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A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Do Ecce Homo: "Eis aqui o homem". 

 

1. Pilatos, vendo o Redentor reduzido a um estado tão digno de toda a compaixão, pensou que a sua só vista comoveria os judeus e por isso, conduziu-o a uma varanda, levantou o farrapo de púrpura e, mostrando ao povo o corpo de Jesus coberto de chagas e dilacerado, disse-lhe: “Eis aqui o homem” (Jo 19,4).

 

Ecce homo, como se quisesse dizer: Eis o homem que acusastes perante mim como se pretendesse fazer-se rei; eu, para vos agradar, condenei-o aos flagelos, ainda que inocente. “Eis o homem, não ilustre pelo império, mas repleto de opróbrio” (St. Ag. Trac. 11 in Jo 6). Ei-lo reduzido a tal estado que parece um homem esfolado ao qual restam poucos instantes de vida. Se, apesar de tudo, pretendeis que eu o condene à morte, afirmo-vos que não posso fazê-lo, porque não encontro motivo para o condenar. Mas os judeus, à vista de Jesus assim maltratado, mais se enfurecem: “Ao verem-no, os pontífices e ministros clamavam, dizendo: ‘Crucifica-o, crucifica-o’. Vendo Pilatos que não se acalmavam, lavou as mãos à vista do povo, dizendo: ‘Sou inocente do sangue deste justo: vós lá vos avinde’. E eles responderam: ‘Seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos” (Mt 27,23-26).

 

Ó meu amado Salvador, vós sois o maior de todos os reis, mas agora eu vos vejo como o homem mais desprezado, dentre todos: se esse povo ingrato não vos conhece, eu vos conheço e vos adoro por meu verdadeiro rei e Senhor. Agradeço-vos, ó meu Redentor, por tantos ultrajes por mim recebidos e suplico-vos me deis amor aos desprezos e aos sofrimentos, já que vós os abraçastes com tanto afeto.

 

Envergonho-me de haver no passado amado tanto as honras e os prazeres, chegando por sua causa a renunciar tantas vezes à vossa graça e ao vosso amor; arrependo-me disso mais que de todas as coisas. Abraço, Senhor, todas as dores e ignomínias que vossas mãos me enviarem; dai-me aquela resignação de que necessito. Amo-vos, meu Jesus, meu amor, meu tudo.

 

2. Assim como Pilatos daquela varanda mostrou Jesus ao povo, do mesmo modo e ao mesmo tempo o Eterno Pai nos apresentava do alto do céu o seu Filho dileto, dizendo-nos igualmente: Ecce homo. Eis aqui esse homem que é meu Filho muito amado, em quem me comprazi (Mt 3,17).

 

Eis aqui o homem, vosso Salvador, por mim prometido e por vós há tanto desejado. Eis aqui o homem, o mais nobre dentre todos os homens, tornado o homem das dores. Ei-lo, vede a que estado de compaixão o reduziu o amor que vos consagra, e amai-o ao menos por compaixão. Contemplai-o e amai-o, ao menos vos movam essas dores e ignomínias que sofre por vós.

 

Ah, meu Deus e Pai de meu Redentor, eu amo vosso Filho, que padece por meu amor, e eu vos amo a vós que com tão grande amor o entregastes a tantos tormentos por mim. Não vos recordeis de meus pecados com os quais tantas vezes vos ofendi e a vosso Filho: “Olhai para a face de vosso Cristo”, contemplai o vosso Unigênito coberto de chagas e de opróbrios para pagar os meus delitos e por seus merecimentos perdoai-me e não permitais que vos ofenda jamais. “Seu sangue caia sobre nós”.

 

O sangue desse homem, que vos é tão caro, que por nós vos roga e suplica compaixão, que desça sobre as nossas almas e lhes obtenha a vossa graça. Odeio e amaldiçôo, ó Senhor, todos os desgostos que vos dei e amo-vos, bondade infinita, mais do que a mim mesmo. Por amor desse Filho, dai-me o vosso amor, que me faça vencer todas as paixões e sofrer todas as penas que vos agradar.

 

3. “Saí e vede, filhas de Sião, o rei Salomão com o diadema com que o coroou sua mãe no dia de suas bodas e no dia da alegria de seu coração” (Ct 3,11). Saí e vede o vosso rei com a coroa da pobreza, com a coroa da miséria”, diz S. Bernardo (Serm. 2 de Epip.).

 

Oh, o mais belo de todos os homens, o maior de todos os monarcas, o mais amável de todos os esposos, a que estado está reduzido, todo coberto de chagas e de desprezos! Vós sois esposo, mas esposo de sangue (Êx 4,25), pois, por meio de vosso sangue e de vossa morte, quisestes esposar as nossas almas. Vós sois rei, mas rei de dores e rei de amor, pois a força de tormentos quisestes atrair os nossos afetos.

 

Ó amantíssimo esposo de minha alma, oh! se eu me recordasse sempre do quanto padecestes por mim, não cessaria mais de vos amar e agradar. Tende piedade de mim que tanto vos custei! Em paga de tantas penas sofridas por mim, vos contentais com meu amor; por isso eu vos amo, ó Senhor infinitamente amável, eu vos amo sobre todas as coisas, mas eu vos amo pouco. Meu amado Jesus, dai-me mais amor, se quereis ser mais amado de mim.

 

Desejo amar-vos muito; eu, mísero pecador, deveria arder no inferno desde o primeiro instante em que vos ofendi gravemente; vós, porém, me aturastes desde então, porque não quereis que eu arda nesse fogo desgraçado, mas no fogo bem-aventurado do vosso amor. Este pensamento, ó Deus de minha alma, me abrasa todo no desejo de fazer quanto em mim estiver para vos agradar. Ajudai-me, ó meu Jesus, e já que fizestes tanto, completai a vossa obra, fazei-me todo vosso.
 

4. Continuando os judeus a insultar o governador, gritando: “Tirai-o, tirai-o, crucificai-o”, disse-lhes Pilatos: “Então hei de crucificar o vosso rei?” E eles responderam: “Nos não temos outro rei senão César” (Jo 19,15). Os mundanos, que amam as riquezas, as honras e os prazeres da terra, renegam a Jesus Cristo por seu rei porque Jesus neste terra não foi rei senão de pobreza, de ignomínia e de dores.

 

Se eles vos rejeitam, ó meu Jesus, nós vos elegemos por nosso único rei e vos protestamos: Não temos outro rei senão Jesus. Sim, amável Salvador, “vós sois meu rei”, sois e sereis sempre o meu único Senhor. De fato sois vós o verdadeiro rei de nossas almas, pois as criastes e as remistes da escravidão de Lúcifer. “Venha a nós o vosso reino”. Dominai, reinai, pois, sempre nos nossos pobres corações; que eles vos sirvam sempre e vos obedeçam.

 

Que outros sirvam aos monarcas deste mundo com a esperança dos bens desta terra; nós queremos servir somente a vós, nosso rei aflito e desprezado, com a única esperança de vos agradar sem consolações terrenas. De hoje em diante nos serão caras as dores e as injúrias, que quisestes sofrer tantas por nosso amor. Dai-nos a graça de vos permanecer fiéis e para isso dai-nos o grande dom de vosso amor. Se vos amarmos, amaremos também os desprezos e as penas que tanto amastes e nada mais vos pediremos além do que vos suplica vosso fiel e devoto servo S. João da Cruz: “Senhor, sofrer e ser desprezado por vós. Senhor, padecer e ser desprezado por vós”.

 

Minha mãe Maria, intercedei por nós. Amém.

 

Fonte: Livro A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. (Santo Afonso Maria de Ligório.)