O RELÓGIO DA PAIXÃO
DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO.
01:00 hs.
JESUS É CONDUZIDO A ANÁS.
E O LEVARAM PARA O SUMO SACERDOTE.
É necessário que o Filho do Homem padeça muitas coisas, seja rejeitado pelos anciãos, pelos príncipes dos sacerdotes e pelos escribas. (Lc 9, 22)
Conduziram Jesus à casa do sumo sacerdote, onde se reuniram todos os sacerdotes, escribas e anciãos. (Mc 14, 53)
Conduziram-no primeiro a Anás, por ser sogro de Caifás, que era o sumo sacerdote daquele ano. Caifás fora quem dera aos judeus o conselho: Convém que um só homem morra em lugar do povo. (Jo 18, 13-14)
PEDRO E OUTRO DISCÍPULO SEGUEM JESUS DE LONGE.
“... os mais chegados olham-ME de longe...” (Sal 37, 12)
“Pedro o foi seguindo de longe até dentro do pátio” (Mc 14, 54)
Simão Pedro seguia Jesus, e mais outro discípulo. Este discípulo era conhecido do sumo sacerdote e entrou com Jesus no pátio da casa do sumo sacerdote, porém Pedro ficou de fora, à porta. Mas o outro discípulo (que era conhecido do sumo sacerdote) saiu e falou à porteira, e esta deixou Pedro entrar. (Jo 18, 15-16)
Ouvi, Senhor, minha lastimosa voz. Do terror do inimigo protegei a minha vida, preservai-me da conspiração dos maus, livrai-me da multidão dos malfeitores. Eles aguçam suas línguas como espadas, desferem como flechas palavras envenenadas, para atirarem, do esconderijo, sobre o inocente. (Sal 63, 2-5)
JESUS É INTERROGADO ACERCA DE SUA DOUTRINA
Eis meu Servo que eu amparo, Meu eleito ao qual dou toda a minha afeição, faço repousar sobre ele meu espírito, para que leve às nações a verdadeira religião. Ele não grita, nunca eleva a voz, não desanimará, nem desfalecerá, até que tenha estabelecido a verdadeira religião sobre a terra... (Is 42,1-4)
O sumo sacerdote indagou de Jesus acerca dos seus discípulos e da sua doutrina. (Jo 18, 19)
Jesus respondeu-lhe: Falei publicamente ao mundo. Ensinei na sinagoga e no templo, onde se reúnem os judeus, e nada falei às ocultas. Por que me perguntas? Pergunta àqueles que ouviram o que lhes disse. Estes sabem o que ensinei. A estas palavras, um dos guardas presentes deu uma bofetada em Jesus, dizendo: É assim que respondes ao sumo sacerdote? Replicou-lhe Jesus: Se falei mal, prova-o, mas se falei bem, por que me bates? (Jo 18, 20-23)
Pai Nosso..., Ave Maria..., Glória ao Pai...
Pela sua dolorosa Paixão; tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro.
Meu Jesus, perdão e Misericórdia, pelos méritos de Vossas santas Chagas.
Segundo as Visões de Anna Catharina Emmerich:
Maus tratos que sofreu a caminho da cidade
Depois de acesas algumas lanternas, o cortejo se pôs em marcha. A frente marchavam dez soldados; depois seguiam os esbirros, arrastando Jesus pelas cordas, atrás vinham, insultando-O e escarnecendo-O, os fariseus e no fim os restantes 10 soldados, que formavam a retaguarda. Os discípulos andavam ainda pelas vizinhanças, como fora de si; João, porém, seguia a pouca distância os últimos soldados e os fariseus mandaram prendê-lo. Voltaram por isso alguns soldados, correndo, para segurá-lo, mas ele pôs-se a fugir e, como o segurassem pelo sudário que tinha em volta do pescoço, abandonou-o nas mãos dos soldados e escapou. Já tinha despido o manto antes, vestindo só uma túnica arregaçada e sem mangas, para poder fugir mais ligeiramente. O pescoço, cabeça e braços tinha-os envolvido numa faixa estreita de pano, como os Judeus costumam usar.
Os soldados arrastavam e maltratavam Jesus da maneira mais cruel e praticavam muitas maldades, só para agradar e adular desse modo baixo aos seis agentes farisaicos, que eram cheios de ódio e maldade contra Jesus. Conduziram-No pelo caminho incômodo, por todos os sulcos, sobre as pedras e pela lama. Puxavam as cordas compridas com força, escolhendo para si o melhor caminho; assim Jesus tinha de seguir onde as cordas o arrastavam. Tinham nas mãos pedaços de cordas nodosas, com que batiam e impeliam Nosso Senhor para frente, como costumam entre escárnios e insultos tão grosseiros, que seria contra a decência repetir-lhes as palavras.
Jesus ia descalço; além da roupa do corpo, vestia uma túnica de lã, tecida sem costura e um manto. Os discípulos, como os judeus em geral usavam no corpo, sobre as costas e o peito, um escapulário, constando de duas peças de pano, unidas sobre os ombros por correias, deixando deste modo descobertos os lados; cingiam-se com um cinto, do qual pendiam quatro faixas de pano, as quais, enrolando as coxas, formavam uma espécie de calça. Devo acrescentar ainda que não vi os soldados apresentarem uma ordem escrita ou documento de prisão; procederam como se Jesus estivesse fora da lei e sem direitos.
O cortejo marchou a passo rápido e tendo saído do caminho que passa entre o horto de Getsêmani e o das Oliveiras, caminhou algum tempo ao longo do lado oriental de Getsêmani, dirigindo-se a uma ponte que ali atravessa a torrente Cedron. Jesus, indo com os Apóstolos ao monte das Oliveiras, não passara por esta ponte, mas atravessara o Cedron por outra ponte, mais para o sul, tomando um atalho pelo vale de Josafá. A ponte sobre a qual foi conduzido pelos soldados, era muito comprida, porque não estendia somente sobre o leito do Cedron, que ali passa perto do monte, mas também a alguma distância, sobre os terrenos desiguais do vale, formando uma estrada calçada, transitável.
Antes do cortejo chegar à ponte, vi Jesus cair duas vezes por terra, pelos arrancos cruéis que os soldados davam nas cordas. Chegando, porém, no meio da ponte, praticaram ainda maior crueldade. Empurraram o pobre Jesus amarrado, a quem seguravam pelas cordas, da ponte, que ali tinha a altura de um homem, ao leito do Cedron e insultaram-nO ainda, dizendo que aí bebesse à vontade. Foi só por proteção divina que o Redentor não se feriu mortalmente. Caiu sobre os joelhos e depois sobre o rosto, que se teria machucado gravemente no leito, que tinha pouca água, se Ele não o tivesse protegido, estendendo as mãos ligadas. Essas não estavam mais amarradas no cinto; não sei se foi por assistência divina ou se os soldados mesmos lhas desamarraram.
As marcas dos joelhos, pés, cotovelos e dedos do Salvador imprimiram-se, pela vontade de Deus, no lugar em que tocaram, no fundo rochoso; mais tarde eram veneradas pelos cristãos. Hoje não se crê mais em tais efeitos; mas vi muitas vezes, em visões históricas, tais impressões feitas em rochas pelos pés, joelhos e mãos de patriarcas e profetas, de Jesus, da SS. Virgem e de outros santos. As rochas eram menos duras e mais crentes do que os corações dos homens e deram, em tais momentos, testemunho da impressão que a verdade sobre elas fez.
Eu não tinha visto Jesus beber durante as graves angústias no monte das Oliveiras, apesar da veemente sede; depois, porém, quando o empurraram no Cedron, eu O vi beber penosamente e recitar a passagem profética do salmo que fala em “beber do ribeiro ao lado do caminho”. (Sal. 109,7).
Os soldados que ficaram na ponte, seguravam Jesus sempre pelas cordas e porque lhes era demasiadamente dificultoso puxá-Lo para cima e como a muralha na outra banda impedia que Jesus atravessasse o ribeiro, voltaram para trás, para o começo da ponte, arrastando Jesus através do Cedron; ali desceram à margem e puxaram-nO de costas, pela ribanceira acima. Esses miseráveis empurraram então ao pobre Jesus pela segunda vez, sobre a longa ponte, arrastando e arrancando-O para frente, cobrindo-O de insultos e maldições, empurrões e pancadas. A longa túnica de lã, ensopada de água, caia-Lhe pesada sobre os ombros; movia-se com dificuldade e no outro lado da ponte caiu de novo por terra. Levantaram-nO aos arrancos, batendo-Lhe com as cordas nodosas, arregaçaram-Lhe no cinto o vestido molhado, entre vis escárnios e insultos; falaram, por exemplo, de arregaçar a veste, para matar o cordeiro pascal e zombarias semelhantes.
Ainda não era meia noite, quando vi Jesus caminhar, empurrado desumanamente pelos soldados, entre pragas e pancadas, sobre o pedregulho cortante e pedaços de rochas, através de cardos e espinheiros. O caminho passava para o outro lado do Cedron; era estreito e já muito estragado e havia atalhos paralelos a ele, ora mais acima, ora mais abaixo. Os seis malvados fariseus ficavam onde o caminho o permitia, sempre perto de Jesus; cada um tinha na mão um instrumento de tortura, uma vara curta, com ponta aguda, com a qual Lhe batiam ou, empurrando-O, picavam.
Nos lugares por onde Jesus andava, com os pés descalços e sangrentos, sobre as pedras cortantes, por urtigas e espinheiros, arrastado pelos soldados, que andavam nas veredas mais cômodas do lado, o coração terno do pobre Jesus ainda era ferido pelo malicioso escárnio dos seis fariseus, que diziam, por exemplo: “Aqui o teu precursor, João Batista, não te preparou um bom caminho”. ou: “Aqui não se cumpre a palavra do profeta Malaquias: “Eis aí mando o meu Anjo e ele preparará o caminho diante de ti”; ou: “Porque não ressuscita Ele a João Batista, para preparar-Lhe o caminho?” Tais palavras escarnecedoras daqueles miseráveis, acompanhadas de risadas impertinentes dos outros, instigavam também os soldados a afligirem Jesus com novas crueldades.
Tendo arrastado o Senhor por algum tempo, notaram que diversos homens se avistavam ao longe, segundo o cortejo, pois, à notícia da prisão de Jesus, vieram muitos discípulos de Betfagé e de outros esconderijos, para ver o que sucedia ao Mestre. À vista disso, começaram os inimigos de Jesus a recear que aqueles homens pudessem agredí-los e libertar o preso; fizeram por isso sinais na direção do arrabalde de Ofel, gritando que lhes mandassem reforço, como antes tinham combinado.
O cortejo tinha ainda um caminho de alguns minutos até a porta que, mais ao sul do Templo, conduzia, através de um arrabalde pequeno, ao monte Sião, onde moravam Anás e Caifás, quando vi sair dessa porta um pelotão de 50 soldados, para reforçar a guarda de Jesus. Marcharam em três grupos: o primeiro de dez, o último de quinze homens; esses contei, o do meio tinha, portanto, 25.
Traziam diversas lanternas e avançavam muito barulhentos e impertinentes, dando gritos altos, como para anunciar a sua vinda aos soldados do cortejo e dar-lhes os parabéns pela vitória. Aproximaram-se com grande vozeria. No momento em que o primeiro grupo se juntou ao cortejo de Jesus, vi Malco e alguns outros da retaguarda aproveitarem a desordem, para se afastarem furtivamente, dirigindo-se de novo ao monte das Oliveiras.
Quando esse destacamento saiu ao encontro do outro cortejo, à luz das lanternas e com grande gritaria, dispersaram-se os discípulos que tinham aparecido nos arredores. Vi, porém, a SS. Virgem e nove mulheres, impelidas pelo medo, virem de novo ao vale de Josafá. Estavam com ela, Marta, Madalena, Maria, filha de Cleofas, Maria Salomé, Maria Marcos, Suzana, Joana Chusa, Verônica e Salomé.
Estavam ao sul de Gestsêmani, defronte daquela parte do monte das Oliveiras, onde há outra gruta, na qual Jesus, em outras ocasiões, costumava rezar. Vi com elas também Lázaro, João Marcos, como também o filho de Verônica e de Simeão. Esse estivera também com os oito Apóstolos em Getsêmani e passara no meio dos soldados em tumulto. Trouxeram a notícia às santas mulheres. Nesse momento ouviram a gritaria e avistaram as lanternas das duas tropas, que se encontraram. A SS. Virgem perdeu então os sentidos, caindo nos braços das companheiras, que se retiraram com ela a certa distância, para, depois de passado o cortejo, levá-la à casa de Maria Marcos.
Preparativos dos inimigos de Jesus.
Anás e Caifás tinham imediatamente recebido notícia da prisão de Jesus. Em suas casas estava tudo em pleno movimento. As salas dos tribunais estavam iluminadas e todas as respectivas entradas e passagens guardadas; os mensageiros percorriam a cidade, para convocar os membros do Conselho, os escribas e todos quantos tinham voto no tribunal. Muitos, porém, já estavam reunidos com Caifás, desde a hora da traição de Judas, para esperar o resultado.
Foram também chamados os anciãos das três classes de cidadãos. Como os fariseus, saduceus e herodinos de todas as partes do país, tinham chegado para a festa a Jerusalém, já havia alguns dias e tendo sido combinado havia muito tempo, entre eles e o Sinédrio, a prisão de Jesus, foram chamados também entre eles os mais ferozes inimigos do Salvador (Caifás tinha uma lista com os nomes de todos); receberam a ordem de juntar, cada um no seu meio, todas as provas e testemunhas contra o Senhor e de trazê-las ao tribunal.
Estavam, porém, reunidos em Jerusalém todos os fariseus e saduceus e outra gente malvada de Nazaré, Cafarnaum, Tirza, Gabara, Jotapata, Silo e outros de lugares, aos quais Jesus tinha dito tantas vezes a verdade crua, cobrindo-os de vergonha e confusão, diante de todo o povo; estavam todos cheios de ódio e raiva e cada um foi então procurar alguns patifes, entre os peregrinos conterrâneos, que moravam em acampamentos separados, conforme as várias regiões; subornaram-nos com dinheiro, para agitarem contra Jesus e O acusarem.
Mas, fora algumas evidentes mentiras e calunias, não sabiam proferir senão aquelas acusações, a respeito das quais Jesus os reduzira enumeráveis vezes ao silêncio nas sinagogas.
Todos esses homens reuniram-se pouco a pouco no tribunal de Caifás e mais toda a multidão de inimigos de Jesus, entre os orgulhosos fariseus e escribas e toda e escórcia mentirosa de seus partidários em Jerusalém. Havia já alguns dos mercadores, furiosos porque Jesus os expulsara do Templo, muitos doutores vaidosos que Ele fizera emudecer no Templo, diante do povo e talvez ainda houvesse alguns que não Lhe podiam perdoar tê-los convencidos de erros quando, menino de doze anos, ensinara pela primeira vez no Templo.
Entre os inimigos de Jesus ali reunidos havia pecadores impenitentes, que Ele não quisera curar da doença, pecadores reincidentes, que depois da cura, de novo adoeceram; jovens vaidosos, que o Mestre não aceitara como discípulos; caçadores de heranças, furiosos por Ele ter dividido entre os pobres tantos bens que esperavam possuir; criminosos, cujos camaradas convertera; libertinos e adúlteros, cujas amantes reconduzira ao caminho da virtude; homens que já se rejubilavam de herdar riquezas, cujos proprietários foram por Ele curados da doença; e muitos vis aduladores, capazes de toda a maldade, muitos instrumentos de Satanás, cujos corações odiavam tudo quanto era santo e, portanto, mais ainda, o santo dos santos.
Essa escória de uma grande parte do povo judaico, reunida para a festa, foi posta em movimento, excitada pelos inimigos principais de Jesus e afluía de todos os lados ao palácio de Caifás, para acusar falsamente de todos os crimes ao verdadeiro Cordeiro pascal de Deus, que tomara sobre si os pecados do mundo; vinham manchá-Lo com os efeitos dos pecados que tomara sobre si, suportando e expiando-os.
Enquanto esse lodo do povo judaico se agitava, para enlamear o Salvador Imaculado, aproximavam-se também muitas pessoas piedosas e amigos de Jesus, acordados pelo tumulto e entristecidos pela terrível notícia; não estavam iniciados nas intenções secretas dos inimigos, e quando ouviam e choravam, eram enxotados, quando se calavam, olhavam-nos de canto.
Outros, mais fracos, em intencionados e outros meio convencidos, se escandalizavam ou caiam em tentações, duvidando de Jesus. O número dos que ficaram firmes na fé, não era grande; aconteceu como ainda acontece hoje, que muitos querem ser bons cristãos, enquanto lhes convém, mas que se envergonham da cruz onde ela não é bem vista. Já no principio, porém, muitos se retiraram abatidos e calados; pois estavam enjoados do processo injusto, da acusação infundada, dos insultos e ultrajes vis e revoltantes e também comovidos pela paciência resignada do Salvador.
Uma vista geral sobre a Situação em Jerusalém àquela hora
Terminadas as numerosas cerimônias e orações, tanto públicas como particulares, acabados os preparativos para a festa, a vasta cidade populosa e os extensos acampamentos dos peregrinos pascais, nos arredores, estavam mergulhados em profundo sono e descanso, quando veio a notícia da prisão de Jesus, excitando tanto inimigos como amigos do Senhor.
De todos os pontos da cidade se põem em movimentos os convocados pelos mensageiros do Sumo Sacerdote. Correm, aqui ao claro luar, acolá à luz de lanternas, pelas ruas de Jerusalém, as quais de noite, pela maior parte, estão escuras e desertas; pois em geral se passa a vida das famílias nos pátios interiores, para onde também dão as janelas. Todos aqueles homens caminham para Sião, de cuja eminência brilha a luz das lanternas e ressoa grande vozeria. Ouve-se ainda, cá e lá, bater às portas dos vestíbulos para acordar os dormentes.
Em muitas partes da cidade há tumulto, barulho e gritaria; abrem-se as portas aos que batem, pergunta-se que há e obedece-se à ordem de ir a Sião. Curiosos e criados seguem, para trazer depois notícias dos acontecimentos aos que ficam em casa. Ouve-se o fechar de portas e o puxar barulhento de ferrolhos e trancas. O povo é medroso e receia uma agitação. Cá e lá saem pessoas das casas, pedindo informações a conhecidos que passam ou esses entram apressadamente em casa de amigos; ou vem-se aí muitas conversas maliciosas, como em semelhantes ocasiões, também hoje em dia, são bastante comuns, dizem, por exemplo: “Agora Lázaro e a irmã vão ver com quem travaram amizade. Joana Chusa, Suzana, Maria, mãe de João Marcos e Salomé arrepender-se-ão do procedimento que tiveram. Como deve agora Seráfia se humilhar diante do marido, Sirah, que tantas vezes a tem censurado por causa das relações com o Galileu! Todo o bando dos partidários deste agitador fanático olhava com compaixão para os que não os acompanhavam, mas agora muitos não saberão onde se esconder.
Agora não se apresenta ninguém que lhe estenda mantos e véus ou ramos de palmeira sob os pés do jumento. Esses hipócritas, que sempre querem ser melhores do que os outros, bem merecem cair agora na suspeita, pois todos estão implicados na causa do Galileu. Isto tem raízes mais longas do que se pensa. Eu queria saber como Nicodemos e José de Arimatéia se hão de haver; há muito que se desconfia deles, dão-se muito com Lázaro, mas são uns espertos. Agora há de esclarecer-se tudo, etc”. Desse modo se ouve falar muita gente, que tem ódio contra certas famílias, especialmente contra aquelas mulheres que creram em Jesus e desde então lhe manifestaram publicamente a fé.
Em outras partes o povo recebe as notícias de maneira mais digna; alguns se assustam e outros choram sozinhos ou procuram ocultamente um amigo que pense como eles, para desafogar o coração. Poucos, porém, se atrevem a manifestar compaixão franca e resolutamente.
Não é, porém, em toda a cidade que reina a excitação, mas apenas onde os mensageiros levam a chamada para o tribunal, onde os fariseus procuram as falsas testemunhas e especialmente no entroncamento das ruas que conduzem a Sião. É como se em diferentes partes de Jerusalém se alumiassem faíscas de fúria e raiva que, correndo pelas ruas, se tinissem a outras que encontrassem e, cada vez mais forte e densas, se derramassem finalmente, como um rio lúgubre de fogo, no tribunal de Caifás sobre Sião. Em algumas partes da cidade reina ainda silêncio, mas também ali já começa a pouco o alarme.
Os soldados romanos não tomam parte; mas os guardas estão reforçados e as tropas reunidas; observam atentamente o que acontece. Nos dias da Páscoa estão sempre muito quietos, por causa do grande concurso do povo, mas ao mesmo tempo sempre prontos e de sobreaviso. O povo que percorre as ruas, evita os pontos onde estão os guardas; pois contraria muito aos judeus farisaicos ter de responder ao grito da sentinela. Os Sumos Sacerdotes certamente informaram antes a Pilatos o motivo porque ocuparam Ofel e uma parte de Sião com os seus soldados; mas eles desconfiam uns dos outros. Pilatos também não dorme; recebe informações e dá ordens. A esposa está deitada no leito, dormindo profundamente, mas está inquieta, geme e chora, como opressa por pesadelos; dorme, mas aprende muitas coisas, mais do que Pilatos.
Em nenhuma parte da cidade se manifesta tanta compaixão como em Ofel, entre os pobres escravos do Templo e os jornaleiros que habitam essa colina. A dolorosa nova surpreendeu-os tão repentinamente, no meio da noite silenciosa; a crueldade despertou-o do sono: aí passara o santo Mestre, o benfeitor que os curara e consolara, passara como uma horrível visão noturna, ferido e maltratado; depois se lhes concentrou novamente a compaixão na Mãe dolorosa de Jesus, passando pelo meio deles, com as companheiras.
Ai! Que espetáculo triste, a Mãe dilacerada pela dor e as amigas de Jesus, obrigadas a percorrer as ruas, inquietas e tímidas, à hora insólita da meia noite, refugiando-se de uma casa amiga à outra! Diversas vezes se vêm obrigadas a esconder-se num canto das casas, para deixar passar um grupo de impertinentes; outras vezes são insultadas como mulheres notívagas; freqüentemente ouvem ditos maliciosos dos transeuntes, raras vezes uma palavra de compaixão para com Jesus. Chegadas afinal ao abrigo, caem abatidas por terra, chorando e torcendo as mãos, todas igualmente desconsoladas e sem forças; sustentam ou abraçam umas as outras, ou sentam-se, em dor silenciosa, apoiando sobre os joelhos a cabeça velada.
Batem à porta, todas escutam em silêncio e medo; batem devagar e timidamente: não é um inimigo; abrem com receio: é um amigo ou um criado de um amigo de seu Senhor e Mestre; rodeiam-no, pedindo notícias e ouvem falar de novos sofrimentos; a compaixão não as deixa ficar em casa, saem de nova à rua, para se informar, mas voltam sempre com crescente tristeza.
A maior parte dos apóstolos e discípulos andam vagando medrosos pelos vales em redor de Jerusalém e escondem-se nas cavernas do monte das Oliveiras. Cada um se assusta à aproximação do outro; pedem notícias em voz baixa e cada ruído de passos lhes interrompem as tímidas conversas. Mudam freqüentemente de paradeiro e separadamente se aproximam de novo da cidade. Outros procuram, furtivamente, conhecidos entre os conterrâneos peregrinos, nos acampamentos, para pedir informações ou mandam-nos à cidade, para trazerem notícias. Outros sobem ao monte das Oliveiras, espiando inquietos o movimento das lanternas e escutando o barulho de Sião, interpretam tudo de mil diferentes modos e descem de novo ao vale, para ter qualquer informação certa.
O silêncio da noite é cada vez mais interrompido pelo barulho em torno do tribunal de Caifás. Essa região é iluminada pela luz das lanternas e dos archotes. Nos arredores da cidade ressoa o mugido dos numerosos animais de carga ou de sacrifício, que tantos peregrinos de fora trouxeram para os acampamentos; como ressoa inocente e comovedor o balir desamparado e humilde dos inumeráveis cordeiros, que amanhã hão de ser imolados no Templo! Mas um só é imolado, porque Ele mesmo quis e não abre a boca, como a ovelha que é conduzida ao matadouro; e como um cordeiro, que emudece diante de quem o tosa, assim se cala o Cordeiro pascal, puro e sem mancha, - Jesus Cristo.
Sobre todo esse quadro se estende um céu sinistro e singularmente impressionante: a lua caminha ameaçadora, escurecida por estranhas manchas; dir-se-ia estar alterada e horrorizada, como se tivesse medo de tornar-se cheia, pois nessa ocasião Jesus já estará morto. Fora da cidade porém, no íngreme vale de Hinon, anda vagando Judas Iscariotes, o traidor, - incitado pelo demônio, chicoteado pela consciência, fugindo da própria sombra, solitário, sem companheiro, em lugares malditos e sem caminhos, em pântanos lúgubres, cheios de lixo e imundícies; milhares de espíritos maus andam por toda a parte, desnorteando os homens e impelindo-os ao pecado.
O inferno está solto e incita todos ao pecado: o fardo pesado do Cordeiro aumenta. A raiva de Satanás multiplica-se, semeando desordem e confusão. O Cordeiro tem sobre si todo o fardo; Satanás, porém, quer o pecado e pois que não cai em pecado esse justo, a quem em vão tentou seduzir, quer pelo menos que os inimigos que O perseguem, pereçam no pecado.
Os Anjos, porém, vacilam entre tristeza e alegria; desejariam suplicar diante do trono de Deus a permissão de socorrer a Jesus, mas só podem admirar e adorar o milagre da justiça e misericórdia divina, que já existia, desde a eternidade, no Santíssimo do céu e começa a realizar-se agora no tempo, pois também os Anjos crêem em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do Céu e da terra e em Jesus Cristo, um só seu Filho, Nosso Senhor, o qual foi concebido do Espírito Santo, nasceu de Maria Virgem, que esta noite começará a padecer, sob o poder de Pôncio Pilatos, que amanhã será crucificado, morto e sepultado; que descerá aos infernos, ressurgirá dos mortos ao terceiro dia, que subirá ao céu, onde se sentará à mão direita de Deus Pai Todo-Poderoso e de onde há de vir e julgar os vivos e os mortos pois também eles crêem no Espírito Santo, na Santa Igreja Católica, na Comunhão dos Santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne e na vida eterna. Amém.
Tudo isto é apenas uma pequena parte das impressões que necessariamente enchiam um pobre coração pecador de dilacerante angustia, contrição, consolação e compaixão quando, em busca de alívio, se lhe desviava o olhar da cruel prisão do Salvador e se dirigia sobre Jerusalém, nessa hora da meia noite, a mais solene de todos os tempos, na qual a infinita justiça e a misericórdia infinita de Deus, encontrando-se, abraçando-se penetrando-se uma a outra, iniciaram a santíssima obra do amor de Deus e dos homens: castigar e expiar os pecados dos homens no Homem-Deus pelo Homem-Deus.
Tal era a situação geral, quando o nosso querido Salvador foi conduzido à casa de Anás.
Jesus diante de Anás
Cerca de meia noite chegou Jesus ao palácio de Anás e foi conduzido, pelo átrio iluminado, á grande sala que tinha o tamanho de uma pequena Igreja. No fundo, em frente à entrada, estava sentado Anás, rodeado de 28 conselheiros, num terraço, sob o qual podia passar, pelo lado. Em frente havia uma escada, interrompida por patamares, que conduzia a esse tribunal de Anás, no qual se entrava por uma porta própria, do fundo do edifício.
Jesus, cercado ainda por uma parte dos soldados que o prenderam, foi puxado pelos soldados alguns degraus da escada para cima e seguro pelas cordas. A outra parte da sala foi ocupada por soldados e gentalha, judeus que insultam Jesus, criados de Anás, e parte das testemunhas reunidas por este que depois se apresentaram em casa de Caifás.
Anás estava esperando impacientemente a chegada de Jesus: tudo nele revelava ódio, malícia e crueldade. Era então presidente de um certo tribunal e reunira ali a junta da comissão, que tinha a tarefa de velar pela pureza da doutrina e de exercer o ofício de procurador geral no tribunal do Sumo Sacerdote.
Jesus estava em pé diante de Anás, calado, de cabeça baixa, pálido, cansado, com as vestes molhadas e enlameadas, as mãos amarradas, seguro com cordas pelos soldados. Anás, velho malvado, magro, com pouca barba, cheio de impertinência e de orgulho farisaico, sorria hipocritamente, como se não soubesse de nada e se admirasse de ser Jesus o preso que lhe haviam anunciado.
O discurso enfadonho com que recebeu Jesus, não sei repetí-lo com as mesmas palavras, mas era mais ou menos o seguinte: “Olá! Jesus de Nazaré! És tu? Onde estão então os teus discípulos, os teus numerosos aderentes? Onde está o teu reino? Parece que tudo saiu muito diferente do que pensavas! Acabaram agora as injúrias; esperávamos pacientemente até que estivesse cheia a medida das tuas blasfêmias, dos teus insultos aos sacerdotes e violações do Sábado. Quem são os teus discípulos? Onde estão? Agora te calas? Fala, agitador e sedutor do povo? Já comeste o cordeiro pascal de modo insólito, à hora e em lugar fora de costume. Queres introduzir uma nova doutrina? Quem te deu o direito de ensinar? Onde estudaste? Qual é a tua doutrina, que excita a todos? Responde, fala! Qual é a tua doutrina”?
Então levantou Jesus a cabeça fatigada e, fitando Anás, disse: “Tenho falado em público, diante de todo o mundo, em lugares onde todos os judeus costumam reunir-se. Não tenho dito nada em segredo. Porque me perguntas a mim? Pergunta àqueles que me ouviam, eles sabem o que tenho falado”.
Como o rosto de Anás, a essas palavras de Jesus, manifestasse ódio e raiva, um esbirro infame, miserável e adulador, que estava ao lado de Jesus e que o percebeu, bateu, com a mão de ferro, na boca e face de Nosso Senhor, dizendo: “Assim é que respondes ao Sumo Pontífice?” – Jesus, abalado pela veemência da pancada e arrancado e empurrado pelos soldados, caiu sobre a escada de lado e o sangue escorreu-lhe do rosto; a sala retumbou de escárnio, murmúrio, insultos e risadas. Levantaram Jesus com brutalidade e Ele disse calmamente: “Se falei mal, mostra-me em que; se eu disse a verdade, porque me feres?”
Anás, enfurecido pela calma de Jesus, convidou todos os presentes a dizer, como Ele próprio queria, o que dEle tinham ouvido, o que ensinava. Seguiu-se então uma grande vozeria e gritaria daquele populacho: Ele disse que era rei, que era Filho de Deus, que os fariseus eram adúlteros; Ele agitava o povo, curava no sábado, com auxílio do demônio; o povo de Ofel rodeava-O como dementes, chamava-O seu Salvador e Profeta; Ele se deixava chamar Filho de Deus; Ele mesmo se dizia enviado por Deus, chamava a maldição sobre Jerusalém, falava da destruição da cidade, não guardava o jejum, percorria o país seguido de multidões de povo, comia com ímpios, pagãos, publicanos e pecadores, levava em sua companhia mulheres de má vida, havia pouco tinha dito em Ofel que daria a quem lhe deu água a beber, água da vida eterna e ele não teria mais sede; seduzia o povo com palavras equivocas, desperdiçava o bem alheio, pregava ao povo muitas mentiras sobre seu reino e muitas outras coisas.
Todas essas acusações foram proferidas ao mesmo tempo, numa grande confusão. Os acusantes avançavam para Jesus, lançando-Lhe em rosto essas acusações, acompanhadas de insultos e os soldados empurravam-nO para cá e para lá, dizendo: “Fala! Responde!” Anás e os conselheiros tomavam também parte, gritando-lhe, com riso sarcástico: “Ora, agora ouvimos a tua doutrina. É boa! Que respondes? É essa então a tua doutrina pública? O país está cheio dela. Aqui não tens nada que dizer? Porque não ordenas? Oh, rei? Oh, enviado de Deus, mostra a tua missão?”
A cada uma dessas exclamações dos superiores, seguiam-se arrancos, empurrões e insultos da parte dos soldados e de outros que estavam próximo, que todos de boa vontade teriam imitado o que Lhe batera na face.
Jesus cambaleava de um lado para o outro e Anás disse-lhe, com impertinência insultante: “Quem és? Que espécie de rei ou enviado? Eu julgava que fosses o filho de um marceneiro obscuro. Ou és acaso Elias, que foi levado ao Céu num carro de fogo? Dizem que ele ainda vive. Sabes também te tornar invisível, assim escapaste muitas vezes. Ou és por acaso Malaquias? Sempre tens feito gala com esse profeta, interpretando-lhe as palavras como se falasse de ti mesmo. Anda também a respeito dele um boato, que não tinha pai, que era um Anjo e não morreu; boa oportunidade para um embusteiro fazer-se passar por ele. Dize, que espécie de rei és? És maior do que Salomão? Esta é também uma afirmação tua. Está bem, não te quero privar mais tempo do título de teu reino”.
Anás mandou, pois, trazer uma tira de pergaminho, de ¾ de côvado de comprimento e da largura de três dedos, pô-la sobre uma tabuinha, que seguravam diante dele e escreveu com uma pena de caniço uma série de letras grandes, cada uma das quais continha uma acusação contra o Senhor. Enrolou-a depois e pô-la numa pequena cabaça, fechando esta com uma rolha e amarrando-a a um caniço, mandou entregar-Lhe esse certo irrisório e dirigiu-Lhe, com riso satírico, algumas palavras, como: “Eis aqui o cetro de teu reino; contém todos os teus títulos, dignidades e direitos. Leva-os ao Sumo Sacerdote, para que conheça a tua missão e o teu reino e te trate como convém à tua posição. Amarrai-Lhe as mãos e levai este rei ao Sumo Sacerdote”.
Então amarravam de novo as mãos de Jesus, que antes tinham desligado, cruzando-lhas sobre o peito e pondo nelas o cetro afrontoso, que continha as acusações de Anás. Assim conduziram o Senhor, entre risadas, insultos e brutalidades, da grande sala de Anás para a casa de Caifás.