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Meditações sobre a Paixão de Jesus Cristo

 

> A Paixão de Jesus Cristo é a nossa consolação
> Quão grande é a obrigação que temos de amar Jesus Cristo
> Jesus, o homem das dores
> Jesus tratado como último dos homens
> Vida desolada de Jesus Cristo
> Ignomínias que Jesus sofreu na sua paixão
> Jesus na cruz
> Jesus morto na cruz

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A Paixão de Jesus Cristo é a nossa consolação

 

Quem poderá consolar-nos mais neste vale de lágrimas do que Jesus crucificado? Nos remorsos de consciência que nos causa a recordação de nossos pecados, o que é que pode unicamente acalmar as aflições que então experimentamos senão o saber que Jesus Cristo quis entregar-se a si mesmo à morte para pagar as nossas culpas?

“Entregou-se a si mesmo por nossos pecados” (Gl 1,4).

 

Em todas as perseguições, calúnias, desprezos, privações de bens e de honras que sofremos nesta vida, quem é que melhor nos pode fortalecer para sofrermos com paciência e resignação, senão Jesus Cristo desprezado, caluniado e pobre, que morre nu e abandonado de todos em uma cruz? Nas enfermidades, que coisa há que mais nos console do que a vista de Jesus crucificado? Quando nos achamos doentes, repousamos num leito bem cômodo; mas Jesus, quando na cruz, onde devia morrer, teve por leito um tosco de madeiro, no qual esteve suspenso por três cravos, e por travesseiro, para apoiar a cabeça ferida, aquela coroa de espinhos que não cessou de o atormentar até à morte.

 

Quando estamos enfermos, temos ao redor do leito parentes e amigos que se compadecem de nós e nos procuram distrair; Jesus morre no meio de inimigos que, mesmo na ocasião em que ele agonizava e estava a expirar, o injuriavam e escarneciam, dando-o como um malfeitor e sedutor. Nada há, certamente, como a vista de Jesus crucificado para aliviar um enfermo nos seus sofrimentos, especialmente quando ele se vê abandonado pelos outros na sua doença. Unir então as suas penas com as de Jesus Cristo é o maior alívio que pode experimentar um pobre enfermo.

 

Nas angústias ainda maiores da morte, ocasionadas pelos assaltos do inferno, à vista dos pecados cometidos e das contas que em breve deverão ser dadas no tribunal divino, a única consolação que poderá ter um moribundo, que já está combatendo com a morte, é abraçar-se com o crucifixo e dizer: Meu Jesus e meu Redentor, vós sois o meu amor e a minha esperança.

 

Em suma, tudo o que temos de graças, de luzes, de inspirações, de santos desejos, de afetos devotos, de contrição dos pecados, de bons propósitos, de amor de Deus e de esperança do céu, tudo é fruto e dom que nos provém da Paixão de Jesus Cristo.

 

Ah, meu Jesus, que esperança poderia ter eu, que tantas vezes vos voltei as costas e mereci o inferno, de entrar na companhia de tantas virgens inocentes, de tantos mártires, de tantos apóstolos e dos serafins do céu, para contemplar a vossa bela face na pátria feliz, se vós não tivésseis morrido por mim, divino Salvador? A vossa paixão, pois, é que, não obstante os meus pecados, me dá a esperança de entrar um dia na companhia dos santos e de vossa Mãe bendita, para cantar as vossas misericórdias e agradecer-vos e amar-vos para sempre no paraíso. Assim eu o espero, ó meu Jesus. “Eu cantarei por todo o sempre as misericórdias do Senhor”. Maria, Mãe de Deus, rogai a Jesus por mim.

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Quão grande é a obrigação que temos de amar Jesus Cristo

 

 “Não te esqueças nunca da graça que te fez o que ficou por teu fiador, porque ele expôs a sua alma por ti” (Eclo 29,20).

 

Comumente entendem os intérpretes por tal fiador a Jesus Cristo, que, vendo-nos incapazes de satisfazer a justiça divina por nossos pecados, se ofereceu voluntariamente a pagar por nós, e de fato pagou as nossas dívidas com seu sangue e com sua morte.

 

Não era suficiente o sacrifício das vidas de todos os homens para compensar as injúrias feitas por nós à divina Majestade; era necessário que a ofensa feita a um Deus fosse satisfeita só mesmo por um Deus, o que realizou Jesus Cristo: “Em tanto Jesus foi feito fiador de melhor aliança” (Hb 7,22).

 

Nosso Salvador, pagando pelo homem como fiador com seu sangue, obtém-lhe por seus merecimentos a graça de contrair um novo pacto com Deus, de lhe ser concedida a graça e a vida eterna se ele observar a lei divina. E este acordo Jesus como ratifica na instituição da Eucaristia, dizendo: “Este cálice é o Novo Testamento no meu sangue” (1Cor 11,25).

 

Com isso ele queria significar que aquele cálice com seu sangue era o instrumento ou a escritura de segurança pela qual se firmava um novo pacto entre Deus e Jesus Cristo, por meio do qual se concedia a graça e a vida eterna a todos os homens que lhe permanecem fiéis.


E assim o Redentor, pelo amor que nos tinha, satisfez rigorosamente por nós a justiça divina, sofrendo as penas que nos eram devidas: “Em verdade ele carregou com os nossos langores e tomou sobre si as nossas dores” (Is 53,4).

 

E isso tudo foi feito de seu amor: “Ele nos amou e se entregou a si mesmo por nós” (Ef 5,2).

 

São Bernardo diz que Jesus Cristo, para nos remir, não se poupou a si mesmo. Ó judeus infelizes, como podeis estar à espera do Messias prometido pelos profetas? Ele já veio e vós o matastes, mas, não obstante esse vosso crime, o divino Redentor está pronto a perdoar-vos, já que ele veio para salvar os que se haviam perdido: “Veio para salvar o que se havia perdido” (Mt 18,11).

 

São Paulo escreve que Jesus Cristo, para livrar-nos da maldição merecida por nossas culpas, sobrecarregou-se com todas as maldições a nós devidas e por isso quis morrer a morte dos amaldiçoados, que era a morte da cruz: “Cristo nos remiu da maldição da lei, fazendo-se por nós maldição, porque está escrito: maldito todo aquele que se for suspenso no lenho" (Gl 3,13).

 

Que honra não seria para um pobre camponês se, tendo sido aprisionado pelos corsários, seu próprio rei o resgatasse com perda do reino! Muito maior, porém, é a nossa grandeza por termos sido remidos por Jesus Cristo com a efusão de seu próprio sangue, do qual uma só gota vale mais que mil mundos!

 

“Não fostes remidos por coisas perecíveis como o ouro ou a prata, mas pelo precioso sangue de Cristo, como o do Cordeiro imaculado” (1Pd 1,18 e 19).

 

Sendo assim, São Paulo nos adverte que cometemos uma injustiça contra nosso Salvador, quando dispomos de nós segundo a vossa vontade e não conforme a dele e quando nos reservamos qualquer coisa e, ainda pior, quando nos tomamos alguma liberdade com detrimento de Deus, visto que não nos pertencemos mais a nós mesmos, mas somos de Jesus Cristo, que nos adquiriu por um grande preço:“Acaso não sabeis… que não sois de vós mesmos? Pois fostes comprados por alto preço” (1Cor 6,19 e 20).

 

Ah, meu Redentor, se eu derramasse todo o meu sangue, se desse mil vidas por vosso amor, que compensação seria ao amor que me demonstrastes, derramando o vosso sangue e dando a vossa vida por mim? Dai-me a graça, ó meu Jesus, de ser todo vosso no resto de minha vida e não amar nada fora de vós. Ó Maria, recomendai- me a vosso Filho.

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Jesus, o homem das dores

 

“Varão das dores e experimentado nas enfermidades” (Is 53,3).

 

Assim o profeta Isaías descreve nosso Redentor. Salviano, considerando os padecimentos de Jesus Cristo, escreve: “Ó amor, não sei como hei de chamar-te, se doce, se cruel, pois pareces ser ambas as coisas”.

 

Ó amor de meu Jesus, não sei como hei de apelar-te: mui doce vos mostrastes para conosco, ó Jesus, amando-nos tanto depois de tantas ingratidões, e mui cruel para convosco mesmo, sobrecarregando-vos com uma vida cheia de dores e uma morte amarga para pagar os nossos pecados. Santo Tomás escreve que Jesus para salvar-nos do inferno se submeteu à dor em grau máximo, ao vitupério em grau supremo. Bastaria que ele sofresse qualquer dor para satisfazer por nós a justiça divina; quis, porém, sofrer as injúrias mais vis e as dores mais agudas para nos fazer compreender a malícia de nossas culpas e o amor que nutria por nós em seu coração.

 

Dor em sumo grau: para assim poder sofrer, foi-lhe dado um corpo especial (Hb 10,5). Deus fez o corpo de Jesus Cristo propositalmente para o sofrimento e por isso criou-lhe uma carne sumamente sensível e delicada; sensível, porque sentia mais vivamente as dores; e delicada, porque era tão tenra, que qualquer golpe lhe causava um ferimento: em suma, era seu corpo sacrossanto um corpo feito de propósito para padecer. Todas as dores que sofreu Jesus Cristo até expirar estavam-lhe presentes desde o primeiro instante de sua encarnação: ele as viu todas e de boa vontade de Deus que o queria sacrificado por nossa salvação.

 

“Então ele disse: Eis que eu venho, ó Deus, para fazer a vossa vontade” (Hb 10,9).

 

Eis-me aqui, ó meu Deus, eu me ofereço para tudo. E foi essa oferta que nos obteve a divina graça, segundo o Apóstolo:

“Por essa vontade é que temos sido santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez” (Hb 10,16).

 

O que, porém, vos levou a sacrificar, ó meu Salvador, a vossa vida no meio de tantas dores por nossa salvação? São Paulo responde: a isso o induziu o afeto que nos tinha: “ele nos amou e se entregou a si mesmo por nós” (Ef 5,2).

 

Entregou-se: o amor o induz a entregar seu corpo aos flagelos, sua cabeça aos espinhos, sua face aos escarros e bofetadas, suas mãos e pés aos cravos e sua vida à morte. Quem quiser ver um homem de dores, contemple Jesus Cristo na cruz. Ei-lo aí, suspenso por esses três cravos, estando seu corpo com todo o peso pendente das chagas das mãos e dos pés atravessados; cada membro seu sofre sua dor própria e sem alívio. As três horas que Jesus passou na cruz são chamadas com razão as três horas de agonia do Salvador; pois, durante essas três horas, ele sofreu uma agonia contínua e uma dor que lhe arrancava aos poucos a vida, chegando finalmente a morrer de pura dor.

 

Que alma poderá ver-vos morto na cruz por ela, ó meu Jesus, e viver sem vos amar? E como pude eu viver tantos anos esquecido de vós, causando tantos desgostos a um Deus que tanto me amou? Oh! tivesse eu antes morrido e nunca vos tivesse ofendido! Ó amor de minha alma, ó meu Redentor, pudesse eu morrer por vós que morrestes por mim! Eu vos amo, ó meu Jesus, e não quero amar a mais ninguém senão a vós.

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Jesus tratado como último dos homens

 

 “Nós o vimos… desprezado e como o último dos homens, como o homem das dores” (Is 53,2).

 

Foi uma vez vista na terra este grande portento: o Filho de Deus, o rei do céu, o senhor do universo, desprezado como o mais vil de todos os homens. Diz Santo Anselmo que Jesus Cristo na terra quis ser tão desprezado e humilhado que os desprezos e as humilhações que ele recebeu não podiam ser maiores. Ele foi tratado como desprezível: “Não é este o filho do carpinteiro?” (Mt 13,55); foi postergado por sua origem: “De Nazaré pode vir alguma coisa boa?” (Jo 1,46); foi tido por louco: “Tem demônio e perdeu o juízo; por que o estais ouvindo?” (Jo 10,20); foi considerado como um glutão e amigo do vinho: “Eis um homem comilão e que bebe vinho” (Lc 7,34); foi julgado feiticeiro: “É em nome do príncipe dos demônios que ele expele os demônios” (Mt 9,34); passou por herético: “Não dissemos com toda a razão que és um samaritano?” (Jo 8,48).

 

E na sua paixão foram-lhe feitos os maiores impropérios. Nessa ocasião foi tratado como blasfemo. Quando ele declarou que era o Filho de Deus, disse Caifás aos outros sacerdotes:“Eis, ouvistes agora mesmo a blasfêmia; que vos parece? e eles em resposta disseram: é réu de morte” (Mt 25,67).

 

Em seguida começaram a cuspir-lhe no rosto e outros o feriam com socos e bofetadas (Mt 26,67). Cumpriu- se então a profecia de Isaías:“Eu entreguei meu corpo aos que me feriam e as minhas faces aos que me arrancavam os cabelos da barba; não virei a face aos que me afrontavam e cuspiam em mim” (Is 50,6).

 

Foi tratado como profeta falso: “Adivinha, ó Cristo, quem me bateu” (Mt 26,68).

 

No meio de tantas ignomínias que nosso Salvador sofreu naquela noite, aumentou-lhe o sofrimento a injúria que lhe fez Pedro, seu discípulo, renegando-o três vezes e jurando nunca o ter conhecido.

 

Vamos, almas devotas, procurar o Senhor naquele cárcere onde está abandonado por todos e em companhia de seus inimigos, que porfiam em maltratá-lo. Agradeçamos-lhe tudo o que sofre por nós com tanta paciência e consolemo-lo com o arrependimento das injúrias que lhe fizemos, visto que também nós pelo passado os desprezamos e, pecando, protestamos não o conhecer.

 

Ah, meu amável Redentor, desejava morrer de dor ao pensar que tanto amargurei o vosso coração, que tanto me amou. Esquecei-vos de tantos desgostos que vos dei, e dirigi-me um olhar amoroso, como fizestes com Pedro, depois de vos haver negado, o que o fez chorar toda a sua vida o pecado cometido.

 

Ó grande Filho de Deus, ó amor infinito, que padeceis por esses mesmos homens que vos odeiam e maltratam, vós que sois adorado pelos anjos, que sois uma majestade infinita, faríeis uma grande honra aos homens, permitindo-lhes que vos beijassem os pés, como então consentistes em vos tornar naquela noite o escárnio daquela canalha? Meu Jesus desprezado, fazei que eu seja também desprezado por vosso amor. Como poderei recusar os desprezos, vendo que vós, meu Deus, os suportastes por meu amor? Ah, meu Jesus crucificado, fazei-vos conhecer e fazei-vos amar.

 

Causa tristeza ver o desprezo que os homens mostram para com a paixão de Jesus Cristo! Mesmo entre os cristãos, quantos são os que pensam nas dores e ignomínias que esse divino Redentor suportou por nós? Somente nos últimos dias da semana santa, quando a Igreja com o plangente canto dos salmos, com a denudação dos altares, com as trevas e o silêncio dos sinos nos recorda a morte de Jesus Cristo, somente então, digo, nos lembramos da passagem de sua paixão e depois no resto do ano não pensamos mais nisso, como se a paixão de Jesus fosse uma fábula ou como se tivesse morrido por outros e não por nós.

 

Ó Deus, quão grande será a pena dos condenados no inferno, vendo quanto padeceu um Deus para salvá-los e eles preferiram perder-se! Ó meu Jesus, não permitais que eu seja do número desses infelizes! Não o serei, porque não quero deixar de pensar no amor que me testemunhastes sofrendo tantas penas e ignomínias por mim. Ajudai-me a amar-vos e recordai-me sempre do amor que me consagrastes.

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Vida desolada de Jesus Cristo

 

A vida de nosso amante Redentor foi toda desolada e privada de todo o conforto. Sua vida foi aquele grande mar inteiramente amargo sem nenhuma gota de doçura ou consolação:“Grande como o mar é a tua dor” (Lm 2,13).

 

O Senhor revelou um dia a Santa Margarida de Cortona que durante sua vida inteira não experimentou uma só consolação sensível.

 

A tristeza que ele experimentou no jardim de Getsêmani era tão grande, que bastaria para tirar-lhe a vida, e essa tristeza ele não a sofreu só, então, mas o afligiu sempre desde o primeiro instante de sua encarnação, pois todas as penas e ignomínias que ele deveria suportar até à morte lhe estavam sempre presentes. Mas não foi tanto essa vista quanto a de todos os pecados que os homens cometeriam depois de sua morte que o afligiu sumamente durante sua vida inteira. Ele viera por meio de sua morte a tirar os pecados do mundo e a resgatar as almas do inferno; mas via que, apesar de sua morte, todas as iniqüidades possíveis seriam cometidas na terra, das quais cada uma, vista distintamente por ele, o afligia imensamente, como escreve São Bernardino de Sena:“Ele viu em particular cada uma das culpas”.

 

E foi essa a dor que ele tinha sempre diante dos olhos e sempre o afligia: “Minha dor está sempre na minha presença” (Sl 37,18).

 

Santo Tomás diz que a vista dos pecados dos homens e da ruína de tantas almas que se haviam de perder foi para Jesus Cristo um tormento tão grande que sobrepujou as dores de todos os penitentes, mesmo daqueles que morreram de pura dor. Os mártires sofreram grandes dores, cavaletes, unhas de ferro, couraças ardentes, mas suas dores eram sempre mitigadas por Deus com doçuras internas. Entre tantos martírios não houve um só tão penoso como o de Jesus Cristo, já que sua dor e sua tristeza foram pura dor e pura tristeza, sem mistura de consolação:“A grandeza da dor de Cristo se aprecia da inteireza da dor e da tristeza” (3 p. q. 46 a. 6).

 

Tal foi a vida de nosso Redentor e tal foi a sua morte, inteiramente desolada. Ao morrer na cruz, privado de todo o alívio, procurava alguém que o consolasse, mas não encontrou: “Busquei alguém que me consolasse e não o encontrei” (Sl 68,21).

 

Não encontrou então senão escarnecedores e blasfemadores que lhe diziam: “Se és o Filho de Deus, desce da cruz. Salvou os outros e não pode salvar-se a si mesmo” (Mt 27,40 e 42).

 

E assim o aflito Jesus, achando-se abandonado de todos, se voltou para seu eterno Pai; vendo, porém, que até seu Pai o havia abandonado, deu um grande grito e exclamou num lamento supremo:“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?” (Mt 27,46).

 

E assim terminou a vida nosso Salvador, morrendo como ele predisse por Davi, submergido numa tempestade de ignomínias e de dores:“Eu cheguei ao alto mar e a tempestade me submergiu” (Sl 68,3).

 

Quando nos sentirmos desolados, consolem-nos com a morte desolada de Jesus Cristo; ofereçamos-lhe então a nossa desolação, unindo-a com a que ele inocentemente padeceu no Calvário por nosso amor.

 

Ah, meu Jesus, quem não vos amará, vendo-vos morrer assim desolado e consumido de dores para pagar os nossos pecados? E eu sou um dos carrascos, que tanto vos afligi durante toda a vossa vida com a vista de meus pecados. Mas já que me chamastes à penitência, concedei-me ao menos que eu participe daquela dor que sentistes das minhas culpas durante a vossa paixão.

 

Como posso procurar prazeres, eu que tanto vos afligi com os pecados de minha vida? Não, eu não vos peço prazeres e delícias, eu vos suplica lágrimas e dor: fazei que eu viva o resto de minha vida chorando sempre os desgostos que vos dei. Abraço vossos sagrados pés, ó meu Jesus crucificado e desolado, e assim eu quero morrer. Ó Maria, Mãe das dores, rogai a Jesus por mim.

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Ignomínias que Jesus sofreu na sua paixão

 

As maiores ignomínias que Jesus sofreu foram as que suportou na sua morte. Primeiramente sofreu a ignomínia de ver-se abandonado por seus amados discípulos, dos quais um o traiu, outro o renegou, e todos eles fugiram e abandonaram Jesus, quando ele foi preso (Mc 14,50). Depois, foi apresentado a Pilatos como um malfeitor que merecia ser crucificado (Jo 18,30). Em seguida, foi por Herodes escarnecido como louco e revestido de uma túnica branca (Lc 23,11). Barrabás foi-lhe preferido, o ladrão homicida, tendo Pilatos cedido aos gritos dos judeus (Jo 18,40).

 

Foi flagelado como escravo, pois esse castigo era reservado aos escravos (Jo 19,1). Foi escarnecido como rei de burla, depois de haverem-no coroado de espinhos por zombaria e saudado como rei, cuspindo-lhe no rosto (Mt 27,29).

 

Finalmente, foi condenado a morrer no meio de dois celerados, como Isaías já o dissera (Is 53,12). Expirando na cruz, sujeitou-se à morte mais ignominiosa, à qual só os malfeitores eram condenados naqueles tempos, e por isso entre os judeus era tido por amaldiçoado por Deus e pelos homens o que morria crucificado (Dt 21,23). Assim escreve o Apóstolo: “Foi feito por nós maldição, porque está escrito: Amaldiçoado é todo aquele que é suspenso no lenho” (Gl 3,13).

 

São Paulo diz que nosso Redentor, renunciando a uma vida esplêndida e deliciosa que podia gozar nesta terra, preferiu levar uma vida cheia de tribulações e sofrer uma morte repleta de ignomínias: “Jesus, tendo diante de si o gozo, sustentou a cruz, desprezando a ignomínia” (Hb 12,2).

 

Dessa forma verificou-se em Jesus Cristo a profecia de Jeremias de que havia de viver e morrer saciado de opróbrios:“Dará suas faces ao que o ferir, será saturado de opróbrios” (Lm 3,30).

 

Ao que exclama São Bernardo:“Ó último e primeiro, ó opróbrios dos homens e glória dos anjos! O mais alto de todos é feito o ínfimo de todos”.

 

E conclui que tudo isso é obra do amor que Jesus Cristo nos tem:“Ó força do amor! Quem fez isso? O amor!”

 

Ó meu Jesus, salvai-me, não permitais que eu, depois de ter sido remido por vós com tantas dores e tanto amor, me condene e vá para o inferno a odiar-vos e amaldiçoar o amor que me demonstrastes. Muitas vezes eu mereci esse inferno, já que vós não podeis fazer mais do que fizestes para obrigar-me a amar-vos e eu não podia fazer mais do que fiz para obrigar-vos e castigar-se.

 

Mas, visto que me esperastes por bondade e ainda continuais a convidar-me a vos amar, eu quero amar-vos e quero amar-vos com todo o meu coração e sem reserva. Dai-me a graça de o fazer. E vós, ó Maria, Mãe de Deus, socorrei-me com as vossas súplicas.

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Jesus na cruz

 

Jesus na cruz! Que espetáculo para os anjos do paraíso, ver um Deus crucificado. E que impressão nos deve causar o rei do céu pendente de um patíbulo, coberto de chagas, desprezado e amaldiçoado por todos, agonizando e morrendo de dores sem nenhum alívio.

 

Ó Deus, por que é que assim padece este divino Salvador inocente e santo? Padece para pagar as culpas dos homens. E onde se viu um tal exemplo, o Senhor padecer por seus servos? O pastor morrer por suas ovelhas? O Criador sacrificar-se inteiramente por suas criaturas?


Jesus na cruz! Eis o homem das dores, predito por Isaías. Ei-lo nesse lenho infame e cheio de dores tanto externas como internas. Exteriormente está dilacerado pelos açoites, pelos espinhos e pelos cravos, o sangue escorre de todas as partes e cada um de seus membros sofre uma dor particular. Interiormente é afligido pela tristeza, está desolado e abandonado por todos e até por seu próprio Pai. Mas o que mais o atormenta entre tantos sofrimentos é a vista horrenda de todos os pecados que depois de sua morte cometeriam os homens remidos por seu sangue.

 

Ah, meu Redentor, entre esses ingratos vós então me víeis e todos os meus pecados. Portanto eu também muito contribui para vos afligir na cruz em que morríeis por mim. Oh, antes tivesse eu morrido e não vos tivesse ofendido.

Meu Jesus e minha esperança, a morte me aterroriza, pois então terei de vos dar conta de todas as injúrias que fiz ao amor que me tivestes, mas a vossa morte me anima e me faz esperar o perdão. Eu me arrependo de todo o coração de vos ter desprezado. Se, no passado, não vos amei, eu quero amar-vos no resto de minha vida e quero fazer tudo e tudo sofrer para vos agradar. Ajudai-me, meu Redentor, vós que morrestes na cruz por meu amor.

 

Senhor, vós dissestes que, quando estivésseis suspenso na cruz, atrairíeis todos os corações para vós:“E eu, quando for suspenso da terra, atrairei tudo a mim” (Jo 12,32).

 

Vós, morrendo crucificado por nós, arrebatastes tantos corações ao vosso amor, que por vós deixaram tudo, bens, pátria, parentes e até a vida. Ah, arrebatai também o meu pobre coração, que agora, por vossa graça, deseja vos amar, e não mais permitais que eu ame o lodo como o fiz até agora. Ó meu Redentor, pudesse eu ver-me despojado de todo o afeto terreno, para esquecer-me de tudo e lembrar-me só de vós e a vós só amar! Eu tudo espero da vossa graça. Vós conheceis a minha incapacidade; ajudai-me, vos rogo, pelo amor que vos obrigou a sofrer por mim uma morte tão acerba no monte Calvário.

 

Ó morte de Jesus, ó amor de Jesus, arrebatai todos os meus pensamentos, todos os meus afetos e fazei que de hoje em diante eu não pense nem busque outra coisa que agradar a Jesus. Amabilíssimo Senhor, ouvi-me pelos merecimentos da vossa morte. E vós, também, ó Maria, atendei-me, já que sois a Mãe da misericórdia; rogai a Jesus por mim; vossas súplicas podem tornar-me um santo e isso eu o espero.

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Jesus morto na cruz

 

Cristão, levanta os olhos, e contempla Jesus morto sobre aquele patíbulo com o corpo cheio de chagas que ainda correm sangue. A fé ensina que ele é teu Criador, teu Salvador, a tua vida, teu libertador, aquele que mais te ama que qualquer outro e o único que pode fazer- te feliz. Sim, meu Jesus, eu o creio: vós sois aquele que me amou desde toda a eternidade sem nenhum mérito meu; mesmo prevendo as minhas ingratidões, me destes o ser unicamente por pura bondade. Vós sois o meu Salvador, que me livrastes por vossa morte do inferno tantas vezes merecido.

 

Vós sois a minha vida pela graça que me estes, pois sem ela permaneceria morto para sempre. Vós sois o meu Pai e Pai amoroso que me perdoou misericordiosamente tantas injúrias que vos fiz. Vós sois o meu tesouro, que me enriqueceu com tantas luzes e favores em vez e castigos que eu merecia. Vós sois a minha esperança, já que eu não posso esperar bem algum de quem quer que seja fora de vós. Vós sois, portanto, o meu verdadeiro e único amante: basta dizer que chegastes a morrer por mim. Vós, em suma, sois o meu Deus, o meu sumo bem, o meu tudo.

 

Ó homens, ó homens, amemos a Jesus Cristo, amemos um Deus que se sacrificou totalmente por nosso amor. Ele sacrificou as honras que lhe competiam sobre a terra, sacrificou todas as riquezas e as delícias que podia gozar e se contentou com levar uma vida humilde, pobre e atribulada: finalmente, para pagar com seus sofrimentos os nossos pecados, quis sacrificar todo o seu sangue e sua vida, morrendo num mar de dores e de desprezos.

 

Filho, diz da cruz o Redentor a cada um de nós, filho, que mais poderia eu fazer para ser amado por ti do que morrer por teu amor? Vê se se encontra no mundo quem te haja amado mais do que eu, teu Senhor e Deus. Ama-me, pois, ao menos em reconhecimento do amor que te demonstrei.

 

Ah, meu Jesus, como é possível não chorar sempre o mal que fiz, desprezando o vosso amor, apesar de saber que os meus pecados vos obrigaram a morrer de dor sobre um patíbulo infame? E como poderei ver-vos pendente desse lenho por meu amor e não vos amar com todas as minhas forças?

 

Como se explica, porém, Senhor, que vós, tendo morrido por nós todos, para que ninguém mais viva para si mesmo (2Cor 5,15), e eu tenha vivido unicamente para afligir-vos e desonrar-vos em vez de viver exclusivamente para amar-vos e glorificar-vos? Ah, meu Senhor crucificado, esquecei-vos das amarguras que vos causei, das quais eu me arrependo de todo o meu coração, e atraí-me pela vossa graça inteiramente a vós. Eu não quero mais viver para mim mesmo, mas só agora vós que tanto me tendes amado e mereceis todo o meu amor. Eu me dou todo a vós e todas as coisas que me pertencem, sem reserva.

 

Renuncio a todas as honras e prazeres desta terra e me prontifico a padecer por vosso amor tudo o que vos aprouver. Vós, que me concedeis esta boa vontade, dai-me também a graça de a pôr em prática. Ó Cordeiro de Deus, sacrificado sobre a cruz, ó vítima de amor, ó Deus amoroso, pudesse eu morrer por vós como morrestes por mim. Ó Mãe de Deus, Maria, obtende-me a graça de sacrificar toda a vida que me resta ao amor do vosso amabilíssimo Filho.

 

Fonte: Livro A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. (Santo Afonso Maria de Ligório.)