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A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Da esperança que devemos ter na morte de Jesus.

 

1. Jesus é a única esperança de nossa salvação; fora dele não há salvação, em nenhum outro (At 4,12). Eu sou a única porta, disse ele, e quem entrar por mim encontrará certamente a vida eterna (Jo 10,9). Que pecador poderia esperar perdão se Jesus não tivesse satisfeito por nós a justiça divina com seu sangue e com sua morte? “Ele carregou com suas iniqüidades” (Is 53,11). Por isso, o Apóstolo nos anima, dizendo: “Se o sangue dos bodes e dos touros santifica os imundos para a purificação da carne, quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito Santo se ofereceu a si mesmo a Deus como vítima imaculada, purificará a nossa consciência das obras mortas para servir o Deus vivo?” (Hb 9,13-14).

 

Se o sangue dos bodes e dos touros sacrificados tirava nos hebreus as manchas exteriores do corpo, para que pudessem ser admitidos aos sacros misteres, quando mais o sangue de Jesus Cristo, o qual por amor se ofereceu a pagar por nós, tirará os pecados de nossas almas para podermos servir o nosso sumo Deus. Nosso amoroso Redentor, tendo vindo a este mundo somente para salvar os pecadores e vendo já escrita contra nós a sentença de condenação por causa de nossas culpas, que faz? Ele com sua morte pagou o castigo que nos era devido e, cancelando com seu sangue a escritura da condenação, afixou-a na própria cruz em que morre, para que a justiça divina não exigisse de nós a satisfação devida (Cl 2,14).

 

“Cristo entrou uma só vez no santuário, havendo-nos adquirido uma redenção eterna” (Hb 9,12). Ah, meu Jesus, se não tivésseis encontrado esse modo de obter-me perdão, quem o poderia alcançar? Tinha razão Davi para exclamar: “Publicarei as suas maravilhas” (Sl 9,12). Publicai, ó bem-aventurados, os esforços amorosos que fez nosso Deus para salvar-nos. Visto, pois, ó meu doce Salvador, que me dedicaste tão grande amor, não deixeis de usar de piedade para comigo. Vós me resgatastes das garras de Lúcifer por meio de vossa morte: eu entrego minha alma nas vossas mãos, tendes de salvá-la. “Nas vossas mãos encomendo o meu espírito: vós me remistes, Senhor Deus de verdade” (Sl 30,6).

 

2. “Filhinhos meus, estas coisas vos escrevo para que não pequeis. Mas, se alguém pecar, temos um advogado junto do Pai, Jesus Cristo, o justo, e ele é a propiciação pelos nossos pecados” (1Jo 2,1). Jesus Cristo não cessou com sua morte de interceder por nós junto de seu Pai, e mesmo agora é nosso advogado e parece, como escreve S. Paulo, que no céu não tem outra ocupação que mover seu Pai a usar de misericórdia para conosco. “Vive sempre a rogar por nós” (Hb 7,25). E ele ajunta que para isso subiu ao céu o Salvador: “Para se apresentar agora perante a face de Deus por nós outros” (Hb 9,24). Assim como são expulsos da face dos reis os rebeldes, nós, pecadores, não seríamos mais dignos de ser admitidos na presença de Deus nem mesmo para pedir-lhe perdão.

 

Jesus, porém, como nosso Redentor, apresenta-se por nós perante Deus e por seus merecimentos nos obtêm a graça perdida: “Vós vos chegastes ao mediador do Novo Testamento, Jesus, e à aspersão do sangue mais eloqüente que o de Abel” (Hb 12,24). Oh! quanto melhor por nós implora misericórdia o sangue do Redentor, do que o sangue de Abel exigia castigo contra Caim! A minha justiça, disse Deus a S. Maria Madalena de Pazzi, se transformou em clemência com a vingança exercida sobre a carne inocente de Jesus Cristo. O sangue de meu Filho não exige de mim vingança, como o sangue de Abel, mas pede somente misericórdia e compaixão, e minha justiça não pode deixar de ficar aplacada com essas voz. Esse sangue lhe amarra as mãos de tal maneira que não as pode mover, por assim dizer, para tomar aquela vingança, que deveria, dos pecados.

 

3. “Não te esqueças da graça que te fez teu fiador” (Eclo 29,20). Ah, meu Jesus, eu era incapaz, depois de meus pecados, de satisfazer a divina justiça, mas vós quisestes com a vossa morte satisfazer por mim. Oh! quão grande seria a minha ingratidão se eu me esquecesse dessa tão grande misericórdia. Não, meu Redentor, não quero esquecer-me mais; quero agradecer-vos sempre e mostrar-me grato, amando-vos e fazendo quanto puder para vos contentar. Socorrei-me com as graças que me merecestes com tantos sofrimentos. Amo-vos, ó meu amor, minha esperança. “Minha pomba nas fendas do rochedo” (Ct 2,13).

 

Oh! que refúgio seguro encontraremos sempre nessas fendas sagradas da pedra, que não as chagas de Jesus Cristo. “As fendas da pedra são as chagas do Redentor, diz S. Pedro Damião; nelas a alma fiel põe a sua esperança” (De S. Mat. serm. 3). Ah, aí nos veremos livres da desconfiança causada pela vista de nossos pecados, aí encontraremos as armas para nos defendermos quando formos tentados a pecar novamente. “Confiai, eu venci o mundo” (Jo 16,33). Se não tendes forças bastantes, exorta-nos o Salvador, para resistir aos assaltos que o mundo vos oferece com seus prazeres, confiai em mim, porque eu o venci e agora vós também o vencereis. Pedi para que meu eterno Pai vos conceda, por meus merecimentos, a força e eu vos prometo que tudo que lhe perdirdes em meu nome, ele vos dará (Jo 16,23).

 

E em outro lugar nos reafirma a promessa, dizendo que qualquer graça que pedirmos a Deus por seu amor, ele mesmo, que é uma só coisa com o Pai, no-la dará: “Tudo que pedirdes a meu pai em meu nome, eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho” (Jo 14,13).

 

Ah! eterno Pai, confiado nos merecimentos e nessas promessas de Jesus Cristo, não vos peço bens da terra, mas somente a vossa graça. É verdade que eu, pelas injúrias que vos fiz, não mereceria nem o perdão nem graças. Mas se eu não o mereço, mereceu-mas vosso Filho, oferecendo seu sangue e sua vida por mim. Perdoai-me, pois, por amor desse vosso Filho. Dai-me uma grande dor de meus pecados e um grande amor a vós. Alumiai-me para que conheça quanto é amável a vossa bondade e quão grande é o amor que me tendes tido desde toda a eternidade. Fazei-me compreender a vossa vontade e dai-me a força para executá-la perfeitamente. Senhor, eu vos amo, e quero fazer tudo o que de mim exigis.

 

4. Que grande esperança de salvação nos dá a morte de Jesus Cristo. “Quem é que nos há de condenar? Jesus Cristo, que morreu por nós e que também intercede por nós” (Rm 8,34). Quem será que nos condenará, pergunta o Apóstolo: é aquele mesmo Redentor que, para não nos condenar à morte eterna, condenou-se a si mesmo a morrer cruelmente numa cruz. Isso anima S. Tomás de Vilanova a dizer: “Que temes, ó pecador, se pretendes deixar o pecado? Como há de te condenar aquele Senhor que morrer para te não condenar? Como te há de expulsar, quando voltares a seus pés, aquele que desceu do céu a tua procura, quando fugias dele?” Mas ainda maior coragem nos incute o Salvador mesmo, dizendo por Isaías: “Eis que eu te gravei nas minhas mãos; tuas muralhas estão sempre diante de meus olhos” (Is 49,16). Não percas a confiança, ovelha minha, vê quanto me custaste, eu tenho-te escrita nas minhas mãos, nestas chagas que eu sofri por ti: elas sempre me recordam que devo ajudar-te e defender-te contra teus inimigos: ama-me e confia.

 

Sim, meu Jesus, eu vos amo e em vós confio. O resgatar-me vos custou tanto, mas o salvar-me nada vos custa. A vossa vontade é que todos se salvem e que ninguém se perca. Se meu pecados me espantam, anima-me a vossa bondade que mais deseja fazer-me bem que eu recebê-lo. Ah, meu amado Redentor, vos direi com Jó. “Mesmo que ele me mate esperarei nele... E ele será meu salvador” (Jó 13,15). Ainda que me expulseis de vossa face, ó meu amor, não deixarei de esperar em vós, que sois meu Salvador. Essas vossas chagas e esse vosso sangue me dão suficiente confiança para esperar todos os bens de vós. Eu vos amo, caro Jesus, eu vos amo e em vós espero.

 

A glorioso S. Bernardo, achando-se enfermo, viu-se uma vez transportado diante do tribunal de Deus, onde o demônio o acusava de seus pecados e afirmava que ele não merecia o paraíso. O santo respondeu: É verdade que eu não mereço o paraíso, mas Jesus tem duplo direito a esse reino: um por ser Filho natural de Deus, outro por havê-lo conquistado com sua morte; ele se contenta com o primeiro e cede-me o segundo, por isso eu peço e espero o paraíso.

 

O mesmo podemos nós dizer, pois S. Paulo escreve que Jesus Cristo quis morrer consumido de dores para obter o paraíso a todos os pecadores arrependidos e resolvidos a emendar-se. “E, sacrificado, foi feito o autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hb 5,9). E o Apóstolo ajunta: “Corramos ao combate que nos está proposto, olhando para o autor e consumador da fé, Jesus, que, sendo-lhe proposto o gozo, suportou a cruz, desprezando a ignomínia” (Hb 12,1-2). Combatamos com coragem os nossos inimigos, olhando para Jesus Cristo que, com os merecimentos de sua paixão, nos oferece a vitória e a coroa.

 

5. Ele disse que subia aos céus para preparar-nos um lugar: “Não se turbe o vosso coração... porque eu vou preparar-vos um lugar” (Jo 14,1). Ele disse e continua a dizer a seu Pai que, visto o Pai nos ter dado a ele, nos quer ter consigo no paraíso: “Pai, quero que aqueles que me destes estejam comigo onde eu estou” (Jo 17,24). Que maior misericórdia poderíamos esperar do Senhor, diz S. Anselmo, que o Padre Eterno dizer a um pecador já condenado ao inferno por seus crimes e que não tinha meios de livrar-se do castigo: “Toma o meu Filho e oferece-o por ti” e o Filho acrescentar: “Toma-me e livra-te do inferno” (Cur Deus homo l. 2, c. 20).

 

Ah, meu Pai amoroso, agradeço-vos haver-me dado vosso Filho por meu Salvador, ofereço-vos sua morte e por seus merecimentos vos suplico compaixão. Agradeço-vos sempre, ó meu Redentor, por haverdes dado vosso sangue e vossa vida para livrar-me da morte eterna. Socorrei-nos, pois, a nós, servos rebeldes, os quais com tanto custo remistes. Ó meu Jesus, única esperança minha, vós me amais e porque sois onipotente, fazei-me santo. Se eu sou fraco, dai-me fortaleza, se estou enfermo pelas culpas cometidas, aplicai à minha alma uma gota de vosso sangue e sarai-me. Dai-me o vosso amor e a perseverança final e fazei que eu morra na vossa graça. Dai-me o paraíso. Eu vos amo, ó Deus amabilíssimo, com toda a minha alma, e espero amar-vos sempre: ajudai a um mísero pecador que vos quer amar.

 

6. “Tendo nós o grande pontífice que penetrou nos céus, Jesus, Filho de Deus, conservemos a nossa confissão. Não temos um pontífice que não possa compadecer-se de nossas enfermidades, tendo experimentado todas as tentações, exceto o pecado” (Hb 4,14). Já que temos um Salvador que nos abriu o paraíso, que por um certo tempo nos estava fechado pelo pecado, diz o Apóstolo, confiemos sempre nos seus merecimentos, pois ele sabe se compadecer de nós, tendo querido na sua bondade padecer as nossas misérias.“Vamos, pois cheios de confiança, ao trono da graça, para que consigamos misericórdia e encontremos a graça para sermos socorridos oportunamente” (Hb 4,16).

 

Dirijamo-nos, pois, com confiança ao trono da misericórdia, ao qual temos acesso por meio de Jesus Cristo, para que aí encontremos todas as graças de que necessitamos. E como poderemos duvidar, ajunta S. Paulo, que Deus, tendo-nos dado seu Filho, nos tenha dado com ele todos os bens? “Entregou-o por nós todos: como não nos deu com ele todas as coisas?” (Rm 8,32). O cardeal Hugo comenta este passo: Não nos negará o menos, que é a glória eterna, aquele Senhor que chegou a dar-nos o mais, que é o seu próprio Filho. Ó meu sumo bem, que vos darei por um tal dom que me fizestes de vosso Filho? Dir-vos-ei com Davi: O Senhor retribuirá por mim (Sl 137,8).

 

Senhor, não tenho com que retribuir-vos, vosso próprio Filho é o único que vos poderá agradecer dignamente: ele vos agradece por mim. Pai piedosíssimo, pelas chagas de Jesus, peço-vos que me salveis. Amo-vos, bondade infinita, e, porque vos amo, arrependo-me de vos haver ofendido. Meu Deus, meu Deus, eu quero ser todo vosso; aceitai-me por amor de Jesus Cristo. Ah, meu doce Criador, será possível que, havendo-me dado o vosso Filho, me negueis os vossos bens, a vossa graça, o vosso amor, o vosso paraíso?

 

7. Assevera S. Leão que foram maiores os bens que nos trouxe a morte de Jesus Cristo, do que os danos a nós causados pelo demônio com o pecado de Adão (Serm. 1, de Asc.). É o que afirma claramente o Apóstolo quando escreve aos Romanos: “Não se deu com o pecado como com o dom. Onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5,20). Explica o Cardeal Hugo: A graça de Cristo é de maior eficácia do que o pecado. “Não há comparação entre o pecado do homem e o dom que Deus fez dando-nos Jesus Cristo; foi grande o delito de Adão, mas muito maior a graça que Jesus Cristo nos mereceu com sua paixão. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

 

Eu vim ao mundo, atestou o Salvador, para que os homens, mortos pelo pecado, não só recebam por mim a vida da graça, mas uma vida mais abundante do que a que perderam pela culpa. Motivo esse que levou a santa Igreja a chamar feliz a culpa que nos mereceu ter um tal Redentor. “Eis o Deus meu Salvador: agirei com confiança e não recearei” (Is 12,2). Se vós sois um Deus onipotente, ó meu Jesus, e sois também meu Salvador, que receios poderei ter de condenar-me? Se no passado vos ofendi, arrependo-me disso de todo o coração: no futuro quero servir-vos, obedecer-vos e amar-vos: espero firmemente que vós, meu Redentor, que tanto fizestes e padecestes por minha salvação, não me negareis graça alguma necessária para salvar-me (S. Boaventura).

 

“Tirareis águas com alegria das fontes do Salvador e direis nesse dia: Louvai o Senhor e invocai o seu nome” (Is 12,3). As chagas de Jesus Cristo são essas benditas fontes das quais podemos receber todas as graças se com fé lhas pedirmos. “E sairá da casa do Senhor uma fonte, que regará a torrente dos espinhos” (Joel 3,18). A morte de Jesus é essa fonte prometida que irrigou as nossas almas com as águas da graça e transformou em flores e frutos da vida eterna por seus merecimentos os espinhos do pecado. Como diz S. Paulo, nosso amante Redentor fez-se pobre neste mundo para que nós pelo merecimento de sua pobreza nos tornássemos ricos (2Cor 8,9).

 

Pelo pecado nos fizemos ignorantes, injustos, iníquos, escravos do inferno; Jesus Cristo morrendo e satisfazendo por nós, fez-se por Deus nossa sabedoria, nossa santificação e nossa redenção, diz o Apóstolo (1Cor 1,20). Fez-se nossa sabedoria, instruindo-nos; nossa justiça, perdoando-nos; nossa santidade, com seu exemplo; nosso resgate, com sua paixão, livrando-nos das garras de Lúcifer. Em suma, diz S. Paulo, os merecimentos de Jesus Cristo nos enriqueceram de todos os bens, de maneira que nada mais nos falta para receber todas as graças (1Cor 1,5).

 

Ó meu Jesus, meu Jesus, que belas esperanças me incute vossa paixão. Quanto vos devo, meu amado Senhor. Ah, não vos tivesse eu ofendido. Perdoai-me todas as injúrias que vos fiz: inflamai-me para sempre. E como posso temer não ser perdoado e receber a salvação de todas as graças de um Deus onipotente que me deu todo o seu sangue? Ah, meu Jesus, minha esperança, para não me condenardes, quisestes perder a vossa vida: não quero perder-vos mais, bem infinito. Se vos perdi no passado, eu me arrependo e no futuro não quero perder-vos mais, vós me ajudareis para que eu não vos perca mais. Senhor, eu vos amo e quero amar-vos sempre. Maria, depois de Jesus sois a minha esperança; dizei a vosso Filho que vós me protegereis e serei salvo. Amém.

 

Fonte: Livro A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. (Santo Afonso Maria de Ligório.)