de Jesus.

 

2718. A contemplação é união à oração de Cristo na medida em que nos faz participar no seu mistério. O mistério de Cristo é celebrado pela Igreja na Eucaristia e o Espírito Santo faz-nos viver dele na contemplação, para que seja manifestado pela caridade em acto.

 

2719. A contemplação é uma comunhão de amor, portadora de vida para a multidão, na medida em que é consentimento em permanecer na noite da fé. A noite pascal da ressurreição passa pela da agonia e do sepulcro. São estes três tempos fortes da «Hora» de Jesus, que o seu Espírito (e não a «carne», que é «fraca») nos faz viver na oração contemplativa. É preciso consentir em velar uma hora com Ele (16).

 

Resumindo:

 

2720. A Igreja convida os fiéis para uma oração regular: orações quotidianas, Liturgia das Horas, Eucaristia dominical, festas do ano litúrgico.

 

2721. A tradição cristã compreende três expressões principais da vida de oração: a oração vocal, a meditação e a contemplação. Têm em comum o recolhimento do coração.

 

2722. A oração vocal, fundada na união do corpo e do espírito na natureza humana, associa o corpo à oração interior do coração, a exemplo de Cristo que orava ao Pai e ensinava o «Pai-nosso» aos seus discípulos.

 

2723. A meditação é uma busca orante que põe em acção o pensamento, a imaginação, a emoção, o desejo. Tem por finalidade a apropriação crente do tema considerado, confrontado com a realidade da nossa vida.

 

2724. A contemplação é a expressão simples do mistério da oração. É um olhar de fé fixo em Jesus, uma escuta da Palavra de Deus, um amor silencioso. Realiza a união com a oração de Cristo, na medida em que nos faz participar no seu mistério.

 

ARTIGO 2

 

O COMBATE DA ORAÇÃO

 

2725. A oração é um dom da graça e uma resposta decidida da nossa parte. Pressupõe sempre um esforço. Os grandes orantes da Antiga Aliança antes de Cristo, bem como a Mãe de Deus e os santos com Ele no-lo ensinam: a oração é um combate. Contra quem? Contra nós mesmos e contra as astúcias do Tentador que tudo faz para desviar o homem da oração e da união com o seu Deus. Reza-se como se vive, porque se vive como se reza. Se não se quiser agir habitualmente segundo o Espírito de Cristo, também não se pode orar habitualmente em seu nome. O «combate espiritual» da vida nova do cristão é inseparável do combate da oração.

 

I. As objecções à oração

 

2726. No combate da oração, temos de enfrentar, em nós e à nossa volta, concepções erróneas da oração. Alguns vêem nela uma simples operação psicológica; outros, um esforço de concentração para chegar ao vazio mental; outros ainda, reduzem-na a atitudes e palavras rituais. No inconsciente de muitos cristãos, rezar é uma ocupação incompatível com tudo o que têm de fazer: não têm tempo. Os que procuram a Deus na oração desanimam depressa, porque não sabem que a oração também vem do Espírito Santo e não somente de si próprios.

 

2727. Temos de enfrentar também certas mentalidades «deste mundo» que nos invadem, se não estivermos atentos. Por exemplo: só é verdadeiro o que se pode verificar pela razão e pela ciência (mas orar é um mistério que ultrapassa a nossa consciência e o nosso inconsciente); os valores são a produção e o rendimento (mas a oração é improdutiva, logo inútil); o sensualismo e o conforto são os critérios do verdadeiro, do bem e do belo (mas a oração, «amor da beleza» – philocália – deixa-se encantar pela glória do Deus vivo e verdadeiro); em reacção ao activismo, temos a oração apresentada como fuga do mundo (mas a oração cristã não é uma saída da história nem um divórcio da vida).

 

2728. Finalmente, o nosso combate tem de enfrentar aquilo que sentimos como sendo os nossos fracassos na oração: desânimo na aridez, tristeza por não dar tudo ao Senhor, porque temos «muitos bens» decepção por não sermos atendidos segundo a nossa própria vontade, o nosso orgulho ferido que se endurece perante a nossa indignidade de pecadores, alergia à gratuitidade da oração, etc... A conclusão é sempre a mesma: de que serve orar? Para vencer tais obstáculos, é preciso combater com humildade, confiança e perseverança.

 

II. A humilde vigilância do coração

 

PERANTE AS DIFICULDADES DA ORAÇÃO

 

2729. A dificuldade habitual da nossa oração é a distracção. Pode ter por objecto as palavras e o seu sentido, na oração vocal; mais profundamente, pode incidir sobre Aquele a Quem rezamos, na oração vocal (litúrgica ou pessoal), na meditação e na contemplação. Partir à caça das distracções seria cair nas suas ciladas; basta regressar ao nosso coração: uma distracção revela-nos aquilo a que estamos apegados e esta humilde tomada de consciência diante do Senhor deve despertar o nosso amor preferencial por Ele, oferecendo-Lhe resolutamente o nosso coração para que Ele o purifique. É aí que se situa o combate: na escolha do Senhor a quem servir (18).

 

2730. Positivamente, o combate contra o nosso eu, possessivo e dominador, consiste na vigilância, a sobriedade do coração. Quando Jesus insiste na vigilância, esta refere-se sempre a Ele, à sua vinda, no último dia e em cada dia: «hoje». O Esposo chega a meio da noite. A luz que não se deve extinguir é a da fé: «Diz-me o coração: "Procura a sua face"» (Sl 27, 8).

 

2731. Outra dificuldade, especialmente para os que querem rezar com sinceridade, é a aridez. Faz parte da oração em que o coração está seco, sem gosto pelos pensamentos, lembranças e sentimentos, mesmo espirituais. É o momento da fé pura, que se aguenta fielmente ao lado de Jesus na agonia e no sepulcro. «Se o grão de trigo morrer, dará muito fruto» (Jo 12, 24). Se a aridez for devida à falta de raiz, por a Palavra ter caído em terreno pedregoso, o combate entra no campo da conversão (19).

 

PERANTE AS TENTAÇÕES NA ORAÇÃO

 

2732. A tentação mais comum e a mais oculta é a nossa falta de fé. Exprime-se menos por uma incredulidade declarada do que por uma preferência de facto. Quando começamos a orar, mil trabalhos e preocupações, julgados urgentes, apresentam-se-nos como prioritários. É mais uma vez o momento da verdade do coração e do seu amor preferencial. Umas vezes, voltamo-nos para o Senhor como nosso último recurso: mas será que acreditamos mesmo n'Ele? Outras vezes, tomamos o Senhor como aliado, mas conservamos o coração cheio de presunção. Em todos os casos, a nossa falta de fé revela que ainda não temos as disposições de um coração humilde: «Sem Mim, nada podereis fazer» (Jo 15, 5).

 

2733. Outra tentação, à qual a presunção abre a porta, é a acédia. Os Padres espirituais entendem por ela uma forma de depressão devida ao relaxamento da ascese, à diminuição da vigilância, à negligência do coração. «O espírito está decidido, mas a carne é fraca» (Mt 26, 41). Quanto de mais alto se cai, mais magoado se fica. O desânimo doloroso é o reverso da presunção. Quem é humilde não se admira da sua miséria; ela leva-o a ter mais confiança e a manter-se firme na constância.

 

III. A confiança filial

 

2734. A confiança filial é posta à prova – e prova-se a si mesma – na tribulação (20). A principal dificuldade diz respeito à oração de petição, na intercessão por si ou pelos outros. Alguns deixam mesmo de orar porque, segundo pensam, o seu pedido não é atendido. Aqui, duas questões se põem: Por que é que pensamos que o nosso pedido não é atendido? E como é que a nossa oração é atendida, e «eficaz»?

 

PORQUE NOS LAMENTARMOS POR NÃO SERMOS ATENDIDOS?

 

2735. Antes de mais, uma constatação deveria surpreender-nos. É que, quando louvamos a Deus ou Lhe damos graças pelos seus benefícios em geral, não nos importamos nada com saber se a nossa oração Lhe é agradável, ao passo que exigimos ver o resultado da nossa petição. Qual é, então, a imagem de Deus que motiva a nossa oração: um meio a utilizar ou o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo?

 

2736. Será que estamos convencidos de que «não sabemos o que pedir, para rezar como devemos» (Rm 8, 26)? Será que pedimos a Deus «os bens convenientes»? O nosso Pai sabe muito bem do que precisamos, antes que Lho peçamos (21), mas espera o nosso pedido, porque a dignidade dos seus filhos está na sua liberdade. Devemos, pois, orar com o seu Espírito de liberdade para podermos conhecer de verdade qual é o seu desejo (22).

 

2737. «Não tendes, porque não pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, pois o que pedis é para satisfazer as vossas paixões» (Tg 4, 2-3) (23). Se pedirmos com um coração dividido, «adúltero» (24), Deus não pode atender-nos, pois quer o nosso bem, a nossa vida. «Ou pensais que a Escritura diz em vão: "o Espírito que habita em nós ama-nos com ciúme"?» (Tg 4, 5). O nosso Deus é «ciumento» de nós e isso é sinal da verdade do seu amor. Entremos no desejo do seu Espírito e seremos atendidos:

 

«Não te aflijas, se não recebes logo de Deus o que Lhe pedes: é que Ele quer beneficiar-te ainda mais pela tua perseverança em permanecer com Ele na oração» (25).

 

Ele quer «que o nosso desejo se exercite na oração dilatando-nos, de modo a termos capacidade para receber o que Ele prepara para nos dar» (26).

 

COMO É QUE A NOSSA ORAÇÃO SERIA EFICAZ?

 

2738. A revelação da oração na economia da salvação ensina-nos que a fé se apoia na acção de Deus na história. A confiança filial é suscitada pela sua acção por excelência: a paixão e ressurreição do seu Filho. A oração cristã é cooperação com a sua providência, com o seu desígnio de amor para com os homens.

 

2739. Em São Paulo, esta confiança é audaciosa (27), apoiando-se na oração do Espírito em nós e no amor fiel do Pai que nos deu o seu Filho Único (28). A transformação do coração que ora é a primeira resposta ao nosso pedido.

 

2740. A oração de Jesus faz da oração cristã uma petição eficaz. Jesus é o modelo da oração cristã; Ele ora em nós e connosco. Uma vez que o coração do Filho não procura senão o que agrada ao Pai, como poderia o dos filhos adoptivos apegar-se mais aos dons que ao Doador?

 

2741. Jesus também ora por nós, em nosso lugar e em nosso favor. Todos os nossos pedidos foram reunidos, de uma vez por todas, no seu brado sobre a cruz e atendidos pelo Pai na sua ressurreição; e é por isso que Ele não cessa de interceder por nós junto do Pai (29). Se a nossa oração estiver resolutamente unida à de Jesus na confiança e na audácia filial, obteremos tudo o que pedirmos em seu nome e muito mais do que isto ou aquilo: o próprio Espírito Santo que inclui todos os dons.

 

IV. Perseverar no amor

 

2742. «Orai sem cessar» (1 Ts 5, 17), «dai sempre graças por tudo a Deus Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo» (Ef 5, 20), «servindo-vos de toda a espécie de orações e preces, orai em todo o tempo no Espírito Santo; e, para isso, vigiai com toda a perseverança e com preces por todos os santos» (Ef 6, 18). «Não nos foi mandado que trabalhemos, velemos e jejuemos constantemente, mas temos a lei de orar sem cessar» (30) Este fervor incansável só pode vir do amor. Contra a nossa lentidão e preguiça, o combate da oração é o do amor humilde, confiante e perseverante. Este amor abre os nossos corações a três evidências de fé, luminosas e vivificantes:

 

2743. Orar é sempre possível: O tempo do cristão é o de Cristo Ressuscitado, que está «connosco todos os dias» (Mt 28, 20), sejam quais forem as tempestades (31). O nosso tempo está na mão de Deus:

 

«É possível, mesmo no mercado ou durante um passeio solitário, fazer oração frequente e fervorosa; sentados na vossa loja, a tratar de compras e vendas, até mesmo a cozinhar» (32).

 

2744. Orar é uma necessidade vital. A demonstração do contrário não é menos convincente: se não nos deixarmos conduzir pelo Espírito Santo, recairemos na escravidão do pecado (33). Ora, como pode o Espírito Santo ser a «nossa vida» se o nosso coração estiver longe d'Ele?

 

«Nada iguala o valor da oração; ela torna possível o impossível, fácil o difícil. [...] É impossível [...] que o homem que ora caia no pecado» (34). «Quem reza salva-se, de certeza; quem não reza condena-se, de certeza»».

 

2745. Oração e vida cristã são inseparáveis, porque se trata do mesmo amor e da mesma renúncia que procede do amor; da mesma conformidade filial e amorosa com o desígnio de amor do Pai; da mesma união transformante no Espírito Santo que nos conforma sempre mais com Cristo Jesus; do mesmo amor para com todos os homens, desse amor com que Jesus nos amou. «Tudo o que pedirdes ao Pai em meu nome, Ele vo-lo concederá. O que vos mando é que vos ameis uns aos outros» (Jo 15, 16-17).

 

«Ora sem cessar, aquele que une a oração às obras e as obras à oração. Só assim é que podemos considerar como realizável o preceito de orar incessantemente» (36).

 

V. A oração da Hora de Jesus

 

2746. Ao chegar a sua «Hora», Jesus ora ao Pai (37). A sua oração, a mais longa que nos é transmitida pelo Evangelho, abraça toda a economia da criação e da salvação, bem como a sua morte e ressurreição. A oração da «Hora» de Jesus continua sempre sua, tal como a sua Páscoa, acontecida «uma vez por todas», continua presente na liturgia da sua Igreja.

 

2747. A tradição cristã chama-lhe, a justo título, a oração «sacerdotal» de Jesus. Ela é, de facto, a oração do nosso Sumo-Sacerdote, inseparável do seu sacrifício, da sua «passagem» (páscoa) deste mundo para o Pai, em que é inteiramente «consagrado» ao Pai (38).

 

2748. Nesta oração pascal, sacrificial, tudo está «recapitulado» n'Ele (39): Deus e o mundo, o Verbo e a carne, a vida eterna e o tempo, o amor que se entrega e o pecado que o atraiçoa, os discípulos presentes e os que n'Ele hão-de crer pela palavra deles, a humilhação e a glória. É a Oração da Unidade.

 

2749. Jesus cumpriu perfeitamente a obra do Pai e a sua oração, como o seu sacrifício estende-se até à consumação do tempo. A oração da «Hora» preenche os últimos tempos e leva-os à sua consumação. Jesus, o Filho a Quem o Pai tudo deu, entrega-Se todo ao Pai; e, ao mesmo tempo, exprime-Se com uma liberdade soberana (40), segundo o poder que o Pai Lhe deu sobre toda a carne. O Filho, que Se fez Servo, é o Senhor, o Pantocrátor. O nosso Sumo-Sacerdote que ora por nós é também Aquele que em nós ora e o Deus que nos atende.

 

2750. É entrando no santo nome do Senhor Jesus que podemos acolher, desde dentro, a oração que Ele nos ensina: «Pai nosso!». A sua oração sacerdotal inspira, a partir de dentro, as grandes petições do Pai-nosso: a preocupação com o nome do Pai  (41), a paixão pelo seu Reino (a glória) (42), o cumprimento da vontade do Pai, do seu desígnio de salvação (43) e a libertação do mal (44).

 

2751. Finalmente, é nesta oração que Jesus nos revela e nos dá o «conhecimento» indissociável do Pai e do Filho (45), que é o próprio mistério da vida de oração.

 

Resumindo:

 

2752. A oração pressupõe esforço e luta contra nós mesmos e contra as ciladas do Tentador. O combate da oração é inseparável do «combate espiritual» necessário para agir habitualmente segundo o Espírito de Cristo: ora-se como se vive, porque se vive como se ora.

 

2753. No combate da oração, devemos enfrentar concepções erróneas, diversas correntes de mentalidades e a experiência dos nossos fracassos. A estas tentações, que lançam a dúvida sobre a utilidade ou até mesmo a possibilidade da oração, convém responder com humildade, confiança e perseverança.

 

2754. As principais dificuldades no exercício da oração são a distracção e a aridez. O remédio está na fé, na conversão e na vigilância do coração.

 

2755. Duas tentações frequentes ameaçam a oração: a falta de fé e a acédia, que é uma espécie de depressão devida ao relaxamento da ascese e que leva ao desânimo.

 

2756. A confiança filial é posta à prova quando temos a sensação de nem sempre ser atendidos. O Evangelho convida-nos a interrogarmo-nos sobre a conformidade da nossa oração com o desejo do Espírito.

 

2757. «Orai sem cessar» (1 Ts 5, 17). Orar é sempre possível. É, até, uma necessidade vital. Oração e vida cristã são inseparáveis.

 

2758. A oração da «Hora» de Jesus, justamente chamada «oração sacerdotal» (46), recapitula toda a economia da criação e da salvação. É ela que inspira as grandes petições do «Pai-nosso».

 

1. São Gregório Nazianzo, Oratio 27 (theologica 1), 4: SC 250, 78 (PG 36, 16).

2. São João Crisóstomo, De Anna, sermo 2, 2: PG 54, 646.

3. Cf. Mt 11, 25-26.

4. Cf. Mc 14, 36.

5. Santa Teresa de Jesus, Camino de perfección, 25: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 3 (Burgos 1916) p. 122. [Cf. Santa Teresa de Jesus, Caminho de perfeição, 25: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 1994) p. 494].

6. Cf. Mc 4, 4-7. 15-19.

7. Santa Teresa de Jesus, Libro de la vida, 8: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 1 (Burgos 1915) p. 57. [Cf. Santa Teresa de Jesus, Livro da vida, 8: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 1994) p. 56].

8. Cf. Ct 3, 1-4.

9. Cf. Lc 7, 36-50; 19, 1-10.

10. Cf. Jr 31, 33.

11. Cf. Ef 3, 16-17.

12. Cf. F. Trochu, Le Curé d'Ars Saint Jean-Marie Vianney (Lyon-Paris 1927) p. 223-224.

13. Cf. Santo Inácio de Loyola, Exercitia spiritualia, 104: MHSI 100, 224.

14. Santo Isaac de Nínive, Tractatus mystici, 66: ed. A. J. Wensinck (Amsterdam 1923) p. 315; ed. P. Bedjan (Parisiis-Lipsiae 1909) p. 470.

15. São João da Cruz, Carta, 6: Biblioteca Mística carmelitana, v. 13 (Burgos 1931) p. 262.[Cf. São João da Cruz, Carta Sexta: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 1986) p. 967].

16. Cf. Mt 26, 40-41.

17. Cf. Mc 10, 22.

18. Cf. Mt 6, 21.24.

19. Cf. Lc 8, 6.13.

20. Cf. Rm 5, 3-5.

21. Cf. Mt 6, 8.

22. Cf. Rm 8, 27.

23. Cf. todo o contexto de Tg 1, 5-8; 4, 1-10; 5, 16.

24. Cf. Tg 4, 4.

25. Evágrio do Ponto, De Oratione, 34: PG 79, 1173.

26. Santo Agostinho, Epistula 130, 8, 17: CSEL 44, 59 (PL 33, 500).

27. Cf. Rm 10, 12-13.

28. Cf. Rm 8, 26-39.

29. Cf. Heb 5, 7; 7, 25; 9, 24.

30.  Evágrio do Ponto, Capita practica ad Anatolium, 49: SC 171, 610 (PG 40, 1245).

31. Cf. Lc 8, 24.

32. São João Crisóstomo, De Anna, sermo 4, 6: PG 54, 668.

33. Cf. Gl 5, 16-25.

34. São João Crisóstomo, De Anna, sermo 4, 5: PG 54, 666.

35. Santo Afonso de Ligório, Del gran mezzo della preghiera, parte I, c. 1: ed. G. Cacciatore (Roma 1962) p. 32.

36. Orígenes, De oratione, 12, 2: GCS 3, 324-325 (PG 11, 452).

37.  Cf. Jo 17.

38. Cf. Jo 17, 11.13.19.

39. Cf. Ef 1, 10.

40. Cf. Jo 17, 11.13.19.24.

41. Cf. Jo 17, 6.11.12.26.

42. Cf. Jo 17, 1.5.10.22.23-26.

43. Cf. Jo 17, 2.4.6.9.11.12.24.

44 Cf. Jo 17, 15. 4.

45. Cf. Jo 17, 3.6-10.25.

46. Cf. Jo 17.

Fonte: https://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p4s1cap3_2697-2758_po.html

 

A ORAÇÃO CRISTà

 

PRIMEIRA SECÇÃO

 

A ORAÇÃO NA VIDA CRISTÃ

 

2558. «Mistério admirável da nossa fé!». A Igreja professa-o no Símbolo dos Apóstolos (primeira parte) e celebra-o na liturgia sacramental (segunda parte), para que a vida dos fiéis seja configurada com Cristo no Espírito Santo para glória de Deus Pai (terceira parte). Este mistério exige, portanto, que os fiéis nele creiam, o celebrem e dele vivam, numa relação viva e pessoal com o Deus vivo e verdadeiro. Esta relação é a oração.

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O QUE É A ORAÇÃO?

 

«Para mim, a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado para o céu, é um grito de gratidão e de amor, tanto no meio da tribulação como no meio da alegria» (1).

 

A ORAÇÃO COMO DOM DE DEUS

 

2559. «A oração é a elevação da alma para Deus ou o pedido feito a Deus de bens convenientes» (2). De onde é que falamos, ao orar? Das alturas do nosso orgulho e da nossa vontade própria, ou das «profundezas» (Sl 130, 1) dum coração humilde e contrito? Aquele que se humilha é que é elevado (3). A humildade é o fundamento da oração. «Não sabemos o que havemos de pedir para rezarmos como deve ser» (Rm 8, 26). A humildade é a disposição necessária para receber gratuitamente o dom da oração: o homem é um mendigo de Deus (4).

 

2560. «Se conhecesses o dom de Deus!» (Jo 4, 10). A maravilha da oração revela-se precisamente, à beira dos poços aonde vamos buscar a nossa água: aí é que Cristo vem ao encontro de todo o ser humano; Ele antecipa-Se a procurar-nos e é Ele que nos pede de beber. Jesus tem sede, e o seu pedido brota das profundezas de Deus que nos deseja. A oração, saibamo-lo ou não, é o encontro da sede de Deus com a nossa. Deus tem sede de que nós tenhamos sede d'Ele (5).

 

2561. «Tu é que Lhe terias pedido e Ele te daria água viva» (Jo 4, 10). Paradoxalmente, a nossa oração de súplica é uma resposta. Resposta ao lamento do Deus vivo: «Abandonou-Me a Mim, nascente de águas vivas, e foi escavar cisternas fendidas» (Jr 2, 13); resposta de fé à promessa gratuita da salvação (6); resposta de amor à sede do Filho Único (7).

 

A ORAÇÃO COMO ALIANÇA

 

2562. De onde procede a oração do homem? Seja qual for a linguagem da oração (gestos e palavras), é o homem todo que ora. Mas para designar o lugar de onde brota a oração, as Escrituras falam às vezes da alma ou do espírito ou, com mais frequência, do coração (mais de mil vezes). É o coração que ora. Se ele estiver longe de Deus, a expressão da oração será vã.

 

2563. O coração é a morada onde estou, onde habito (e segundo a expressão semítica ou bíblica, aonde eu «desço»). É o nosso centro oculto, inapreensível, quer para a nossa razão quer para a dos outros: só o Espírito de Deus é que o pode sondar e conhecer. E o lugar da decisão, no mais profundo das nossas tendências psíquicas. É a sede da verdade, onde escolhemos a vida ou a morte. É o lugar do encontro, já que, à imagem de Deus, vivemos em relação: é o lugar da aliança.

 

2564. A oração cristã é uma relação de aliança entre Deus e o homem em Cristo. É acção de Deus e do homem; jorra do Espírito Santo e de nós, toda orientada para o Pai, em união com a vontade humana do Filho de Deus feito homem.

 

A ORAÇÃO COMO COMUNHÃO

 

2565. Na Nova Aliança, a oração é a relação viva dos filhos de Deus com o seu Pai infinitamente bom, com o seu Filho Jesus Cristo e com o Espírito Santo. A graça do Reino é «a união de toda a Santíssima Trindade com a totalidade do espírito» (8). Assim, a vida de oração consiste em estar habitualmente na presença do Deus três vezes santo e em comunhão com Ele. Esta comunhão de vida é sempre possível porque, pelo Baptismo, nos tornámos um só com Cristo (9). A oração é cristã na medida em que for comunhão com Cristo, dilatando-se na Igreja que é o seu corpo. As suas dimensões são as do amor de Cristo (10).

 

1. Santa Teresa do Menino Jesus, Manuscrit C, 25r: Manuscrits autobiographiques (Paris 1992) p. 389-390. [Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, Obras Completas (Paço de Arcos, Edições do Carmelo 1996) p. 276]

2. São João Damasceno, Expositio fidei, 68 [De fide orthodoxa 3, 24]: PTS 12, 167 (PG 94, 1089).

3.  Cf. Lc 18, 9-14.

4.  Cf. Santo Agostinho, Sermão 56, 6, 9: ed. P. Verbraken: Revue Bénédictine 68 (1958) 31 (PL 38, 381).

5. Cf. Santo Agostinho, De diversis quaestionibus octoginta tribus, 64, 4: CCL 44A, 140 (PL 40, 56).

6. Cf. Jo 7, 37-39; Is 12, 3; 51, 1.

7. Cf. Jo 19, 28; Zc 12, 10; 13, 1.

8. São Gregório Nazianzo, Oratio 16, 9: PG 35, 945.

9. Cf. Rm 6, 5.

10. Cf. Ef 3, 18-21.

 

 

CAPÍTULO SEGUNDO

 

A TRADIÇÃO DA ORAÇÃO

 

2650. A oração não se reduz ao brotar espontâneo dum impulso interior: para orar, é preciso querer. Tão-pouco basta saber o que a Escritura revela sobre a oração: é preciso também aprender a rezar. Ora, é através duma transmissão viva (a Tradição sagrada), que o Espírito Santo, na «Igreja crente e orante» (1), ensina os filhos de Deus a orar.

 

2651. A tradição da oração cristã é uma das formas de crescimento da Tradição da fé, particularmente pela contemplação e pelo estudo dos crentes, que guardam no seu coração os acontecimentos e as palavras da economia da salvação, e pela penetração profunda das realidades espirituais que eles experimentam (2).

 

ARTIGO 1

 

NAS FONTES DA ORAÇÃO

 

2652. O Espírito Santo é a «água viva» que, no coração orante, «jorra para a vida eterna» (3). É Ele quem nos ensina a recolhê-la na própria Fonte: Jesus Cristo. Ora, há na vida cristã mananciais onde Cristo nos espera para nos dar a beber o Espírito Santo.

 

A PALAVRA DE DEUS

 

2653. A Igreja «exorta com ardor e insistência todos os fiéis [...] a que aprendam "a sublime ciência de Jesus Cristo" (Fl 3, 8) pela leitura frequente das divinas Escrituras [...]. Lembrem-se, porém, de que a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada de oração, para que seja possível o diálogo entre Deus e o homem, porque "a Ele falamos, quando rezamos, a Ele ouvimos, quando lemos os divinos oráculos"» (4).

 

2654. Os Padres espirituais, parafraseando Mt 7, 7, resumem assim as disposições do coração, alimentado pela Palavra de Deus na oração: «Procurai na leitura e achareis na meditação; batei à porta na oração e ela abrir-se-vos-á na contemplação» (5).

 

A LITURGIA DA IGREJA

 

2655. A missão de Cristo e do Espírito Santo que, na liturgia sacramental da Igreja anuncia, actualiza e comunica o mistério da salvação, prossegue no coração de quem ora. Os Padres espirituais comparam, por vezes, o coração a um altar. A oração interioriza e assimila a liturgia, durante e depois da sua celebração. Mesmo quando vivida «no segredo» (Mt 6, 6), a oração é sempre oração da Igreja; é comunhão com a Santíssima Trindade (6).

 

AS VIRTUDES TEOLOGAIS

 

2656. Entra-se na oração como se entra na liturgia: pela porta estreita da fé. Através dos sinais da sua presença, é a face do Senhor que nós buscamos e desejamos, é a sua Palavra que nós queremos escutar e guardar.

 

2657. O Espírito Santo, que nos ensina a celebrar a liturgia na expectativa do regresso de Cristo, educa-nos para orar na esperança. E vice-versa, a oração da Igreja e a prece pessoal nutrem em nós a esperança. Particularmente os salmos, com a sua linguagem concreta e variada, ensinam-nos a fixar em Deus a nossa esperança: «Esperei no Senhor com toda a confiança, e Ele atendeu-me. Ouviu o meu clamor» (Sl 40, 2). «Que o Deus da esperança vos encha de toda a alegria e paz na fé, para que transbordeis de esperança pela força do Espírito Santo» (Rm 15, 13).

 

2658. «A esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 5). A oração, formada pela vida litúrgica, vai haurir tudo no amor com que fomos amados em Cristo e que nos dá a graça de Lhe corresponder, amando como Ele amou. O amor é a fonte da oração; quem bebe dessa fonte atinge os cumes da oração:

 

«Eu Vos amo, ó meu Deus, e o meu único desejo é amar-Vos até ao último suspiro da minha vida. Amo-Vos, ó meu Deus infinitamente amável, e antes quero morrer a amar-Vos do que viver sem Vos amar. Amo-Vos, Senhor, e a única graça que Vos peço é a de Vos amar eternamente [...] Meu Deus: Se a minha língua não pode dizer a todo o momento que Vos amo, quero que o meu coração o repita tantas vezes quantas eu respiro» (7).

 

«HOJE»

 

2659. Aprendemos a orar em certos momentos, escutando a Palavra do Senhor e participando no seu mistério pascal. Mas a cada momento, nos acontecimentos de cada dia, o seu Espírito é-nos oferecido para fazer brotar a oração. O ensinamento de Jesus sobre a oração ao nosso Pai está na mesma linha que o ensino sobre a providência (8): o tempo está nas mãos do Pai; é no presente que nós O encontramos; não ontem nem amanhã, mas hoje: – «Quem dera ouvísseis hoje a sua voz; não endureçais os vossos corações» (Sl 95, 7-8).

 

2660. Orar nos acontecimentos de cada dia e de cada instante é um dos segredos do Reino, revelados aos «pequeninos», aos servos de Cristo, aos pobres das bem-aventuranças. É justo e bom orar para que a vinda do Reino da justiça e da paz influencie a marcha da história; mas também é importante levedar pela oração a massa das humildes situações quotidianas. Todas as formas de oração podem ser esse fermento a que o Senhor compara o Reino (9).

 

Resumindo:

 

2661. É por meio duma transmissão viva, pela Tradição, que, na Igreja, o Espírito Santo ensina os filhos de Deus a orar.

 

2662. A Palavra de Deus, a liturgia da Igreja, as virtudes da fé, da esperança e da caridade são fontes da oração.

 

ARTIGO 2

 

O CAMINHO DA ORAÇÃO

 

2663. Na tradição viva da oração, cada Igreja propõe aos seus fiéis, segundo o contexto histórico, social e cultural, a linguagem da sua oração: palavras, melodias, gestos e iconografia. Compete ao Magistério(10) ajuizar sobre a fidelidade destes caminhos de oração à Tradição da fé apostólica. E aos pastores e catequistas incumbe a tarefa de explicar o seu sentido, sempre com referência a Jesus Cristo.

 

A ORAÇÃO AO PAI

 

2664. Não há outro caminho para a oração cristã senão Cristo. Seja comunitária ou pessoal, seja vocal ou interior, a nossa oração só tem acesso ao Pai se rezarmos «em nome» de Jesus. A santa humanidade de Jesus é, pois, o caminho pelo qual o Espírito Santo nos ensina a orar a Deus nosso Pai.

 

A ORAÇÃO A JESUS

 

2665. A oração da Igreja, alimentada pela Palavra de Deus e pela celebração da liturgia, ensina-nos a orar ao Senhor Jesus. Mesmo sendo dirigida sobretudo ao Pai, ela inclui, em todas as tradições litúrgicas, formas de oração dirigidas a Cristo. Certos salmos, segundo a sua actualização na oração da Igreja, e o Novo Testamento, colocam nos nossos lábios e gravam nos nossos corações as invocações desta oração a Cristo: Filho de Deus, Verbo de Deus, Senhor, Salvador, Cordeiro de Deus, Rei, Filho muito amado, Filho da Virgem, Bom Pastor, nossa Vida, nossa Luz, nossa Esperança, nossa Ressurreição, Amigo dos homens...

 

2666. Mas o nome que tudo encerra é o que o Filho de Deus recebe na sua encarnação: JESUS. O nome divino é indizível para lábios humanos mas, ao assumir a nossa humanidade, o Verbo de Deus comunica-no-lo e nós podemos invocá-lo: «Jesus», « YHWH salva» (12). O nome de Jesus contém tudo: Deus e o homem e toda a economia da criação e da salvação. Rezar «Jesus» é invocá-Lo, chamá-Lo a nós. O seu nome é o único que contém a presença que significa. Jesus é o Ressuscitado, e todo aquele que invocar o seu nome, acolhe o Filho de Deus que o amou e por ele Se entregou (13).

 

2667. Esta invocação de fé tão simples foi desenvolvida na tradição da oração sob as mais variadas formas, tanto no Oriente como no Ocidente. A formulação mais habitual, transmitida pelos espirituais do Sinai, da Síria e de Athos, é a invocação: «Jesus, Cristo, Filho de Deus, Senhor, tende piedade de nós, pecadores!». Ela conjuga o hino cristológico de Fl 2, 6-11 com a invocação do publicano e dos mendigos da luz (14). Por ela, o coração sintoniza com a miséria dos homens e com a misericórdia do seu Salvador.

 

2668. A invocação do santo Nome de Jesus é o caminho mais simples da oração contínua. Muitas vezes repetida por um coração humildemente atento, não se dispersa num «mar de palavras» (Mt 6, 7), mas «guarda a Palavra e produz fruto pela constância» (15). E é possível «em todo o tempo», porque não constitui uma ocupação a par de outra, mas é a ocupação única, a de amar a Deus, que anima e transfigura toda a acção em Cristo Jesus.

 

2669. A oração da Igreja venera e honra o Coração de Jesus, tal como invoca o seu santíssimo Nome. Adora o Verbo encarnado e o seu Coração que, por amor dos homens, Se deixou trespassar pelos nossos pecados. A oração cristã gosta de percorrer o caminho da cruz (Via-Sacra) no seguimento do Salvador. As estações, do Pretório ao Gólgota e ao túmulo, assinalam o caminho de Jesus que, pela sua santa cruz, remiu o mundo.

 

«VINDE, ESPÍRITO SANTO»

 

2670. «Ninguém pode dizer "Jesus é o Senhor", a não ser pela acção do Espírito Santo» (1 Cor 12, 3). Todas as vezes que começamos a orar a Jesus, é o Espírito Santo que, pela sua graça preveniente, nos atrai para o caminho da oração. Uma vez que Ele nos ensina a orar lembrando-nos Cristo, como orar-Lhe a Ele próprio? A Igreja convida-nos, pois, a implorar cada dia o Espírito Santo, especialmente no princípio e no fim de qualquer acto importante.

 

«Se o Espírito Santo não deve ser adorado, como é que Ele me diviniza pelo Baptismo? E se deve ser adorado, não há-de ser objecto dum culto particular?» (16).

 

2671. A forma tradicional de pedir o Espírito é invocar o Pai, por Cristo, nosso Senhor, para que nos dê o Espírito Consolador (17). Jesus insiste nesta petição em seu nome no próprio momento em que promete o dom do Espírito de verdade (18). Mas também é tradicional a oração mais simples e mais directa: «Vinde, Espírito Santo». Cada tradição litúrgica desenvolveu-a em antífonas e hinos:

 

«Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos Vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor» (19).

 

«Rei celeste, Espírito consolador, Espírito da verdade, presente em toda a parte e tudo enchendo, tesouro de todo o bem e fonte da vida, vem, habita em nós, purifica-nos e salva-nos, Tu que és Bom!» (20).

 

2672. O Espírito Santo, cuja unção impregna todo o nosso ser, é o mestre interior da oração cristã. É o artífice da tradição viva da oração. Há, é certo, tantos caminhos na oração como orantes; mas é o mesmo Espírito que age em todos e com todos. É na comunhão do Espírito Santo que a oração cristã é oração na Igreja.

 

EM COMUNHÃO COM A SANTA MÃE DE DEUS

 

2673. Na oração, o Espírito Santo une-nos à pessoa do Filho Único, na sua humanidade glorificada. É por ela e nela que a nossa oração filial comunga, na Igreja, com a Mãe de Jesus (21).

 

2674. Desde o consentimento prestado na fé à Anunciação e mantido sem hesitação ao pé da cruz, a maternidade de Maria estende-se aos irmãos e irmãs do seu Filho ainda peregrinos e que caminham entre perigos e angústias (22). Jesus, o único mediador, é o caminho da nossa oração; Maria, sua Mãe e nossa Mãe, é pura transparência dele: Ela «mostra o caminho» («Hodêghêtria»), é «o sinal» do caminho, segundo a iconografia tradicional no Oriente e no Ocidente.

 

2675. Foi a partir desta singular cooperação de Maria com a acção do Espírito Santo que as Igrejas cultivaram a oração à santa Mãe de Deus, centrando-a na pessoa de Cristo manifestada nos seus mistérios. Nos inúmeros hinos e antífonas em que esta oração se exprime, alternam habitualmente dois movimentos: um «magnifica» o Senhor pelas «maravilhas» que fez pela sua humilde serva e, através d'Ela, por todos os seres humanos (23); o outro confia à Mãe de Jesus as súplicas e louvores dos filhos de Deus, pois Ela agora conhece a humanidade que n'Ela foi desposada pelo Filho de Deus.

 

2676. Este duplo movimento de oração a Maria encontrou uma expressão privilegiada na oração da «Ave-Maria»:

 

«Ave, Maria (alegrai-vos, Maria)». A saudação do anjo Gabriel abre esta oração. É o próprio Deus que, por intermédio do seu anjo, saúda Maria. A nossa oração ousa retomar a saudação a Maria com o olhar que Deus pôs na sua humilde serva (24), alegrando-nos com a alegria que Ele n'Ela encontra (25).

 

«Cheia de graça, o Senhor é convosco». As duas palavras da saudação do anjo esclarecem-se mutuamente. Maria é cheia de graça, porque o Senhor está com Ela. A graça de que Ela é cumulada é a presença d'Aquele que é a fonte de toda a graça. «Solta brados de alegria [...] filha de Jerusalém [...]; o Senhor teu Deus está no meio de ti» (Sf 3, 14. 17a). Maria, em quem o próprio Senhor vem habitar, é em pessoa a filha de Sião, a arca da aliança, o lugar onde reside a glória do Senhor: é «a morada de Deus com os homens» (Ap 21, 3). «Cheia de graça», Ela dá-se toda Aquele que n'Ela vem habitar e que Ela vai dar ao mundo.

 

«Bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus». Depois da saudação do anjo, fazemos nossa a de Isabel. «Cheia [...] do Espírito Santo» (Lc 1, 41), Isabel é a primeira, na longa sequência das gerações, a declarar Maria bem-aventurada (26): «Feliz d'Aquela que acreditou...» (Lc 1, 45); Maria é «bendita entre as mulheres», porque acreditou no cumprimento da Palavra do Senhor. Abraão, pela sua fé, tornou-se uma bênção «para todas as nações da terra» (Gn 12, 3). Pela sua fé, Maria tornou-se a mãe dos crentes, graças a quem todas as nações da terra recebem Aquele que é a própria bênção de Deus: Jesus, «fruto bendito do vosso ventre».

 

2677. «Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós...». Com Isabel, também nós ficamos maravilhados: «E de onde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?» (Lc 1, 43). Porque nos dá Jesus, seu Filho, Maria é Mãe de Deus e nossa Mãe; podemos confiar-lhe todas as nossas preocupações e pedidos: Ela ora por nós como orou por si própria: «Faça-se em Mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). Confiando-nos à sua oração, abandonamo-nos com Ela à vontade de Deus: «Seja feita a vossa vontade».

 

«Rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte». Pedindo a Maria que rogue por nós, reconhecemo-nos pobres pecadores e recorremos à «Mãe de misericórdia», à «Santíssima». Confiamo-nos a Ela «agora», no hoje das nossas vidas. E a nossa confiança alarga-se para lhe confiar, desde agora, «a hora da nossa morte». Que Ela esteja então presente como na morte do seu Filho na cruz e que, na hora do nosso passamento, Ela nos acolha como nossa Mãe (27), para nos levar ao seu Filho Jesus, no Paraíso.

 

2678. A piedade medieval do Ocidente propagou a oração do rosário como substituto popular da Liturgia das Horas. No Oriente, a forma litânica do akáthistos e da paráclêsis ficou mais próxima do ofício coral nas Igrejas bizantinas, ao passo que as tradições arménia, copta e siríaca preferiram os hinos e cânticos populares à Mãe de Deus. Mas, na Ave-Maria, nas theotokía, nos hinos de Santo Efrém ou de São Gregório de Narek, a tradição da oração é fundamentalmente a mesma.

 

2679. Maria é a orante perfeita, figura da Igreja. Quando Lhe oramos, aderimos com Ela ao desígnio do Pai, que envia o seu Filho para salvar todos os homens. Como o discípulo amado, nós acolhemos em nossa casa (28) a Mãe de Jesus que se tornou Mãe de todos os viventes. Podemos orar com Ela e orar-Lhe a Ela. A oração da Igreja é como que sustentada pela oração de Maria. Está-lhe unida na esperança (29).

 

Resumindo:

 

2680. A oração é principalmente dirigida ao Pai. Igualmente se dirige a Jesus, nomeadamente pela invocação do seu santo Nome: «Jesus Cristo, Filho de Deus, Senhor, tende piedade de nós, pecadores!».

 

2681. «Ninguém pode dizer: "Jesus é o Senhor", a não ser pela acção do Espírito Santo» (1 Cor 12, 3). A Igreja convida-nos a invocar o Espírito Santo como mestre interior da oração cristã.

 

2682. Em virtude da sua singular cooperação com a acção do Espírito Santo, a Igreja gosta de orar em comunhão com a Virgem Maria, para enaltecer com Ela as grandes coisas que Deus n'Ela realizou e para Lhe confiar súplicas e louvores.

 

ARTIGO 3

 

GUIAS PARA A ORAÇÃO

 

UMA NUVEM DE TESTEMUNHAS

 

2683. As testemunhas que nos precederam no Reino (30), especialmente aquelas que a Igreja reconhece como «santos», participam na tradição viva da oração pelo exemplo da sua vida, pela transmissão dos seus escritos e pela sua oração actual. Elas contemplam a Deus, louvam-n' O e não cessam de tomar a seu cuidado os que deixaram na terra. Tendo entrado «na alegria» do seu Senhor, foram «estabelecidas à frente de muita coisa» (31). A sua intercessão é o mais alto serviço que prestam ao desígnio de Deus. Podemos e devemos pedir-lhes que intercedam por nós e por todo o mundo.

 

2684. Na comunhão dos santos desenvolveram-se, ao longo da história das Igrejas diversas espiritualidades. O carisma pessoal duma testemunha do amor de Deus pelos homens pode ter sido transmitido, como o espírito de Elias o foi a Eliseu (32) e a João Baptista (33), para que haja discípulos que partilhem desse espírito (34). Uma espiritualidade está também na confluência doutras correntes, litúrgicas e teológicas, e testemunha a inculturação da fé num determinado meio humano e na respectiva história. As espiritualidades cristãs participam na tradição viva da oração e são guias indispensáveis para os fiéis. Reflectem, na sua rica diversidade, a pura e única luz do Espírito Santo.

 

«O Espírito é verdadeiramente o lugar dos santos. E o santo é, para o Espírito, um lugar próprio, pois se oferece para habitar com Deus e é chamado seu templo»(35).

 

SERVOS DA ORAÇÃO

 

2685. A família cristã é o primeiro lugar da educação para a oração. Fundada no sacramento do Matrimónio, é «a igreja doméstica» na qual os filhos de Deus aprendem a orar «em igreja» e a perseverar na oração. Particularmente para os filhos pequenos, a oração familiar quotidiana é o primeiro testemunho da memória viva da Igreja pacientemente despertada pelo Espírito Santo.

 

2686. Os ministros ordenados são também responsáveis pela formação na oração dos seus irmãos e irmãs em Cristo. Servos do Bom Pastor, são ordenados para guiar o povo de Deus até às fontes vivas da oração: a Palavra de Deus, a Liturgia, a vida teologal, o «hoje» de Deus nas situações concretas (36).

 

2687. Muitos religiosos têm consagrado toda a sua vida à oração. Depois dos anacoretas do deserto do Egipto, eremitas, monges e monjas têm dedicado o seu tempo ao louvor de Deus e à intercessão pelo seu povo. A vida consagrada não se mantém nem se propaga sem a oração; é uma das fontes vivas da contemplação e da vida espiritual na Igreja.

 

2688. A catequese das crianças, dos jovens e dos adultos visa a que a Palavra de Deus seja meditada na oração pessoal, actualizada na oração litúrgica e interiorizada em todo o tempo, para que dê fruto numa vida nova. A catequese é também o momento em que se pode purificar e educar a piedade popular (37). A memorização das orações fundamentais oferece um suporte indispensável à vida de oração, mas é importante que se faça saborear o seu sentido (38).

 

2689. Grupos de oração e até «escolas de oração» são hoje um dos sinais e um dos estímulos da renovação da oração na Igreja, na condição de irem beber às fontes autênticas da oração cristã. A preocupação com a comunhão é sinal da verdadeira oração na Igreja.

 

2690. O Espírito Santo concede a certos fiéis dons de sabedoria, de fé e de discernimento, em vista deste bem comum que é a oração (direcção espiritual). Aqueles e aquelas que de tais dons são dotados, são verdadeiros ministros da tradição viva da oração:

 

É por isso que a alma que quer progredir na perfeição deve, segundo o conselho de São João da Cruz, «olhar em que mãos se põe, porque, qual o mestre, tal será o discípulo, e tal pai, tal filho». E ainda: o guia, «além de sábio e discreto, é mister que seja experimentado» [...]. Se o guia espiritual «não tem experiência do que é puro e verdadeiro espírito, não atinará a encaminhar nele, quando Deus lho dá, nem ainda o poderia entender» (39).

 

LUGARES FAVORÁVEIS À ORAÇÃO

 

2691. A igreja, casa de Deus, é o lugar próprio da oração litúrgica para a comunidade paroquial. É também o lugar privilegiado para a adoração da presença real de Cristo no Santíssimo Sacramento. A escolha dum lugar favorável não é indiferente para a verdade da oração:

 

– para a oração pessoal, pode servir um «recanto de oração», com a Sagrada Escritura e ícones (imagens) para aí se estar «no segredo» diante do Pai (40). Numa família cristã, este género de pequeno oratório favorece a oração em comum;

 

– nas regiões onde existem mosteiros, tais comunidades estão vocacionadas para favorecer a participação dos fiéis na Liturgia das Horas e permitir a solidão necessária para uma oração pessoal mais intensa (41);

 

– as peregrinações evocam a nossa marcha na terra para o céu. São tradicionalmente tempos fortes duma oração renovada. Os santuários são, para os peregrinos à procura das suas fontes vivas, lugares excepcionais para viver «em Igreja» as formas da oração cristã.

 

Resumindo:

 

2692. Na sua oração, a Igreja peregrina associa-se à dos santos, cuja intercessão solicita.

 

2693. As diferentes espiritualidades cristãs participam na tradição viva da oração e são guias preciosos da vida espiritual.

 

2694. A família cristã é o primeiro lugar da educação para a oração.

 

2695. Os ministros ordenados, a vida consagrada, a catequese, os grupos de oração, a «direcção espiritual» prestam, na Igreja, ajuda d oração.

 

2696. Os lugares mais favoráveis para a oração são: o oratório pessoal ou familiar, os mosteiros, os santuários de peregrinação e, sobretudo, a igreja, que é o lugar próprio da oração litúrgica para a comunidade paroquial e o lugar privilegiado da adoração eucarística.

 

1. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821.

2. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 8: AAS 58 (1966) 821. '

3. Cf. Jo 4, 14.

4. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum,25: AAS 58 (1966) 829; cf. Santo Ambrósio, De officiis ministrorum, 1, 88: ed. N. Testard (Paris 1984) p. 138 (PL 16, 50).

5. Guigo, O Cartuxo, Scala claustralium, 2, 2: PL 184, 476. Entretanto, estas palavras não foram retidas no texto da edição crítica SC 163, 84; veja-se aí o aparato crítico.

6. Instrução geral da Liturgia das Horas, 9: Liturgia Horarum, editio typica, v. 1 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 25 [Liturgia das Horas, v. 1 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 27].

7. São João Maria Baptista Vianney, Oração, In B. Nodet, Le Cure d'Ars. Sa pensée-son coeur (Le Puy 1966) p. 45.

8. Cf. Mt 6, 11.34.

9. Cf. Lc 13, 20-21.

10. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Dei Verbum, 10: AAS 58 (1966) 822.

11. Cf. Ex 3, 14; 33, 19-23.

12. Cf. Mt 1, 21. '

13. Cf. Rm 10, 13; Act 2, 21; 3, 15-16; Gl 2, 20.

14. Cf. Lc 18, 13; Mc 10, 46-52.

15. Cf. Lc 8, 15.

16. São Gregório de Nazianzo, Oratio 31 (theologica 5), 28: SC 250, 332 (PG 36, 165).

17. Cf. Lc 11, 13.

18. Cf. Jo 14, 17; 15, 26; 16, 13.

19. Solenidade de Pentecostes, Antífona do «Magnificat» nas I Vésperas: Liturgia Horarum, editio typica, v. 2 (Typis Polyglottis Vaticanis 1973) p. 798 [Liturgia das Horas, v. 2 (Gráfica de Coimbra 1983) p. 930]; cf. Solenidade de Pentecostes, Sequência na Missa do dia: Lectionarium, v. 1, editio typica (Typis Polyglottis Vaticanis 1970) p. 855-856 [Leccionário Dominical. Ano A (Coimbra, Gráfica de Coimbra - Conferência Episcopal Portuguesa, 1993) p. 238].

20. Ofício das Horas Bizantino, Vésperas do dia de Pentecostes, Sticherum 4: Pentêkostárion (Rome 1884) p. 394.

21. Cf. Act 1, 14.

22. Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 62: AAS 57 (1965) 63.

23. Cf. Lc 1, 46-55.

24. Cf. Lc 1, 48. s

25. Cf. Sf 3, 17.

26. Cf. Lc 1, 48.

27. Cf. Jo 19, 27.

28. Cf. Jo 19, 27.

29.  Cf. II Concílio do Vaticano, Const. dogm. Lumen Gentium, 68-69: AAS 57 (1965) 66-67.

30. Cf. Heb 12, 1.

31. Cf. Mt 25, 21.

32. Cf. 2 Rs 2, 9.

33. Cf. Lc 1, 17.

34. Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Perfectae caritatis, 2: AAS 58 (1966) 703.

35. São Basílio Magno, De Spiritu Sancto, 26, 62: SC 17bis, 472 (PG 32, 184).

36. Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Presbyterorum ordinis, 4-6: AAS 58 (1966) 995-1001.

37. Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae, 54: AAS 71 (1979) 1321-1322.

38. Cf. João Paulo II, Ex. Ap. Catechesi tradendae, 55: AAS 71 (1979) 1322-1323.

39. São João da Cruz, Llama de amor viva, redactio segunda, stropha 3, declaratio 30: Biblioteca Mística Carmelitana, v. 13 (Burgos 1931) p. 171. [São João da Cruz, Chama viva de amor, III 30: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições do Carmelo 1986) p. 909].

40. Cf. Mt 6, 6.

41. Cf. II Concílio do Vaticano, Decr. Perfectae caritatis, 7: AAS 58 (1966) 705.

 

Fonte: https://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p4-intr_2558-2565_po.html