Conclusão
Tirada do capítulo quarto da segunda parte da obra original
A graça da oração é concedida a todos
1. A ninguém falta o auxílio divino para a oração
Já que a oração é tão necessária à salvação, devemos ter por certo que nunca nos faltará o auxílio divino para o ato da oração, sem que para isso seja necessária nova graça especial. Na oração encontraremos todos os outros auxílios para a observância dos mandamentos e para a consecução da vida eterna. Nenhum condenado poderá se desculpar com a falta dos auxílios indispensáveis.
2. Deus quer a salvação de todos
Por isso morreu por nós Nosso Senhor Jesus Cristo, nosso Redentor. Deus concede a todos a sua graça e salvam-se todos os que lhe forem fiéis. Estamos todos obrigados a esperar firmemente que Deus nos dará a eterna salvação. Mas, se não tivéssemos a certeza de que Deus dá a todos a graça de rezar sempre sem haver mister de uma graça particular, então, sem revelação especial, ninguém poderia ter a devida esperança de salvar-se.
3. Deus ama os que nele confiam
A virtude da esperança é tão cara a Deus que Ele declara achar a sua complacência nos que confiam nele.
“O Senhor se agradou sempre nos que esperam em sua misericórdia” (Sl 146, 11)
Promete a vitória sobre os inimigos, a perseverança na sua graça e a glória eterna a quem espera e porque espera.
“Porquanto em mim esperou, livrá-lo-ei, protegê-lo-ei, livrá-lo-ei e glorificá-lo-ei” (Sl 90, 14-15)
“O Senhor os salvará, porque esperam nele” (Sl 36, 40)
“Guardai-me, Senhor, porque esperei em Vós” (Sl 151)
“Ninguém que esperou no Senhor foi confundido” (Eclo 2, 10).
Persuadamo-nos de que as palavras de Deus e as suas promessas têm a mais absoluta firmeza, pois é certo que “os céus e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mt 24, 35). Por isso São Bernardo diz que todo nosso mérito consiste em confiar plenamente em Deus. O motivo é porque muito honra a Deus a confiança que nele depositamos:“Invocai-me no dia da tribulação, livrar-vos-ei e honrar-Me-eis” (Sl 49, 15).
Assim, o homem honra o poder, a misericórdia e fidelidade de Deus, porquanto crê que Deus pode e quer salvá-lo e não pode faltar à sua promessa de salvar a quem nele confia. O profeta assegura-nos que, quanto maior for a nossa confiança, tanto maior será a misericórdia divina: “Fazei, Senhor, cair sobre nós a vossa misericórdia tanto quanto confiamos em vós” (Sl 32, 22).
4. Deus nos ordena a esperança
Por ser tão agradável a Deus esta virtude da esperança, Ele no-la quis impor por um grave preceito, como dizem comumente os teólogos, e como consta de muitos textos da Sagrada Escritura:
“Esperai nele todo o povo” (Sl 61, 9)
“Vós, os que temeis o Senhor, esperai nele” (Eclo 2, 9)
“Esperei sempre no vosso Deus” (Sl 12, 16)
“Esperai sempre na graça, que vos é oferecida” (1Pd 1, 13).
Esta esperança da vida eterna deve ser firme e certa em nós, como já disse Santo Tomás:
“A esperança é a expectação certa da bem-aventurança”.
Isto também declarou expressamente o santo Concílio de Trento, dizendo: “No auxílio de Deus todos devem pôr firmíssima confiança, porque, assim como Deus começou em nós a boa obra, Ele que dá a vontade e a execução, também levará ao fim, contanto que cooperemos com sua graça”.
E, já antes, o declarou São Paulo dizendo de si próprio: “Porque, sei em quem confiei e estou certo de que é poderoso para guardar o meu depósito” (2Tm 1, 12).
Esta é a diferença que há entre a confiança do mundo e a confiança cristã. Para a esperança terrena, basta uma expectativa incerta e nem pode ser de outra maneira, porque sempre se pode duvidar se quem prometeu alguma coisa, mudou ou não, a sua vontade de dar. Mas a esperança cristã, da parte de Deus, é certa, visto que Ele pode e quer salvar-nos e prometeu a salvação a quem observar a sua lei: prometeu, igualmente, aos que pedirem as graças necessárias para esse fim.
5. Esperança e temor
É verdade que a esperança vem sempre acompanhada do temor, como diz o Angélico. Porém, este temor não tem sua fonte em Deus, mas em nós mesmos, porquanto podemos faltar sempre, (não correspondendo como devemos) e pôr-lhe obstáculos com as nossas culpas. Por isso, com razão o Concilio Tridentino condenou o erro dos que negam o livre arbítrio, querendo que cada homem tenha certeza infalível de sua perseverança e de sua salvação.
Este erro foi condenado pelo Concílio Tridentino porque, como havíamos dito, para conseguirmos a vida eterna é necessária ainda a nossa cooperação e esta cooperação é incerta, falível. Por isso, o Senhor quer que, de um lado, tenhamos sempre um santo temor de nós mesmos, para não cairmos na presunção de confiramos em nós mesmos, e, doutro lado, exige que estejamos certos de sua boa vontade e do seu auxílio, sempre que pedirmos.
Confiados no poder e na misericórdia de Deus, diz Santo Tomás, certo de que Deus pode e quer nossa salvação, devemos esperar dele certamente a vida eterna.
“Do poder e da misericórdia de Deus, está convencido quem tiver fé”.
6. Firme deve ser a razão porque esperamos
Se, pois, deve ser firme a nossa confiança em Deus, consequentemente firme também deve ser o motivo de nossa esperança. Não sendo firme, mas duvidoso o fundamento da esperança, não poderíamos esperar e aguardar de Deus a salvação e os meios necessários para alcançá-la. São Paulo quer que esperemos com toda a certeza a nossa salvação:
“Se perseverardes, fundados na fé, firmes e imóveis na esperança do Evangelho, que ouvistes” (Cl 1, 23)
E, em outro lugar, confirma dizendo que a nossa esperança deve ser imóvel como uma âncora segura e firme, pois, está fundada nas promessas divinas, que não podem enganar:
“Desejamos que cada um de vós mostre o mesmo zelo até o fim, para tornar completa a vossa esperança… para que, por estas duas coisas infalíveis, nas quais é impossível que Deus minta, tenhamos uma grande consolação, nós que pomos o nosso refúgio em alcançar a esperança proposta, a qual temos como uma âncora firme e segura da alma” (Hb 6, 11-19).
São Bernardo diz que nossa esperança não pode ser incerta, pois que ela se apoia nas promessas divinas: “Não nos parece vã e duvidosa esta esperança, pois nos apoiamos nas promessas divinas”.
Em outro lugar, falando de si mesmo, diz: “Sobre três bases coloco a minha esperança: o amor com que Deus nos adotou como filhos, a verdade de sua promessa e o poder que tem de cumprir sua promessa”.
7. Oração sem hesitação
Por isso diz o Apóstolo São Tiago que, quem deseja as graças divinas, deve pedi-las não duvidando, mas com a firme certeza de obtê-las: “Peça com fé, sem hesitação alguma!” (Tg 1, 6)
Nada receberá, se duvidar: “Quem duvida é semelhante à onda do mar, que é levada de uma para outra parte pela violência do vento: não pense, pois, que alcançará alguma coisa do Senhor”.
E São Paulo louva a Abraão por ele não ter duvidado das promessas divinas, sabendo que, quando Deus promete, não falta: “Não duvidou nem de leve das promessas de Deus, mas, fortificado pela fé, deu glória a Deus, sabendo que é poderoso para cumprir suas promessas” (Rm 4, 20)
Por isso, Jesus nos admoestou que receberemos todas as graças que desejamos, se pedirmos com a firme confiança de recebê-las.
“Portanto vos digo: Tudo o que pedirdes na oração, crede que o recebereis e assim sucederá” (Mc 11, 24)
Em resumo, Deus não quer atender-nos, se não estivermos certo, de sermos atendidos.
8. A oração é um meio necessário à salvação
Agora, pois, voltemos ao nosso propósito. Nossa esperança de obter a salvação e os meios necessário para a mesma, deve ser firme da parte de Deus. Os motivos desta certeza são o poder, a misericórdia e a fidelidade divina.
Entretanto, o motivo mais firme é a fidelidade de Deus em prometer- nos a salvação pelos merecimentos de Jesus Cristo e de dar-nos as graças necessárias para isso; pois, por mais firmemente que creiamos no infinito poder e na misericórdia de Deus, contudo, como nota Juvênio, não poderíamos esperar com uma confiança absoluta a salvação, se o Senhor não no-la tivesse prometido. Mas a promessa foi feita com a condição de rezarmos, como consta nas Escrituras.
“Pedi e recebereis. Se pedirdes meu pai em meu nome, Ele vos dará. Dará bens a quem Lhe pedir. Importa rezar sempre. Não tendes porque não pedis. Se alguém necessitar de sabedoria, peça-a a Deus”.
E, assim, em muitos outro, textos, que referimos acima. Por isso os santos Padres e teólogos geralmente dizem que a oração é um meio necessário à salvação.
9. Deus é o único fundamento de nossa esperança
Ora se não tivéssemos certeza de que Deus a todos dá a graça de rezar sempre, sem ser necessária outra graça especial, então, Deus não seria um fundamento certo e firme de nossa esperança e este fundamento seria incerto e condicional. Quando estou certo de que, com a oração, obterei a vida eterna e todas as graças necessárias para consegui-la, e sei que Deus não me negará a graça de rezar sempre, (porque a concede a todos), se eu quiser, então, tenho fundamento certo de esperar de Deus a salvação eterna, contanto que, de minha parte, não falte nada.
Mas quando duvido se Deus me dará ou não a graça particular que não concede a todos, e que é necessária para rezar atualmente, então, não tenho em Deus um fundamento certo de esperança, mas um fundamento duvidoso e incerto, ficando na dúvida, se Deus me dará ou não aquela graça especial necessária para poder rezar.
Esta incerteza não seria unicamente de minha parte, como também da parte de Deus, e, assim cairia a esperança cristã, a qual deve ser firme e inabalável. Digo a verdade, não sei como o cristão possa cumprir o preceito da esperança, esperando de Deus, como deve, com uma confiança certa, a salvação e as graças necessárias para ela, sem ter por certo que Deus dá comumente a cada um, ao menos, a graça de rezar atualmente, se quiser, sem ser preciso outro auxilio especial.
10. A graça que é comum a todos
A graça verdadeiramente suficiente, que é comum a todos, ajuda- nos, contanto que correspondamos, para alcançarmos a graça eficaz. Mas, se não lhe correspondermos e, pelo contrário, se resistirmos a ela, com justiça nos será negada a graça eficaz. Desta sorte, não há desculpas para os pecadores que dizem não terem forças suficientes para vencer as tentações, porque, se rezassem, com o auxílio da graça comum, que é concedida a todos, alcançariam aquela força e alcançariam a salvação. Mas, não se admitindo esta graça comum com a qual cada um possa ao menos rezar (sem o auxilio de outra graça especial não comum a todos) e, rezando, possa obter auxílio maior para observar a lei, não sei como possam ser compreendidos tantos textos da Escritura, onde se exortam as almas a voltarem para Deus, a vencerem as tentações e a corresponderem aos convites divinos:
“Voltai, prevaricadores, para dentro dos vossos corações” (Is 46, 8).
“Convertei-vos e vivei” (Ez 18, 32)
“Convertei-vos e fazei penitência” (Ez 12, 30)
“Desatai as correntes do vosso pescoço” (Is 52, 2)
“Vinde a mim todos vós, que andais em trabalhos e vos achais carregados” (Mt 11, 28).
“Resisti fortes na fé” (‘Pd 5, 9)
“Caminhai enquanto tendes luz” (Jo 12, 35).
Se não fosse verdade que a todos é concedida a graça de rezar e de obter pela oração maiores auxílios, para conseguir a salvação, então, não compreendo como poderiam entender-se os referidos textos e como os pregadores com tanta força possam exortar a todos em geral a se converterem, a resistir aos inimigos, a caminhar na virtude e, para conseguirem tudo isso, a rezar com confiança e perseverança, quando a graça de rezar não fosse concedida a cada um, mas somente àqueles que recebem a graça eficaz de rezar. E não sei também como possa ser justa a censura, que geralmente se faz a todos os pecadores, que resistem à graça e desprezam a voz divina: “Vós resistis ao Espírito Santo” (At 7, 51)
“Eu vos chamei e vós não quisestes ouvir-me, estendi a minha mão e não houve quem olhasse para mim; desprezastes todos os meus conselhos e não fizestes caso das minhas repreensões” (Pr 1, 24).
Se lhe faltasse até a graça remota, mas eficaz de rezar, a qual os adversários supõem ser necessária para rezar de fato, como disse, não compreendo como se lhes possa fazer tais censuras.
11. A intenção da obra
A intenção que tive em escrever esta obra não foi outra senão de bendizer a Providência e Bondade de Deus e de socorrer os pecadores, a fim de não se entregarem ao desespero, julgando-se privados da graça, e também para afastar toda a desculpa, quando vierem dizer que não têm força para resistir aos assaltos da paixão e do inferno.
Mostrei que dentre os que se perdem, nenhum se perde por causa do pecado original de Adão, mas só por própria culpa, pois que Deus a ninguém nega a graça da oração. Com ela, se obtém de Deus o auxílio para vencer toda concupiscência e toda tentação.
De resto, o meu principal intento foi insinuar a todos o uso deste poderosíssimo e necessário meio da oração, para que se aplique cada um à oração com grande diligência e fervor, desejando seriamente alcançar a vida eterna. São tantas as almas que perdem a graça divina e continuam a viver no pecado e, por fim, se condenam, porque não rezaram e não recorreram a Deus, para obter auxílio! E o pior ainda é (não posso deixar de o repetir) que poucos pregadores e poucos confessores se esforçam por aconselhar a seus ouvintes ou penitentes, o uso da oração, sem a qual, é impossível observar os divinos preceitos e obter a perseverança na graça divina.
Considerando a absoluta necessidade de rezar, que em tantos textos nos impõe a Escritura Sagrada, tanto no Antigo como no Novo Testamento, fiz introduzir nas nossas Missões o uso, que já há muitos anos existe, de se fazer o sermão sobre a oração. Digo e repito e repetirei sempre, enquanto tiver a vida, que toda a nossa salvação está na oração!
Por isso, todos os escritores em seus livros, todos os oradores sagrados em suas prédicas, todos os confessores na administração do sacramento da penitência, nada deveriam inculcar com maior energia do que a obrigação de rezar sempre. Deveriam admoestar e exclamar continuamente e dizer: Rezai, rezai e não deixeis de rezar! Porque, se rezardes, será certa a vossa salvação! Se deixardes de rezar, será certa a vossa condenação.
Assim deveriam fazer todos os pregadores e diretores, pois que na teologia católica nenhuma dúvida há desta verdade: Quem ora, obtém as graças e se salva. Mas são pouquíssimos os que assim praticam e, por isso, tão poucos se salvam!
Fonte: A Oração – Santo Afonso Maria de Ligório