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A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Jesus por nosso amor quis desde o princípio de sua vida sofrer as penas de sua Paixão.

 

1. Para fazer-se amar do homem foi que o Verbo divino veio ao mundo tomar a natureza humana. Veio com tão grande desejo de sofrer por nosso amor, que não quis perder um só momento em dar começo a seus tormentos, ao menos pela apreensão.

 

Apenas concebido no ventre de Maria, já se representou em espírito todos os tormentos de sua Paixão e para nos obter o perdão e a graça divina se ofereceu ao Padre Eterno para satisfazer por nós, sujeitando-se a todas as penas e castigos devidos a nossos pecados. Deste esse instante começou a padecer tudo o que depois veio a sofrer na sua dolorosa morte.

 

Ah! meu amorosíssimo Redentor, e eu até agora que fiz ou que padeci por vós? Se durante mil anos suportasse por vós os tormentos sofridos pelos mártires, seria ainda pouco em comparação daquele só primeiro momento em que vos oferecestes e começastes a padecer por mim.

 

2. Os mártires sofreram de fato grandes dores e ignomínias, mas unicamente na ocasião de seu martírio. Jesus padeceu sempre, desde os tormentos de sua Paixão, já que, desde o primeiro momento, se pôs diante dos olhos toda a cena horripilante dos tormentos e das injúrias que devia receber dos homens. Por isso ele, por boca do profeta, disse: Minha dor está sempre à minha vista (Sl 37,18). Ah! meu Jesus, vós por meu amor vos mostrastes tão desejoso de padecer, que quisestes sofrer antes do tempo e eu sou tão ávido de prazeres da terra. Quantos desgostos vos dei para satisfazer o meu corpo! Senhor, pelos méritos de vossos padecimentos, tirai-me o afeto aos prazeres terrenos. Eu proponho por vosso amor abster-me de tal satisfação (nomeai-a).

 

3. Deus, por compaixão conosco, não nos revela antes do tempo os sofrimentos que nos estão preparados. Se a um réu condenado à forca fosse revelado desde o uso da razão o suplício que o esperava, poderia ele ter um só dia de alegria? Se, desde o começo de seu reinado, fosse mostrada a Saul a espada que o deveria traspassar; se Judas previsse o laço que deveria sufocá-lo, quão amarga não lhes seria a vida!

 

Nosso amável Redentor, desde o primeiro instante de sua vida, tinha diante dos olhos os açoites, os espinhos, a cruz, os ultrajes da sua paixão, a morte dolorosa que o esperava. Quando via as vítimas que eram sacrificadas no templo, sabia muito bem que todas elas eram figura do sacrifício que esse Cordeiro imaculado deveria consumar no altar da cruz.

 

Quando via a cidade de Jerusalém, sabia que aí deveria sacrificar sua vida num mar de dores e de vitupérios. Quando olhava para sua querida Mãe, já a imaginava agonizante ao pé da cruz, junto a si moribundo. E assim, meu Jesus, a vista horrível de tantos males em toda a vossa vida vos afligiu sempre e vos atormentou antes do tempo de vossa morte. E vós aceitastes tudo e sofrestes por meu amor.

 

4. Somente a vista de todos os pecados do mundo, especialmente dos meus, ó meu aflito Senhor, com os quais já prevíeis que eu vos havia de ofender, fez que a vossa vida fosse a mais aflita e penosa de todas as existências passadas e futuras. Mas, ó meu Deus, em que lei bábara está escrito que um Deus ame tanto uma criatura e que depois disso a criatura viva sem amar o seu Deus, antes o ofenda e desgoste? Fazei, Senhor, que eu conheça a grandeza de vosso amor, para que não vos seja mais ingrato. Ó meu Jesus, se eu vos amasse, se eu vos amasse deveras, quão doce me seria o padecer por vós.

 

5. À Sóror Madalena Orsini, que já há longo tempo vivia atribulada, apareceu uma vez Jesus na cruz, e a animou a sofrer com paciência.

 

A serva de Deus respondeu:

 

Mas, Senhor, vós só por três horas estivestes pregado na cruz e eu já há mais anos sofro este tormento.

 

Repreendendo-a, disse-lhe Jesus Cristo:

 

“Ah! ignorante, que dizes? Eu, desde o primeiro instante em que me achei no seio de minha Mãe, sofri no coração tudo aquilo que mais tarde tolerei na cruz”.

 

E eu, meu caro Redentor, à vista de tantos tormentos que durante toda a vossa vida sofrestes por meu amor, como posso lamentar-me das cruzes que vós me enviais para meu bem? Agradeço-vos haver-me remido com tanto amor e com tanta dor. Vós, para animar-me a sofrer com paciência as penas desta vida, quisestes vos encarregar de todos os nossos males.

 

Ah! Senhor, fazei que tenha sempre presentes as vossas dores, para que eu aceite e deseje sempre padecer por vosso amor.

 

6. “Grande como o mar é vossa dor” (Lm, 2,13). Como as águas do mar são salgadas e amargosas, assim a vida de Jesus foi toda cheia de amarguras e falta de todo o alívio, como ele mesmo disse a S. Margarida de Cortona. Além disso, como no mar se reúnem todas as águas da terra, assim em Jesus Cristo se reuniram todas as dores dos homens.

 

Pela boca do Salmista ele mesmo o afirma: “Salvai-me, ó meu Deus, porque as águas entraram até a minha alma; cheguei ao alto mar e a tempestade me submergiu” (Sl 68,1).

 

Ah! meu caro Jesus, meu amor, minha vida, meu tudo, se eu contemplo exteriormente o vosso corpo, nada mais vejo senão chagas. Se penetro em vosso coração desolado, não encontro senão amarguras e opróbrios, que vos causam mortais agonias.

 

Ah! meu Senhor, quem, além de vós, que sois uma bondade infinita, se sujeitaria a padecer tanto e morrer por uma criatura vossa? Mas, porque vós sois Deus, amais como Deus, com um amor que não pode ser comparado com nenhum outro amor.

 

7. S. Bernardo diz: Para remir o escravo, o Pai não poupou a seu Filho e o Filho não se poupou a si mesmo (Serm. de pass. Dom.).

 

Ó caridade infinita de Deus: de um lado o Padre Eterno impôs a Jesus Cristo satisfazer por todos os pecados dos homens (Is 53,6) e doutro lado, Jesus, para salvar os homens da maneira mais amorosa possível, quer tomar sobre si a pena que era devida à divina justiça em todo o seu rigor, do que conclui S. Tomás que ele se submeteu a todas as dores e a todos os ultrajes em sumo grau.

 

Por essa razão, Isaías o chama o homem das dores e o mais desprezado de todos os homens (Is 53,3). E com razão, porque enquanto Jesus era atormentado em todos os membros e sentidos do corpo, sofria ainda maiores tormentos em todas as potências de sua alma, visto que as penas interiores superam imensamente todas as dores externas.

 

Ei-lo, pois, dilacerado, exangue, tratado como enganador, mágico, doido abandonado por seus próprios amigos e finalmente perseguido por todos até findar sua vida sobre um infame patíbulo.

 

8. Sabeis o que eu fiz para vós (Jo 13,12).

 

Senhor, eu sei quanto fizestes e padecestes por meu amor, e vós sabeis que até agora nada fiz por vós. Meu Jesus, ajudai-me a sofrer qualquer coisa por amor de vós, antes de me atingir a morte. Eu me envergonho de aparecer diante de vós, mas não quero ser mais aquele ingrato que tenho sido para convosco há tantos anos. Vós vos privastes de todo o prazer por mim; eu renuncio por vosso amor a todos os prazeres dos sentidos. Vós sofrestes tantas dores por mim; eu quero sofrer por vós todas as penas de minha vida e minha morte.

 

Vós fostes abandonado e eu consinto em ser abandonado por todos, para que vós não me abandoneis, meu único e sumo bem. Vós fostes perseguido e eu aceito toda sorte de perseguições. Vós finalmente morrestes por mim e eu quero morrer por vós. Ah! meu Deus, meu tesouro, meu amor, meu tudo, eu vos amo, dai-me mais amor.

 

Fonte: Livro A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. (Santo Afonso Maria de Ligório.)