Introdução.
1. Publiquei várias obras espirituais. Penso, entretanto, não ter escrito obra mais útil do que esta, na qual trato da oração, porque a oração é o meio necessário e certo de alcançarmos todas as graças necessárias para a salvação. Se me fosse possível, faria imprimir tantos exemplares deste livro quantos são os fiéis de todo o mundo. Daria um exemplar a cada um, afim de que todos pudessem compreender a necessidade que temos de orar para nos salvar.
2. Falo assim porque vejo, de um lado, a absoluta necessidade da oração, tão altamente recomendada pelas Santas Escrituras e por todos os santos Padres. E, de outro lado, vejo que poucos cuidam de empregar este grande meio de salvação. E, o que mais me causa dor é ver que os pregadores e confessores tão pouco se lembram de recomendar a oração aos seus ouvintes e penitentes! Mesmo os livros espirituais, que hoje em dia andam nas mãos dos fiéis, não tratam suficientemente deste assunto, quando é certo que todos os pregadores e confessores e todos os livros não deveriam incutir nada com mais empenho e afinco do que a necessidade de rezar.
Ensinam às almas tantos meios de se conservarem na graça de Deus, como fugir das ocasiões, frequentar os sacramentos, resistir às tentações, ouvir a Palavra de Deus, meditar nas verdades eternas e outros tantos meios, todos eles certamente de muita utilidade. Digo, porém: de que servem as pregações, as meditações e todos os outros meios aconselhados pelos mestres da vida espiritual, se faltar oração, quando é certo que o Senhor diz não “conceder suas graças, senão a quem pedir?” “Pedi e recebereis” (Mt 7, 7).
Sem a oração, segundo a providência ordinária de Deus, serão inúteis todas as meditações, todos os propósitos e todas as promessas. Se não rezarmos, seremos infiéis a todas as luzes recebidas e a todas as nossas promessas. A razão é a seguinte: para fazer atualmente o bem, para vencer as tentações e para praticar a virtude, numa palavra, para observar inteiramente todos os preceitos divinos, não bastam as luzes recebidas anteriormente, nem as meditações e os propósitos que fizemos. É necessário ainda o auxílio de Deus.
E este auxílio atual, como logo veremos, Deus não o concede senão a quem reza e reza com perseverança. As luzes recebidas, as considerações os bons propósitos que fazemos, servem para que rezemos nas ocasiões iminentes de desobedecer à lei divina e, assim, possamos obter o socorro divino, que nos conservará incólumes do pecado. Sem isto, sucumbiremos.
3. Eu queria, amigo leitor, antes de tudo o que vou dizer aqui, explicar esta minha sentença, para agradecerdes a Deus que, por meio deste meu livrinho, vos dá a graça de refletir mais profundamente sobre a importância deste grande meio da oração, pois todos os que se salvam, falando dos adultos, ordinariamente só por meio da oração é que conseguem salvar-se. Por isso, repito, agradecei a Deus, pois muito grande é a sua misericórdia concedendo-nos a luz e a graça de rezar.
Espero, irmão caríssimo, que depois de terdes lido esta obra, não vos esquecereis de recorrer sempre a Deus pela oração, quando fordes tentado a ofendê-lo. E, se alguma vez sentirdes a consciência gravada com muitos pecados, sabei que a causa disto é a falta de oração e de pedir a Deus os auxílios necessários para resistir às tentações que vos assaltam.
Peço-vos, portanto, que leiais este livrinho e o torneis a ler, com toda atenção, não por ser trabalho meu, mas sim, porque é um meio que Deus vos concede para conseguirdes a vossa salvação eterna, dando-vos assim a entender, de modo particular, que vos quer salvar. E, depois de o terdes lido, peço-vos que, sendo possível, o façais ler a vossos conhecidos e amigos.
Comecemos, pois, em nome do Senhor!
4. Escrevendo a Timóteo, o Apóstolo diz: “Rogo-te, antes de tudo, que se façam pedidos, orações, suplicas e ações de graças” (1Tm 2, 1). Santo Tomás, o Doutor Angélico, explica essas palavras dizendo que a oração consiste propriamente na elevação da alma a Deus. A prece consiste em pedir a Deus coisas, quer particulares e determinadas, quer indeterminadas, por exemplo quando dizemos: Senhor, vinde em meu socorro! O pedido consiste em impetrar a graça. Assim como quando dizemos: Por vossa paixão e cruz, livrai-nos, Senhor!
A ação de graças, enfim, consiste em agradecer os benefícios recebidos, pelo que, como diz Santo Tomás, merecemos receber benefícios ainda maiores. A oração no sentido estrito, diz o Santo Doutor, significa recorrer simplesmente a Deus. Mas, em sua acepção geral, compreende todas as outras espécies acima mencionadas. Deste modo nós a entendemos e neste sentido é que, daqui por diante, empregaremos a palavra “oração”.
Para concebermos um grande amor à oração e para usarmos com fervor deste grande meio da salvação, consideremos, antes de tudo, quanto ela nos é necessária e quão poderosa é para nos obter todas as graças, que desejamos de Deus, se pedirmos como devemos.
Por isso, na primeira parte, trataremos da necessidade e do valor da oração e, depois, das qualidades que a oração deve ter, para ser eficaz diante de Deus.
Fonte: A Oração – Santo Afonso Maria de Ligório