As condições da oração
I – Por quem e o que devemos pedir
1. As condições da oração
Jesus Cristo fez-nos a seguinte promessa: “Em verdade, em verdade vos digo: se pedirdes alguma coisa a meu Pai, em meu nome, Ele vo-la dará” (Jo 16, 23)
Muitos, diz São Tiago, pedem e não recebem, porque pedem mal: “Pedis e não recebeis porque pedis mal” (Tg 4, 3)
São Basílio, explicando as palavras do Apóstolo, diz: “Pedes e não recebes, porque tua oração foi mal feita ou sem fé, sem devoção ou desejo: ou porque pediste coisa que não se referia à tua salvação eterna, ou pediste sem perseverança”.
Por isso Santo Tomás reduziu a quatro as condições requeridas na oração, para que obtenham o seu fruto: isto é, que o homem peça para si, coisas necessárias à salvação, com devoção e com perseverança.
2. A primeira condição da oração é que rezemos por nós mesmos
Pois o Doutor Angélico julga que ninguém pode impetrar para outros, como mérito de justiça, a vida eterna e por conseguinte também as graças necessárias para a salvação deles, porque a promessa, diz ele, foi feita, não para os que rezam para outros, mas os que rezam para si mesmos: Dar-se-vos-á.
Não obstante, há muitos doutores que afirmam o contrário, apoiados na autoridade de São Basílio, que ensina ter a oração infalivelmente o seu efeito, ainda que se reze pelos outros, contanto que esses não oponham uma resistência positiva. Estes escritores se baseiam sobre textos das Sagradas Escrituras: “Orai uns pelos outros, para serdes salvos, porquanto muito vale a oração perseverante do justo” (Tg 5, 16) “Rezai pelos que vos perseguem e caluniam” (Mt 5, 44)
O melhor texto é de São João: “Se alguém vir seu irmão cometer um pecado, que não é de morte, peça e será concedida a vida àquele, cujo pecado não é de morte” (1 Jo 5. 16)
As palavras: Cujo pecado não é de morte, Santo Agostinho, Beda, Ambrósio e outros, explicam que se devem entender do pecador, que não quer viver obstinado até a morte; pois, para tal pecador seria necessário uma graça muito extraordinária. Quanto aos outros pecadores, que não atingiram um grau tão alto de maldades, se alguém rezar por eles, promete-lhe o Apóstolo, a conversão deles: “Peça e será dada a vida ao pecador”.
3. As orações pelos outros mormente pelos pecadores, são muito agradáveis a Deus
Não se duvida, entretanto, que as orações que fazemos pelos outros, mormente pelos pecadores, sejam muito agradáveis a Deus. O Senhor queixa-se de seus servos, que não rezam pelos pecadores. Um dia, lamentava- se Nosso Senhor a Santa Maria Madalena de Pazzi, a quem disse: “Vede, minha filha, como caem os cristãos nas mãos do demônio; se os meus escolhidos não os livrassem por suas orações, seriam tragados por ele”.
De um modo todo especial, porém, Nosso Senhor deseja e exige isso dos sacerdotes e religiosos. Por isso, dizia muitas vezes a santa às suas religiosas: “Irmãs, Deus nos separou do mundo, não somente para fazermos bem a nós mesmas, mas também para procurarmos aplacar a sua ira contra os pecadores”.
Falou-lhe, uma vez, o Senhor: "Eu vos dei, a vós, esposas escolhidas, a cidade de refúgio, (isto é, a Paixão de Jesus Cristo), para que tenhais onde recorrer para ajudar minhas criaturas; por isso, recorrei a ela e ali oferecei auxílio às minhas criaturas que perecem: sacrificai mesmo a vossa vida por elas”
Pelo que a santa, inflamada de santo zelo, oferecia a Deus, cinquenta vezes por dia, o sangue do Redentor pelos pecadores e se consumia em desejos pela sua conversão, dizendo: “Que pena, Senhor! Como sinto ver que posso ajudar às tuas criaturas com o sacrifício de minha vida e, contudo, não poder realiza-lo!”
Ela, em todos os exercícios de piedade, recomendava os pecadores a Deus; e em sua vida se conta que não passava uma hora do dia em que não pedisse por eles. Frequentemente levantava-se à meia-noite e se dirigia à igreja, onde estava o Santíssimo Sacramento, para rezar pelos pecadores. Apesar de tudo isso, foi encontrada, uma vez, a chorar e, interrogada do motivo das lágrimas, respondeu:“Porque parece-me que nada faço pela conversão dos pecadores”.
Chegou até a se oferecer a padecer as penas do eterno pela conversão deles, contanto que lá não tivesse de odiar a Deus. Frequentes vezes conseguiu ser atormentada de graves dores e enfermidades pela salvação dos pecadores. Rezava especialmente pelos sacerdotes, vendo que estes, com uma vida exemplar, seriam causa da salvação de muitos e com uma vida má levariam grande número à ruína e perdição. Pedia a Nosso Senhor que a castigasse pelas culpas deles e dizia:“Senhor, fazei-me morrer tantas vezes e tornar à vida, até satisfazer para eles à vossa justiça”…
Em sua vida, conta-se que a santa, por suas orações, libertou de fato muitas almas das garras de Satanás.
4. Rezemos muito pela conversão dos pecadores!
Quis propositadamente dizer alguma coisa mais particular sobre o zelo desta santa. Enfim, todas as almas que amam sinceramente a Deus não cessam de rezar pelos pobres pecadores. E como é possível que uma pessoa que ama a Deus, vendo o amor que tem às almas e o que fez e sofreu por elas Nosso Senhor Jesus Cristo e o desejo que tem o Salvador de que rezemos pelos pecadores, como é possível, digo, ver indiferente tantas almas vivendo sem Deus, feitas escravas do inferno e não se mover e se esforçar por pedir com insistência ao Senhor, queira conceder luzes e energias a estes infelizes, para saírem do estado perdido em que se acham?
É certo que Deus não prometeu atender-nos, quando aqueles por quem rezamos se opõem à conversão. Entretanto, Nosso Senhor, por bondade e em atenção às orações de seus servos, dignou-se reconduzir ao caminho da salvação mesmo os pecadores mais obcecados e obstinados. Por isso, recomendemos sempre a Deus os pobres pecadores ao celebrarmos a santa Missa, na comunhão, na meditação e na visita ao Santíssimo Sacramento.
Diz um ilustre escritor que, rezando pelos outros, seremos atendidos mais prontamente do que quando rezamos por nós mesmos. Disse isso de passagem. Examinemos as outras condições da oração, segundo Santo Tomás.
5. A segunda condição
É que peçamos as graças necessárias à salvação; porque a promessa divina não foi dada para os bens temporais, que não são necessários à salvação da alma. Diz Santo Agostinho, explicando as palavras do Evangelho, em meu nome, acima citadas, que “não se pede em nome do Salvador o que é contrário aos interesses de nossa salvação”.
6. Motivos porque Deus muitas vezes parece não nos atender
Às vezes, pedimos algumas graças temporais e Deus não nos atende; mas não nos atende, porque nos ama, diz o mesmo Doutor, e quer usar de misericórdia para conosco: “Quem pede a Deus humilde e confiadamente coisas necessárias para esta vida, ora é ouvido por misericórdia e ora não é atendido por misericórdia; pois, do que o doente tem necessidade, melhor sabe o médico do que o doente”.
O médico que se interessa pelo doente nunca permitirá coisas que lhe possam fazer mal.
Quantos, se fossem pobres ou doentes, não cometeriam os pecados que cometem sendo ricos e sadios! Por isso o Senhor nega a alguns que lhe pedem, a saúde do corpo ou os bens da fortuna. Porque os ama, vendo que isso lhes seria ocasião de perderem a sua graça, ou ao menos de se entibiarem na vida espiritual. Contudo, não queremos dizer com isso que seja uma falta pedir a Deus as coisas necessárias à vida presente, contanto que estejam em relação com a salvação eterna, como pediu o sábio: “Dai-me, Senhor, unicamente o que for necessário para viver” (Pr 30, 8).
Não é uma falta, diz Santo Tomás, ter um cuidado moderado por esta, coisas; proibido é desejar e procurar estes bens como principais e ter por eles um cuidado demasiado, como se formassem toda a nossa felicidade. Quando pedirmos a Deus bens temporais, devemos pedi-los com resignação e sob a condição de aproveitarem à alma. Se vemos que o Senhor não os concede, tenhamos por certo que os nega pelo amor que nos tem e porque prevê que vão prejudicar à salvação de nossa alma.
7. Quando Deus não nos atende é sempre para nosso maior bem
Muitas vezes pedimos a Deus que nos livre de alguma tentação perigosa e Deus não nos atende e permite que a tentação continue. Nesse caso, devemos entender que Deus assim permite para nosso maior bem. Não são as tentações e maus pensamentos que nos afastam de Deus, mas sim o consentimento dado. Quando a alma tentada se recomenda a Deus e, com o seu auxílio, resiste aos ataques de seus inimigos, progride na virtude e une-se mais estreitamente a Ele. Esta é a razão porque o Senhor deixa de atendê-la. São Paulo pedia insistentemente ao Senhor que o livrasse das tentações impuras:
“Permitiu Deus que sentisse em minha carne um estímulo, que é o anjo de Satanás, para me esbofetear; por cuja causa roguei ao Senhor três vezes, que o afastasse de mim” (2Cor 12, 7)
Mas o Senhor respondeu: “Basta-te a minha graça”.
Devemos, pois, nas tentações pedir a Deus com resignação, dizendo: Senhor, livrai-me deste tormento, se assim for conveniente para minha salvação: senão, dai-me ao menos o auxílio para resistir-lhe.
Devemos lembrar aqui o que diz São Bernardo, que, quando pedimos a Deus alguma graça, Ele nos dá a graça pedida ou outra melhor. Deus muitas vezes nos deixa sofrer no meio da tempestade, a fim de provar a nossa fidelidade e para o nosso maior proveito. Parece, então, surdo às nossas orações. Não! Estejamos seguros de que Deus nos ouve e nos ajuda ocultamente, dando-nos forças para resistirmos aos assaltos dos inimigos. Isto Ele nos assegura por boca do Salmista: “Na tribulação me invocaste e te livrei: eu te ouvi no escondido da tempestade; provei-te junto à água da contradição” (Sl 80, 8).
8. Condições dadas por Santo Tomás
Finalmente eis as outras condições que Santo Tomás exige para a oração: Que se reze com devoção e perseverança. Com devoção, quer dizer, com, humildade e confiança; com perseverança, quer dizer, sem deixar de rezar até a morte.
Destas condições, pois, da humildade, confiança e perseverança, que são as mais necessárias à oração, importa falar de cada uma distintamente.
II – A humildade com que se deve rezar
9. Deus ouve a oração dos humildes e repele a dos orgulhosos
O Senhor atende as orações dos seus servos, mas dos servos humildes: “O Senhor atendeu a oração dos humildes” (Sl 101, 18)
Onde falta humildade, Deus não atende, pelo contrário, repele as orações dos soberbos. “Deus resiste aos soberbos e dá a sua graça aos humildes” (Tg 4, 6)
Deus não ouve as orações dos soberbos, que confiam na própria força e por isso abandona-os à sua miséria. Em tal estado, privados do auxílio divino, perder-se-ão certamente. Chorava Davi: “Antes de ser humilhado, pequei” (Sl 118, 67), pequei, porque não fui humilde. O mesmo se deu com São Pedro, o qual, apesar de avisado por Nosso Senhor de que naquela noite os seus discípulo, o abandonariam: “a todos vós serei eu nesta noite ocasião de escândalo” (Mt 26, 2), em vez de reconhecer sua fraqueza e pedir forças ao Senhor para não lhe ser infiel, confiando demasiadamente em si mesmo, disse que ainda que todos os outros o abandonassem, ele nunca o abandonaria: “Ainda que todos se escandalizem a teu respeito, eu nunca me escandalizarei” (Mt 26, 33).
E, não obstante o Redentor lhe predizer, de novo e em particular que, naquela noite, antes que o galo cantasse, o negaria três vezes, confiando em seu valor, gabou-se dizendo: “Ainda que seja necessário morrer eu contigo, não te negarei” (Mt 26, 35).
Mas apontado como discípulo conhecê-lo: “Juro que não conheço tal homem” (Mt 26. 72).
Se Pedro se houvesse humilhado e pedisse ao Senhor a graça da constância, não o teria negado.
10. Sem a graça, nada podemos fazer de meritório
Devemos todos imaginar que estamos sobre as alturas de um monte, suspensos sobre o abismo de todos os pecados e sustentados apenas pelo fio da oração; se este fio se arrebentar, cairemos certamente neste abismo e cometeremos os crimes mais horrorosos.
“Se Deus não me tivesse ajudado, já teria caído no inferno” (Sl 93, 17)
Assim falava o salmista e assim deve dizer cada um de nós. O mesmo queria dizer São Francisco de Assis, quando dizia ser ele o maior pecador do mundo. Mas, meu padre, disse-lhe o companheiro, não é verdade o que dizeis. Existem muitos no mundo, que são piores do que vós. É verdade, meu irmão, respondeu o santo, porque se Deus não tivesse sobre mim sua mão protetora, eu cairia em todos os pecados.
11. Trabalha em vão aquele que trabalha sem Deus
É um dogma de fé que, sem a graça de Deus, não podemos fazer obra meritória alguma, nem tão pouco ter um bom pensamento. Sem a graça, diz Santo Agostinho, não podem os homens fazer bem algum, quer por pensamentos, quer por palavras ou obras. Como os olhos não podem ver sem luz, assim o homem não pode fazer o bem sem a graça, diz o santo. E, antes, disse o Apóstolo: “Não que sejamos capazes, nós mesmos, de ter algum pensamento como de nós mesmos; mas a nossa capacidade vem de Deus” (2Cor 3, 5)
E, ainda antes do Apóstolo, disse Davi: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalharão os que procuram construí-la” (Sl 126, 1)
Em vão se esforça o homem em se fazer santo, se Deus não o amparar com o seu poder.
“Se o Senhor não guardar a cidade, inutilmente se desvela o seu vigia”
Se Deus não preservar a alma do pecado, em vão procurará ela fugir dele com suas próprias forças. Por isso, exclamava o profeta Davi: “Não esperei no meu arco” (Sl 43, 7)
Pois não quero confiar em minhas armas, mas unicamente em Deus, porquanto só Ele pode salvar-me.
12. Pela graça de Deus, sou o que sou
Quem achar que fez algum bem, e que não caiu em maiores pecados, diga com São Paulo: “Pela graça de Deus, sou o que sou” (1Cor 15, 10)
Pela mesma razão, não deixe o homem de tremer e recear cair em todas as ocasiões.
“Quem está de pé, veja que não caia” (1Cor 10, 12)
Com isto, quer São Paulo advertir-nos que está em grande perigo de cair, quem se julga seguro. Em outro lugar, diz: “Quem julga ser alguma coisa, não sendo nada, engana-se” (Gl 6, 3)
Muito sabiamente escreveu Santo Agostinho: “Muitos, sendo fracos, não se fortificam, porque se julgam fortes; só os que se sentem fracos serão fortes”
Quem diz que não tem medo de si próprio prova que confia em si mesmo e em suas resoluções, mas, com esta confiança perniciosa, engana-se. Quem diz que não tem medo, não receia mais e, não receando, não reza mais; então, errará certamente.
Não devemos desprezar os outros por terem caído e nós não; pelo contrário, quando virmos outros caírem, julguemos que somos piores de todos, e digamos ao Senhor: Se não me tivésseis ajudado, Senhor, eu teria feito pior ainda. De outro modo, permitirá Deus, por causa de nosso orgulho, que cometamos pecados maiores ainda. Por isso avisa-nos o Apóstolo que procuremos a nossa salvação eterna. Mas como? Sempre temendo e tremendo.
“Com medo e tremor, operai a vossa salvação” (FI 2, 12)
Com o temor e tremor, pois quem vive em temor e cuidando para não cair, desconfia de suas próprias forças e põe toda a sua confiança em Deus, recorrendo a Ele nos perigos. Deus o ajudará, vencerá as tentações e salvar-se-á. São Felipe Neri, passando um dia pelas ruas de Roma, exclamava: “Sou um desesperado”.
Um religioso, que ouviu estas palavras, perguntou-lhe porque falava daquele modo: O santo respondeu: “Meu padre, eu desespero, sim, mas de mim mesmo”.
Este deve ser o nosso modo de agir, se quisermos nos salvar. É necessário que tenhamos uma completa desconfiança de nós mesmos. São Felipe, desde o primeiro momento em que despertava pela manhã, dizia a Deus: “Senhor, protegei- me hoje, senão eu Vos traireie o venderei!”
13. Eis a grande ciência do cristão
Diz Santo Agostinho, conhecer que nada é e nada pode! Assim, nunca deixará de pedir a Deus a força necessária para resistir às tentações e para fazer o bem, e fará tudo com o auxílio de Deus, que não repele nenhuma súplica dos humildes.
“A oração do que se humilha penetrara as nuvens e não se afastará até que o Altíssimo ponha nela os seus olhos” (Eclo 35, 21 )
E por mais carregada que esteja uma alma de pecados. Deus não pode desprezar um coração que se humilha.
“Não desprezarás, ó Deus, um coração contrito e humilhado” (Sl 50, 12)
“Deus resiste aos soberbos e dá sua graça aos humildes” (Tg 4, 6)
Deus é severo com os soberbos e resiste às suas súplicas; benigno, porém, e misericordioso com os humildes. Um dia, falou Nosso Senhor a Santa Catarina de Sena:“Saibas, filha, que toda alma que perseverar humildemente na oração, chegará a conseguir todas as virtudes”.
14. Bela advertência de monsenhor Palafox
É de utilidade citar aqui uma bela advertência de monsenhor Palafox, piedosíssimo bispo de Osma, às pessoas piedosas que procuram santificar-se, em sua anotação à 18a carta de Santa Teresa ao seu confessor.
Ali conta-lhe a Santa todos os degraus de oração sobrenatural com que o Senhor lhe havia favorecido. A este propósito, o mencionado prelado prescreve que estas graças sobrenaturais, que Deus se dignou conceder à Santa Teresa e tem concedido a outros santos, não são necessárias para alcançar a santidade, porque muitas outras almas chegaram à santidade sem estas graças extraordinárias e até há muitas que, apesar de terem recebido aquelas graças, estão condenadas. Portanto, diz ser coisa supérflua e presunçosa desejar e pedir tais dons sobrenaturais, quando o verdadeiro e único caminho para a santidade é o exercício de todas as virtudes, especialmente do amor de Deus: e a isto se chega por meio da oração e pela correspondência às luzes e aos auxílios de Deus, o qual outra coisa não quer senão a nossa santificação. “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1Ts 4, 3).
15. Os diversos graus da oração e como alcançá-los
Por isso, o referido autor, falando dos graus da oração sobrenatural, de que tratava a santa, a saber: da oração de repouso, do sono e da suspensão das faculdades da alma, da união, do êxtase, do arrebatamento, do voo e ímpeto de espírito e da chaga espiritual, sabiamente escreve e diz que, quanto à oração de repouso, o que devemos desejar e pedir a Deus é que nos livre do apego e desejo dos bens terrenos, os quais não dão paz, mas, sim, trazem aflições e inquietações ao espírito. Bem falou Salomão: “Vaidade das vaidades, tudo é vaidade!” (Eclo 1, 14)
O coração do homem jamais encontrará a verdadeira paz, senão livrando-se de tudo o que não é de Deus, para dar lugar ao seu santo amor, para que Ele só o possua. Mas a alma por si própria não pode alcançar isso, mas unicamente por meio de repetidas orações.
Quanto ao sono e suspensão das faculdades da alma, devemos pedir a Deus que estas faculdades durmam para as coisas terrenas e só estejam acordadas para considerar a divina bondade, para aspirar ao amor divino e aos bens eternos.
Quanto à oração da união, devemos pedir a Deus a graça de não pensar, de não procurar e de não querer senão o que Deus quer, pois que toda a santidade e perfeição do amor consiste em conformar-se a nossa vontade com a vontade de Deus.
Quanto ao êxtase e ao arrebatamento, peçamos a Deus que nos livre do amor desregrado de nós mesmos e das criaturas, para nos atrair todos a si.
Quanto ao voo do espírito, roguemos a Deus a graça de vivermos desapegados do mundo e de fazermos como as andorinhas, que, nem mesmo para se alimentar, param no chão e voando tomam o seu alimento. Isto quer dizer que devemos nos servir destes bens temporais tanto quanto for necessário à vida, mas sempre voando, sem nos determos sobre a terra para procurar os prazeres mundanos.
Quanto ao ímpeto do espírito, peçamos a Deus que nos dê coragem e fortaleza para fazermos violência a nós mesmos, quando for necessário, a fim de resistir aos assaltos dos inimigos, vencer as paixões e abraçar o sofrimento no meio de desconsolações e tédios do espírito.
Enfim, quanto à chaga do amor, assim como a chaga com sua dor sempre renova a recordação do mal, do mesmo modo devemos pedir a Deus que nos fira o coração de tal sorte com o seu santo amor, a fim de que nos recordemos sempre de sua bondade e do seu afeto para conosco e assim vivamos ocupados sempre em amá-Lo e agradecer-Lhe com as nossas ações e afetos. Mas todas essas graças não se obtêm sem a oração; e com a oração, contanto que seja humilde, confiante e perseverante, tudo se alcança.
III – A confiança com que devemos rezar
16. “Peça com fé e sem hesitação alguma!”
Admoesta-nos o Apóstolo São Tiago que, se quisermos alcançar alguma graça de Deus, por meio da oração, devemos fazê-lo com plena confiança e convicção de que vamos ser atendidos. Santo Tomás ensina que, assim como a oração tem a sua força meritória da caridade, do mesmo modo tem a eficácia de impetrar-nos as graças da fé e confiança. A oração tem seu valor meritório da caridade; porém, a eficácia e virtude de impetrar graças tem da fé e confiança. O mesmo ensina São Bernardo, dizendo que só a nossa confiança é que nos obtém a misericórdia de Deus.
“Só a confiança, ó Senhor, nos obtém a vossa comiseração”
Agrada sumamente a Deus a nossa confiança em sua misericórdia, porque assim honramos e exaltamos aquela sua infinita bondade que Ele quis manifestar ao mundo nos criando. Alegrem-se, pois, ó meu Deus, dizia o real profeta, todos os que esperam em Vós, pois que, eles serão eternamente bem-aventurados e Vós eternamente habitareis com eles: “Alegrem-se todos aqueles que esperam em Vós; exultarão eternamente e Vós habitareis neles” (Sl 5, 12)
Deus protege e salva a todos os que confiam nele. Salva os que esperam nele. Quantas promessas não se encontram nas Escrituras feitas aos que esperam em Deus!
“Todos os que nele esperam não pecarão” (Sl 33, 23)
Sim, porque diz Davi que o Senhor tem os seus olhos voltados para os que confiam em sua bondade, a fim de libertá-los, com o seu auxilio, da morte do pecado. E cm outro lugar, o próprio Deus afirma: “Porquanto em mim esperou, livrá-lo-ei, protegê-lo-ei… livrá-lo-ei e glorificá-lo-ei” (Sl 90, 14-15)
Note-se a palavra: porquanto em mim confiou, protegê-lo-ei, livrá-lo-ei dos inimigos e do perigo de cair e finalmente dar-lhe-ei a glória eterna. Falando Isaías dos que esperam no Senhor, diz: “Os que esperam no Senhor terão sempre forças novas, tomarão asas como de águia, correrão e não se fatigarão, andarão e não desfalecerão” (Is 40, 31 ).
“Deixarão de ser tão fracos e adquirirão em Deus uma grande força; não desfalecerão, nem sequer sentirão fadiga no caminho da salvação, mas correrão e voarão como águias” (Is 40, 31)
Vossa fortaleza está no silêncio e na esperança. Em suma, toda a nossa força, diz o mesmo Profeta, consiste em colocarmos toda a nossa confiança em Deus e em nos calarmos, quer dizer, em repousarmos nos braços de sua misericórdia, sem confiar cm nossos esforços e nos meios humanos.
17. Jamais se perdeu quem confiou em Deus
Baseado nesta esperança tinha Davi por certo que nunca se perderia.
“Ninguém esperou no Senhor que fosse confundido” (Eclo 2, 1 l) “Em vós, Senhor, esperei; não serei confundido eternamente” (Sl 30, 1).
Porventura, pergunta Santo Agostinho, poderá Deus enganar-nos oferecendo-se para sustentar-nos nos perigos quando a Ele recorremos, e, depois, retirando-se de nós, quando, de fato recorremos a Ele? Davi chama bem-aventurado a quem confia no Senhor: “Bem-aventurado é o homem, que espera em Vós” (Sl 83, 13).
E por que? Porque, diz o Profeta, quem confia em Deus será sempre cercado pela misericórdia divina: “Ao que espera no Senhor, a misericórdia o cercará” (Sl 31, 10).
Sim, de tal modo será cercado de todos os lados e guardado por Deus que ficará seguro dos inimigos e do perigo de perder-se.
18. “Confiemos em Deus!”
Conservemos a confiança nele, diz o Apóstolo, porque assim poderemos esperar uma grande recompensa. Assim como for a nossa confiança, do mesmo modo serão as graças de Deus.
“Uma grande confiança merece grandes coisas”.
Escreve São Bernardo que a divina misericórdia é uma fonte imensa; e nós apanhamos as graças com os vasos da confiança; quem vier com um vaso maior poderá tirar maior número de graças.
“Só nos vasos da confiança o Senhor deita o azeite de sua misericórdia”
E, já antes, dissera o Profeta: “Venha, Senhor sobre nós a vossa misericórdia, assim como temos esperado!” (Sl 32, 22).
Isto vemos realizado com o centurião, a quem o Redentor disse, louvando a sua confiança: “Vai e te seja feito assim como creste”’ (Mt 8. 13).
Revelou Nosso Senhor à Santa Gertrudes que, “quem reza com confiança, faz tanta violência ao seu coração que o obriga a atender a tudo quanto pede”. “A oração, diz São João Clímaco, faz violência a Deus, mas uma violência que lhe é cara e agradável”.
19. “Aproximemo-nos com confiança”!
“Aproximemo-nos, exorta São Paulo, com confiança, do trono da graça a fim de alcançarmos misericórdia e de acharmos graça, para sermos socorridos oportunamente” (Hb 4, 16).
O trono da graça é Jesus Cristo, que está assentado a direita do Pai, não sobre um trono de justiça, mas de graça, para nos obter o perdão, se estivermos em estado de pecado, e o auxílio necessário para perseverarmos, se estivermos na amizade de Deus. Para este trono devemos nos dirigir sempre com confiança, isto é, com aquela confiança, inspirada pela fé, na bondade e fidelidade de Deus, o qual prometeu atender a quem O invocasse com confiança, mas com uma confiança firme e certa.
Quem, ao contrário, reza com uma confiança vacilante, não pense que alcançará alguma coisa, como afirma São Tiago: “Aquele que duvida é semelhante à onda do mar, que é agitada e levada de uma parte para outra pela violência dos ventos; não pense esse homem, que há de receber alguma coisa de Deus” (Tg 1, 6.7)
Não receberá nada, porquanto a sua dúvida entre confiança e desconfiança impedirá a misericórdia divina de ouvir as suas súplicas.
“Não rezaste bem, como devias, porque rezando duvidaste, diz São Basílio; não recebeste a graça porque a pediste duvidando”
Disse Davi que a nossa confiança deve ser inabalável como uma montanha, que não se move a qualquer sopro do vento: “O que confia no Senhor está firme como o monte de Sião” (Sl 123, 1 ).
O Senhor nos adverte que se quisermos obter as graças que pedimos, devemos fazê-lo com fé: “Todas as coisas que pedirdes orando, crede que as recebereis, e que assim vos sucederá” (Mc 11, 24)
Qualquer que for a graça que pedirdes, estai certos que sereis atendidos.
20. Qual é o fundamento desta confiança?
Mas, dirá alguém, em que posso eu, miserável, fundamentar esta minha confiança certa de obter o que peço? Em que coisa? Na promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Pedi e recebereis” (Jo 16, 24)
Quem poderá recear de ser enganado, se é a própria Verdade quem o promete? — diz Santo Agostinho. Como podemos duvidar de sermos atendidos, quando Deus, a própria Verdade, promete conceder-nos o que pedimos na oração? “Não nos admoestaria a pedir, diz o mesmo santo Doutor, se não nos quisesse ouvir”.
Mas, é isto o que Ele tanto nos inculca e tantas vezes repete na Sagrada Escritura: “Pedi, orai, buscai e obtereis tudo quanto desejardes”. Pedireis tudo o que quiserdes e ser-vos-á feito.
E para rezarmos com a devida confiança, ensina-nos o Salvador na oração do Pai Nosso que, ao recorrermos a Deus, a fim de recebermos as graças necessárias para nossa salvação, as quais estão todas no Pai Nosso, chamemos a Deus, não de Senhor, mas de Pai: Pai, nosso. Quer que peçamos a Deus as graças com a mesma confiança que um filho doente e pobre pede o alimento e o remédio a seu pai. Se um filho está para morrer de fome, o pai logo o socorrerá e se for mordido de uma serpente venenosa, basta mostrá-la ao pai para que ele aplique o remédio que já tem preparado.
21. Esperemos contra a esperança!
Confiados, pois, nas diversas promessas, peçamos sempre com uma confiança inabalável, como diz o Apóstolo: “Conservemos firmes a promessa da nossa esperança, porque fiel é o que fez a promessa” (Hb 10, 23).
Portanto, como é certo que Deus é fiel em suas promessas, assim também certa deve ser a confiança de sermos atendidos por Ele, quando o invocarmos. E, ainda que, às vezes, ou por nos acharmos em estado de aridez espiritual, ou por estarmos perturbados com qualquer falta cometida, não sintamos na oração aquela confiança sensível que tanto desejávamos; contudo esforcemo-nos por pedir e não por deixar de pedir, porquanto Deus não deixará de nos atender.
Mas nos ouvirá mais depressa, porque então rezaremos com maior desconfiança de nós e confiaremos só na bondade e fidelidade de Deus que prometeu atender a quem o invocar. Oh! como é agradável a Nosso Senhor a nossa esperança no tempo de tribulações, temores e tentações, quando esperamos contra a esperança, quer dizer, contra aquele sentimento de desconfiança causado por nossa desolação. O Apóstolo elogia o patriarca Abraão com as seguintes palavras: “Creu na esperança, contra toda a esperança” (Rm 4, 18).
22. A confiança nos torna santos
Diz São João que quem confiar incondicionalmente em Deus se torna santo. “E todo o que tem esta esperança nele, santifica-se a si mesmo, assim também como Ele é santo” (1Jo 3, 3)
É porque Deus derrama fartamente suas graças sobre todos os que nele confiam. Com esta confiança, tantos mártires, tantas virgens, tantas crianças, apesar dos horríveis tormentos infligidos pelos tiranos, saíram vencedores.
Às vezes, pedimos e parece que Deus não quer ouvir-nos, mas não deixemos, então, de pedir e de esperar. Digamos, então, como Jó: “Mesmo que Deus me tirasse a vida, eu esperaria nele” (Jó 13, 15)
Meu Deus, ainda que me expulsásseis de vossa presença, não deixaria de pedir-vos e de esperar em vossa misericórdia. Façamos assim e obteremos de Nosso Senhor tudo o que quisermos. Assim fez a mulher cananéia e obteve tudo de Jesus. Esta mulher tinha uma filha atormentada pelo demônio e pediu a Nosso Senhor que a livrasse: “Tem compaixão de mim, pois minha filha está atormentada pelo demônio” (Mt 15, 22)
Nosso Senhor respondeu-lhe que não fora enviado para os gentios, mas, sim, para os judeus. Não desanimou a mulher e tornou a pedir com confiança: “Senhor, Vós podeis consolar-me e Vós haveis de me consolar: Senhor, ajudai-me”
Jesus replicou: “Não é bom tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cães” “Mas, Senhor meu, acrescentou ela, também os cachorrinhos comem das migalhas da mesa dos donos”
Então o Salvador, vendo a grande confiança dessa mulher, louvou-a e concedeu-lhe a graça dizendo: “Ó mulher, grande é a tua fé; faça-se contigo como desejas!” “E quem, diz o Eclesiástico, quem jamais invocou o auxilio de Deus e Deus o desprezou e não o socorreu? Quem o invocou e foi por Ele desprezado?” (2, 12).
23. “A oração é uma chave que nos abre as portas do céu”
Diz Santo Agostinho, que “a oração é uma chave, que nos abre as portas do céu”. No mesmo momento, em que a nossa oração sobe para Deus, desce para nós a graça pedida. Escreveu o real Profeta que as nossas súplicas andam sempre ao lado da misericórdia divina:“Bendito seja Deus, que não rejeitou a minha oração, nem apartou a sua misericórdia de mim” (Sl 65, 20)
Diz por isso o mesmo Santo Agostinho que quando estamos rezando, podemos estar certos de que estamos sendo atendidos.
“Quando vires que tua oração não se apartou de ti, podes estar certo de que tão pouco a misericórdia divina se afastou de ti”.
E eu, quanto a mim, falo a verdade e confesso que me sinto mais consolado no espírito, e nunca sinto maior confiança em salvar-me do que quando rezo e me recomendo a Deus. O mesmo penso que sentem todos os fieis, pois todos os outros sinais de salvação que temos, são incertos e falíveis. Mas que Deus atende quem o invoca com confiança é verdade certa e infalível, como é infalível a verdade que Deus não pode faltar às suas promessas.
24. “Tudo posso naquele que me conforta”
Quando nos sentirmos fracos e incapazes de vencer qualquer tentação ou qualquer dificuldade em observar os mandamentos do Senhor, animemo-nos, dizendo com o Apóstolo: “Tudo posso naquele que me conforta” (Fl 4, 13)
Não imitemos os que dizem: “não posso, não tenho ânimo”. É certo que nada podemos de nós mesmos, mas, com o auxilio divino, podemos tudo. Se Deus dissesse a alguém: “Toma aquele monte sobre teus ombros e carrega-o. Eu te ajudarei”.
Não seria um insensato quem respondesse: não tenho forças para carregá-lo? Do mesmo modo, quando nos sentimos fracos e enfermos, combatidos por muitas tentações, não percamos o ânimo e levantemos os olhos a Deus e digamos com Davi: “O Senhor é meu amparo, desprezarei os meus inimigos” (Sl 117, 6)
Com o auxilio de Deus desprezarei e vencerei todos os meus inimigos. E quando estivermos em perigo de ofender a Deus, ou em outra grave necessidade, e confusos não soubermos o que fazer, recomendemo-nos a Nosso Senhor, dizendo: “o Senhor é a minha luz e a minha salvação; a quem temerei?” (Sl 26, 1)
E fiquemos certos de que Deus nos esclarecerá e nos preservará de todo o mal.
25. “Mas sou pecador”, dizem alguns
E na Escritura leio: “Deus não ouve os pecadores”.
Responde Santo Tomás com Santo Agostinho: “Esta palavra foi dita pelo cego de nascimento, quando não estava ainda bastante esclarecido, e por isso não tem valor”.
Acrescenta Santo Tomás que estas palavras encerram uma grande verdade: trata-se do pecador, que reza com o desejo de continuar a pecar; por exemplo, se pedisse a Deus auxílio para se vingar de um inimigo, ou para fazer qualquer outra coisa má. O mesmo se entende do pecador que pede a Deus a sua salvação, sem nenhum desejo de sair do pecado.
Há de fato alguns que armam laços com que o demônio os prende como escravos. As orações destes não são atendidas por Deus, porque são orações temerárias e abomináveis. Não é uma temeridade pedir graças a um príncipe, a quem não só já se ofendeu, como também se pensa em ofender futuramente? Neste sentido devemos compreender o que disse o Espírito Santo que a oração daquele que não quer propositadamente ouvir o que Deus manda é aborrecida e detestável: “Daquele que desvia os seus ouvidos para não ouvir a lei, a oração será execrável” (Pr 28, 9)
A esses, diz Nosso Senhor: Podeis rezar quanto quiserdes, afastarei de vós os meus olhos e não vos atenderei:“Quando estenderdes vossas mãos, afastarei de vós os meus olhos e quando multiplicardes as vossas orações, não vos atenderei” (Is 1, 15)
Tal foi a oração do ímpio rei Antíoco, que pedia a Deus e prometia grandes coisas mas hipocritamente, tendo o seu coração preso ao pecado; rezava só para evitar o castigo que estava iminente e por isso Nosso Senhor não ouviu os seus rogos e permitiu que ele fosse comido por vermes e morresse de uma morte desgraçada. Este malvado rezava, mas não podia receber misericórdia.
26. Outros pecam por fraqueza, ou por um ardente assalto da paixão
Outros que pecam por fraqueza, ou por um ímpeto de alguma paixão e gemem sob o jugo do inimigo, desejando romper aquelas cadeias de morte e sair daquela miserável escravidão, rezam e pedem o auxílio de Deus; a oração deles, se for constante, será atendida por Deus: “Todo o que pede, recebe, e quem busca acha” (Mt 7, 8); todo, isto é, (como explica o autor da “Obra imperfeita”), tanto o justo como o pecador.
No evangelho de São Lucas, Nosso Senhor fala do homem que deu todos os pães que tinha, ao amigo, não tanto por amizade, mas para se ver livre da importunação, e diz:“Se o outro perseverar em bater, digo-vos, ainda que ele não se levante para dar-lhe os pães, por ser seu amigo, pelo menos vai se levantar por causa da amolação. E vai dar tudo o que o amigo precisa. Por isso, vos digo: Pedi e dar-se-vos-á; buscai e achareis, batei e abrir-se-vos-á” (Lc 11, 8).
A oração constante obtém misericórdia de Deus, mesmo para os que não são seus amigos.
“O que não se alcança pela amizade, diz São João Crisóstomo, alcança-se pela oração”.
O mesmo santo chega a dizer: “A oração vale mais diante de Deus do que a amizade”
São Basílio não duvida de que os pecadores obtenham o que pedem, contanto que peçam com perseverança. O mesmo diz São Gregório: “Clame o pecador a Deus e a Ele chegará a sua oração”.
São Jerônimo escreve que também o pecador pode chamar a Deus de seu pai, se lho pede para que o aceite de novo por filho, a exemplo do filho pródigo, que, antes de pedir perdão, chamou-o com o nome de pai: “Pai, pequei”. Se Deus não atendesse os pecadores, diz Santo Agostinho, em vão teria o publicano pedido perdão, dizendo: “Tende, Senhor, piedade de mim, pecador!”
Mas, o próprio Evangelho nos afirma que ele obteve o perdão: “Este voltou justificado para sua casa” (Lc 18, 14).
27. Deus ouve a oração dos pecadores.
Quem tratou esta questão mais detalhadamente foi Santo Tomás e ele não hesita em dizer que também o pecador é atendido, quando reza. O santo afirma que a oração do pecador, embora não seja meritória, tem não obstante a virtude de impetrar graças, porque a concessão de graças não vem da justiça, mas da bondade de Deus: “O merecer depende da justiça, o impetrar depende da bondade de Deus”.
Justamente neste sentido pedia Daniel:“Inclinai, meu Deus, vosso ouvido e escutai, porque prostrando-nos em terra diante de vossa face, não fazemos estas deprecações fundados em algum merecimento de nossa justiça, mas na multidão de vossas misericórdias” (Dn 9, 18).
Quando oramos, diz Santo Tomás, para obtermos as graças que pedimos, não é necessário sermos amigos de Deus: “A própria oração nos torna seus amigos”.
Uma bela razão traz São Bernardo, dizendo que esta súplica do pecador, de poder sair do pecado, provém do desejo de voltar à graça de Deus. Se Deus, diz o Santo, inspira ao pecador tal desejo, é um sinal de que o quer atender: “Para que daria Deus um tal desejo, se não o quisesse atender?”
Na Escritura há muitos exemplos de pecadores, que se converteram pela oração. Assim, livrou-se do pecado o rei Acab, assim Manassés, assim Nabucodonosor, assim também o bom ladrão. Ah! como é grande e poderosa a oração! Dois pecadores no alto do Calvário morrem, ao lado de Jesus. Um se salva porque reza, outro se perde porque não reza!
28. Nenhum pecador arrependido pediu ao Senhor benefícios, sem receber o que desejava
“Nenhum pecador arrependido pediu ao Senhor benefícios, sem receber o que desejava”, diz São João Crisóstomo. Mas, para que alegar mais razões e autoridades, desde que o próprio Jesus Cristo disse: “Vinde a mim todos os que trabalhais e vos achais carregados e eu vos aliviareis” (Mt 11, 28)
Segundo São Jerônimo, Santo Agostinho e outros, “carregados” são geralmente os pecadores que gemem sob o peso de suas culpas. Se recorrem a Deus, Ele, conforme sua promessa, os salvará, com o auxílio de sua graça.
“Tu não desejas tanto o perdão de teus pecados, quanto Deus deseja perdoar-te”, diz, São João Crisóstomo. Não há graça, acrescenta o mesmo Santo, que não se obtenha pela oração ainda que feita pelo pecador mais miserável, contanto que seja confiante e assídua. Notemos bem o que diz São Tiago: “Se alguém necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a concede generosamente a todos, sem impropérios” (Tg 1, 5)
Todos quantos recorrem a Deus pela oração, são atendidos por Ele e cumulados de graças. A todos dá liberalmente. Mas, consideremos bem as palavras “sem impropérios”. Isto quer dizer que Deus não faz como os homens: Quando alguém nos pede um favor, se fomos ofendidos antes, censuramos a injúria recebida. Deus não procede desta forma com quem o invoca, ainda que fosse o maior pecador do mundo. Quando ele lhe pede qualquer graça necessária à salvação, não o acusa das ofensas feitas, mas o recebe como se nunca tivesse sido ofendido por ele, consola-o, atende-o e prodigamente o enriquece de dons.
29. Rezemos, rezemos muito!
Foi principalmente para nos incitar a rezar que o Redentor disse: “Em verdade, em verdade, vos digo: se pedirdes alguma coisa a meu Pai em meu nome, Ele vo-la dará” (Jo 16. 23).
É como se dissesse: ó pecadores, não desanimeis: que os vossos pecados não vos detenham de recorrer a meu Pai e esperar dele a vossa salvação! Não tendes merecimentos, mas deméritos. Aproximai-vos do Pai em meu nome e impetrai as graças desejadas pelos merecimentos. Eu vos prometo e juro (“em verdade, em verdade”, palavras que, segundo Santo Agostinho, são uma espécie de Juramento), que meu Pai vos concederá tudo quanto pedirdes.
Ó Deus! que maior consolação pode ter um pecador, depois de sua queda, do que a de saber, com certeza, que receberá tudo quanto pedir a Deus em nome de Jesus Cristo?
30. Receberá tudo
“Receberá tudo”, quer dizer: aquilo que se refere à salvação eterna; porque, quanto aos bens temporais, (já dissemos acima), ainda que os peçamos, o Senhor às vezes não no-los concede, porque sabe que estes bens causariam dano à nossa alma.
Mas, quanto aos bens sobrenaturais, a sua promessa de atender-nos não é condicional, mas absoluta. Por isso nos adverte Santo Agostinho: “O que Deus prometeu, pedi confiadamente”. E como, escreve o Santo, jamais poderá o Senhor negar-nos coisa alguma, quando lhe pedimos com confiança, sendo que Ele deseja mais dar-nos as suas graças do que nós recebê-las.
31. Deus se irrita contra
“Deus só se irrita contra nós, quando deixamos de rezar”, diz São João Crisóstomo. Como pode ser que Deus não queira atender a uma alma que lhe pede coisas que lhe são muitíssimo agradáveis? A alma lhe diz: Senhor, não quero bens terrenos, riquezas, prazeres, honras, mas peço-vos unicamente o vosso amor: livrai-me do pecado, dai-me uma boa morte, dai- me o paraíso, dai-me a vossa santa amizade, (graça que, segundo São Francisco de Sales, deve-se pedir antes de todas as outras), dai-me resignação à vossa vontade… Corno é possível que Deus não atenda? E que súplicas atendereis, Senhor, diz Santo Agostinho, se não atendeis as que são tanto do vosso gosto?
Mas, sobretudo, deve-se avivar a nossa confiança, quando pedimos a Deus bens espirituais, como disse Nosso Senhor: “Se vós, que sois maus, sabeis dar o que é bom aos vossos filhos, quanto mais o Pai do céu dará o Espírito Santo aos que lhe pedirem” (Lc 11, 13)
Se vós, diz o Redentor, tão apegados aos vossos interesses e tão cheios de amor próprio, não negais aos vossos filhos o que pedem, quanto mais o Pai do céu, que vos ama acima de qualquer pai terrestre, vos dará bens espirituais quando lhe pedirdes!
IV – A perseverança na oração
32. Devemos rezar com perseverança
É, pois, necessário que rezemos com humildade e confiança. Entretanto, isto só não basta para alcançarmos a perseverança final e, com ela, a salvação eterna. As graças particulares que pedimos a Deus, podemos obtê-las por meio de orações particulares. Mas, se não perseverarmos na oração, não conseguiremos a perseverança final, a qual compreende uma cadeia de graças e, por isso, supõe orações repetidas e continuadas até à morte.
A graça da salvação não é uma só graça, mas uma corrente de graças, as quais vêm todas se unir à graça da perseverança final. Ora, essa corrente de graças deve, por assim dizer, corresponder à outra corrente de nossas orações. Se deixarmos de rezar, rompemos a corrente de nossas orações e, então, se romperá igualmente a corrente das graças, que nos hão de alcançar a salvação e, assim, não nos salvaremos.
33. Não podemos merecer a perseverança final
E verdade que não podemos merecer a perseverança final, como ensina o santo Concílio de Trento: “Unicamente pode no-la dar Aquele que tem o poder de sustentar os que estão de pé, para que eles se conservem de pé até o fim”
Apesar disso, julga Santo Agostinho que podemos merecer de certo modo este grande dom da perseverança, por meio de nossas orações, isto é, por súplicas insistentes. E quem reza, ajunta Soares, consegue-a infalivelmente.
Entretanto, para alcançar esta graça e conseguir a salvação eterna, são necessárias – diz Santo Tomás – orações perseverantes e contínuas.
“Depois do batismo, é necessária ao homem a oração contínua para poder entrar no céu”
E antes dele, repetidas vezes, já o disse o Salvador: “É preciso rezar sempre e nunca descuidar” (Lc 18, 1) “Vigiai, portanto, orando em todo o tempo, para que sejais dignos de evitar todas estas coisas, que hão de acontecer, e de vos apresentardes com confiança diante do Filho do homem” (Lc 21 , 36)
Já no Antigo Testamento lemos: “Nada te impeça de rezar sempre” (Eclo 18, 22) “Bendize a Deus em todo o tempo e pede-lhe que dirija os teus caminhos” (Tb 4, 26)
Por isso aconselhava o Apóstolo aos seus discípulos que nunca deixassem de rezar: “Orai sem intermissão!” ( ITs 5, 17) “Perseverai e vigiai na oração!” (Cl 4, 2) “Quero pois, que os homens rezem em todo lugar” (1Tm 2, 8)
O Senhor quer dar-nos a perseverança e a vida eterna, mas, diz São Nilo: “Não a quer dar senão a quem lhe pede com perseverança”
Muitos pecadores chegam a se converter com o auxilio da graça e a receber o perdão. Mas porque deixam de rezar e de pedir a perseverança, tornam a cair e perdem tudo.
34. Deve-se pedir diariamente a graça da perseverança
Não basta, diz Belarmino, pedir a graça da perseverança uma vez só, ou mesmo algumas vezes. Devemos pedi-la sempre, todos os dias, até a morte, se quisermos alcançá-la. Quando a pedirmos, alcançaremos.
No dia em que a pedirmos, Deus no-la concederá. Mas no outro dia em que deixarmos de pedi-la, cairemos em pecado. Isto é o que Nosso Senhor queria nos ensinar, propondo a parábola do amigo, que não queria dar os pães ao que lhe pedia, senão depois de muitos e importunos rogos: “Se ele não se levantar para dar-lhe os pães, por ser amigo, pelo menos vai se levantar, por causa da amolação, e vai dar tudo o que o amigo precisa” (Lc 2, 8).
Ora, diz Santo Agostinho, se este homem levanta-se e dá-lhe os pães, para não ser importunado, quanto mais Nosso Senhor nos atenderá, sendo Ele que nos exorta a pedir e se desgosta, quando não pedimos!
O Senhor quer conceder-nos a salvação e todas as graças necessárias para consegui-la. Mas Ele quer que o importunemos com nossas orações. Diz Cornélio a Lápide, sobre o mencionado texto do Evangelho:
“Deus quer que perseveremos na oração até a importunação. Os homens deste mundo não suportam importunos. Mas Deus não só nos suporta, mas quer que sejamos importunos, mormente em pedir lhe a graça da perseverança”.
São Gregório diz que Deus quer que Lhe façamos violência com as nossas orações, pois tal violência não o irrita, mas o aplaca.
35. Rezemos sempre!
Para alcançarmos, pois, a graça da perseverança é mister recomendarmo-nos sempre a Deus, de manhã à noite, na meditação, na Missa, na comunhão, em uma palavra: sempre, especialmente, porém, no tempo das tentações. Então, devemos dizer e repetir sempre: Senhor, ajudai- me! Senhor, assisti-me, protegei-me! Senhor, não me abandoneis; tende piedade de mim! Pode haver coisa mais fácil do que dizer: Senhor, ajudai- me, assisti-me!?
Sobre as palavras do Salmista: “Dentro de mim orarei ao Deus de minha vida”, diz a glosa: “Dirá alguém: não posso jejuar, não posso dar esmolas; mas não poderá dizer: eu não posso rezar, pois é a coisa mais fácil que há”
Contudo, não devemos cessar de rezar. É preciso que continuamente façamos, por assim dizer, violência a Deus, para que Ele sempre nos auxilie com a sua graça. “Esta violência é agradável a Deus”, escreveu Tertuliano. São Jerônimo diz: “Quanto mais forem importunas e perseverantes as nossas orações, tanto mais agradável serão a Deus”. “Bem-aventurado o homem que ouve e que vela diariamente à entrada da minha casa” (Pr 8, 34).
Bem-aventurado, diz Nosso Senhor, é aquele homem que ouve e continuamente vela às portas da minha misericórdia com as suas orações.
Isaías diz: “Bem-aventurados todos os que o esperam” ( 30, 18).
Bem-aventurados aqueles que até ao fim, pedindo e rezando, aguardam do Senhor a sua salvação.
Por isso, no Evangelho, Nosso Senhor nos exorta a pedir, mas de que maneira?
“Pedi e recebereis; buscai e achareis: batei e abrir-se-vos-á” (Lc 11, 9)
Bastava dizer: “Pedi”. Para que acrescentar: “buscai”, “batei”? Mas, não. Não foi supérfluo acrescentar estas palavras. Com isto, queria Jesus ensinar-nos que devemos fazer como fazem os pobres, quando vão pedir esmolas. Esses, quando não recebem a esmola pedida, pedem uma e mais vezes, batem repetidas vezes à porta, quando não vem logo alguém atendê-los e, por fim, se tornam molestos e importunos. Deus quer que façamos assim também. Quer que supliquemos e tomemos a suplicar e não cessemos de suplicar que nos assista, nos socorra, nos ilumine, nos fortaleça e não permita que venhamos ainda a perder a sua graça.
Diz o douto Léssio que dificilmente pode-se desculpar de pecado mortal aquele que, em estado de pecado ou em perigo de morte, não reza. Do mesmo modo, peca quem deixa de rezar por um notável espaço de tempo, isto é, por um ou dois meses. Isto se deve entender fora do tempo da tentação, porquanto quem for assaltado por qualquer tentação grave e não recorrer a Deus logo, sem dúvida, peca gravemente, expondo-se desta forma a um perigo próximo e certo de cair.
36. Por que Deus não concede a graça da perseverança de uma só vez?
Já que Deus pode e quer dar-me a graça da perseverança, por que não me concede toda de uma só vez, quando lhe peço? São muitas as razões que nos dão os santos Padres. Deus não a concede de uma vez e difere a sua concessão, para, antes de tudo, experimentar a nossa confiança. Depois, diz Santo Agostinho, para que a desejemos mais ardentemente:
“Os grandes dons exigem um grande desejo, porquanto tudo o que se alcança com facilidade não se estima tanto como o que se desejou por muito tempo. Deus não quer dar-te logo o que pedes, para aprenderes a desejar com grande desejo”.
Outro motivo é para nós não nos esquecermos dele. Se já estivéssemos seguros de perseverarmos e de alcançarmos a salvação e não necessitássemos continuamente do auxílio de Deus para conservarmos sua graça e nos salvarmos, facilmente nos esqueceríamos dele. A necessidade obriga os pobres a frequentas as casas dos ricos. Por esta razão, querendo Deus atrair-nos a si, como diz São João Crisóstomo, e ver-nos muitas vezes a seus pés, a fim de nos conceder maiores benefícios, deixa de nos conceder a graça, que completa a nossa salvação, até a hora de nossa morte.
“Deus demora em atender-nos, não por repelir as nossas orações, mas para nos tornar mais fervorosos e nos atrair para Si”.
Além disso, Deus age deste modo para que nós, rezando sempre, nos unamos mais estreitamente a Ele pelos doces laços do amor.
“A oração, diz São João Crisóstomo, não é um vínculo insignificante do amor de Deus. É ela que nos acostuma a falar com Deus”.
Que incentivo e que vinculo de amor são o recurso contínuo a Deus pela oração e a confiança com que esperamos as graças! Quanto nos inflama e une a Deus!
37. Até quando devemos rezar?
Devemos rezar sempre, responde o mesmo Santo, até que nos seja proferida a sentença tão auspiciosa da salvação eterna, isto é, até a hora de nossa morte.
“Não desistas até receberes”.
E ajunta que quem disser: “Não deixarei de rezar até que me salve”, certamente se salvará.
Escreve o Apóstolo: “Muitos correm no estádio em busca do prêmio, mas unicamente um o alcança, não sabeis disto? Correi para alcançá-lo” (1Cor 9, 24).
Não basta, pois, pedir a graça da salvação. É necessário pedir sempre, até alcançarmos a coroa prometida por Deus unicamente aos que a pedirem constantemente até o fim.
38. Para se alcançar a salvação, é necessário rezar sempre
Devemos fazer como Davi, que tinha os seus filhos constantemente voltados para Deus a fim de implorar o seu socorro e para não ser vencido por seus inimigos: “Os meus olhos se volvem continuamente para Deus, porquanto Ele afastará os meus pés do laço” (Sl 24, 15).
Assim como o demônio não descansa, armando-nos contínuas ciladas para nos devorar, como nos escreve São Pedro: “O demônio, adversário vosso, anda rodeando- vos, como um leão que ruge, buscando sua presa” (l Pd 5, 8), do mesmo modo, nós, para sermos protegidos contra tal inimigo, nunca devemos depor as armas, mas devemos dizer com o real Profeta:“Perseguirei os meus inimigos e não voltarei atrás, enquanto não derrubá-los por terra” (Sl 17, 4)
Não cessarei de combater até que veja meus inimigos destroçados.
Mas como poderemos alcançar esta vitória, para nós tão difícil? Por meio de constantes orações, responde-nos Santo Agostinho, e só com orações perseverantes.
E até quando? Durante todo o tempo de combate. “Assim como nunca cessa a luta, diz São Boaventura, assim também nunca devemos deixar de pedir a misericórdia divina, para não sermos vencidos”.
Ai daquele que, durante o combate, abandonar a oração, diz o Sábio, “ai dos que não perseveram na oração!” (Eclo 2, 16). Chegaremos à salvação, diz o Apóstolo, mas com esta condição: contanto que sejamos fiéis e perseverantes na oração, até a morte.
39. Quem nos separará do amor do Cristo?
Confiados, pois, na divina misericórdia e em suas promessas, digamos com São Paulo:“Quem nos separará do amor de Cristo? Será a tribulação? ou a angústia?… ou o perigo? ou a perseguição? ou a espada?” (Rm 8, 35)
Quem nos separará do amor de Cristo? Talvez a tribulação? O perigo de perder os bens desta terra, as perseguições dos demônios ou dos homens? Os tormentos dos tiranos?
“Superaremos tudo por Aquele que nos ama” (Rm 8, 37).
Não, dizia ele, nenhuma tribulação, nenhuma angústia, perigo ou perseguição jamais nos poderá separar do amor de Jesus Cristo. Porque, com o auxilio divino, venceremos tudo, pois combateremos por aquele Senhor, que deu a vida por nós.
Depois de ter o Padre Hipólito Durazzo resolvido renunciar uma prelazia romana, a fim de entregar-se todo a Deus, e entrar na Companhia de Jesus, como o fez mais tarde, receava muito, por causa de sua fraqueza, não ser fiel a Nosso Senhor. Por isso, dizia: “Não me desampareis. Senhor, mormente agora que me consagrei todo a vós’”.
Mas, ouviu o Senhor falar- lhe ao coração: “Não me abandones tu também!”
Confiado na bondade de Deus, e no seu auxílio, concluiu o servo de Deus dizendo: “Pois bem, meu Deus, Vós não me abandonareis a mim e eu não abandonarei a Vós”.
40. “Seremos salvos pela esperança”
Se quisermos, pois, que Deus não nos abandone, devemos pedir-lhe sempre que nos auxilie. Fazendo assim, certamente Ele nos assistirá sempre e não permitirá que nos separemos dele e que percamos a sua amizade.
Procuraremos, por isso, rezar sempre e pedir a graça da perseverança final, bem como as graças para consegui-la.
Não nos esqueçamos também da graça de rezarmos sempre. Foi esta a grande promessa, que fez pelos lábios do Profeta: “Derramarei sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalém o espírito da graça e da prece” (Zc 12, 10).
Oh! que grande graça é o espírito das preces, isto é, a graça que Deus concede a uma alma de rezar sempre! Não cessemos, pois, de pedir a Deus esta graça e este espírito de oração. Porquanto, se pedirmos, certamente obteremos de Nosso Senhor a perseverança e todo e qualquer outro dom que desejarmos. Deus não pode deixar de nos ouvir, porque prometeu ouvir-nos.
“Seremos salvos pela esperança”
Por causa desta esperança de rezar sempre, podemos julgar-nos salvos. Esta esperança, diz Beda, o Venerável, nos dará entrada segura na cidade eterna do paraíso.
Fonte: A Oração – Santo Afonso Maria de Ligório