CATEQUESE DO PAPA BENTO XVI.
Na Terra santa é possível
sair da espiral da violência.
Na Terra Santa é possível sair da espiral da violência, graças "ao sentido de respeito, de reconciliação e de colaboração" que brota da fé, afirmou Bento XVI durante a Audiência geral de quarta-feira, 20 de Maio.
Queridos irmãos e irmãs!
Hoje desejo falar sobre a viagem apostólica que realizei de 8 a 15 de Maio na Terra Santa, e pela qual incessantemente dou graças ao Senhor, porque se revelou um grande dom para o Sucessor de Pedro e para toda a Igreja.
Desejo expressar de novo o meu sentido "obrigado" a Sua Beatitude o Patriarca Fouad Twal, aos Bispos dos vários ritos, aos Sacerdotes, aos Franciscanos da Custódia da Terra Santa. Agradeço ao Rei e à Rainha da Jordânia, ao Presidente de Israel e ao Presidente da Autoridade Palestiniana, com os respectivos Governos, todas as Autoridades e quantos de várias maneiras colaboraram para a preparação e para o bom êxito da visita.
Tratou-se antes de tudo de uma peregrinação, aliás, da peregrinação por excelência às nascentes da fé; e ao mesmo tempo de uma visita pastoral à Igreja que vive na Terra Santa: uma Comunidade de grande importância, porque representa uma presença viva onde ela teve origem.
A primeira etapa, de 8 à manhã de 11 de Maio, foi a Jordânia, em cujo território se encontram dois lugares santos principais:
O Monte Nebo, do qual Moisés contemplou a Terra Prometida e onde morreu sem nela ter entrado; e depois Betânia "do outro lado do Jordão" onde, segundo o quarto Evangelho, São João inicialmente batizava.
O Memorial a Moisés no Monte Nebo é um lugar de forte valor simbólico: ele fala da nossa condição de peregrinos entre um "já" e um "ainda não", entre uma promessa tão grande e bela que nos ampara no caminho e um cumprimento que nos supera, e que ultrapassa também este mundo. A Igreja vive em si mesma esta "índole escatológica" e "peregrina": já está unida a Cristo, seu esposo, mas a festa de núpcias é por enquanto apenas prelibada, na expectativa da sua vinda gloriosa no fim dos tempos (cf. Conc. Vat. ii, Const. Lumen gentium, 48-50).
Em Betânia tive a alegria de benzer as primeiras pedras para duas igrejas que vão ser construídas no lugar onde São João batizava. Este fato é sinal da abertura e do respeito que vigoram no Reino Hachemita pela liberdade religiosa e para a tradição cristã, o que merece grande apreço. Tive a ocasião de manifestar este justo reconhecimento, juntamente com o profundo respeito pela comunidade muçulmana, aos Chefes religiosos, ao Corpo Diplomático e aos Reitores das Universidades, reunidos junto da Mesquita Al-Hussein Bin-Talal, mandada construir pelo Rei Abdallah II em memória do pai, o célebre Rei Hussein, que recebeu o Papa Paulo VI durante a sua histórica peregrinação de 1964.
Como é importante que cristãos e muçulmanos coabitem pacificamente no respeito recíproco! Graças a Deus, e ao compromisso dos governantes, na Jordânia isto verifica-se. Portanto, rezei a fim de que seja assim também noutras partes, pensando especialmente nos cristãos que, ao contrário, vivem realidades difíceis no vizinho Iraque.
Vive na Jordânia uma importante comunidade cristã, incrementada por prófugos palestinianos e iraquianos. Trata-se de uma presença significativa e apreciada na sociedade, também pelas suas obras educativas e assistenciais, atentas à pessoa humana independentemente da sua pertença étnica ou religiosa.
Um bom exemplo é o Centro de reabilitação Regina Pacis em Amã, que acolhe numerosas pessoas inválidas. Ao visitá-lo, pude dizer uma palavra de esperança, mas também eu a recebi, como testemunho comprovado do sofrimento e da partilha humana. Em sinal do empenho da Igreja no âmbito da cultura, benzi também a primeira pedra da Universidade de Madaba, do Patriarcado Latino de Jerusalém.
Senti grande alegria por dar início a esta nova instituição científica e cultural, porque ela manifesta de modo tangível que a Igreja promove a busca da verdade e do bem comum, e oferece um espaço aberto e qualificado a todos os que desejam comprometer-se nesta busca, premissa indispensável para um verdadeiro e frutuoso diálogo entre civilizações. Ainda em Amã tiveram lugar duas solenes celebrações litúrgicas: as Vésperas na Catedral greco-melquita de São Jorge, e a Santa Missa no Estádio internacional, que nos deu a ocasião de apreciar juntos a beleza de encontrar-nos como Povo de Deus peregrino, rico das suas diversas tradições e unido na única fé.
Deixando a Jordânia, no final da manhã de 11 de Maio, fui para Israel onde, desde a chegada, me apresentei como peregrino de fé na Terra onde Jesus nasceu, viveu, morreu e ressuscitou e, ao mesmo tempo, como peregrino de paz para implorar a Deus que, onde Ele se quis fazer homem, todos os homens possam viver como seus filhos, isto é, como irmãos.
Este segundo aspecto da minha viagem naturalmente sobressaiu nos encontros com as Autoridades civis: na visita ao Presidente israelita e ao Presidente da Autoridade Palestiniana. Naquela Terra abençoada por Deus por vezes parece impossível sair da espiral da violência. Mas a Deus nada é impossível nem a quantos têm confiança n'Ele! Por isso a fé no único Deus justo e misericordioso, que é o recurso mais precioso daqueles povos, deve poder libertar toda a sua carga de respeito, de reconciliação e de colaboração. Quis expressar estes votos visitando quer o Grão-Mufti e os chefes das comunidades muçulmanas de Jerusalém, quer o Grão Rabinado de Israel, e também no encontro com as Organizações empenhadas no diálogo inter-religioso e, depois, com os Chefes religiosos da Galiléia.
Jerusalém é a encruzilhada das três grandes religiões monoteístas, e o seu próprio nome "cidade da paz" exprime o desígnio de Deus sobre a humanidade: formar com ela uma grande família. Este desígnio, prenunciado a Abraão, realizou-se plenamente em Jesus Cristo, que São Paulo chama "nossa paz", porque abateu com a força do seu Sacrifício o muro da inimizade (cf. Ef 2, 14).
Portanto, todos os crentes devem pôr de lado os preconceitos e a vontade de domínio, e praticar concordes o mandamento fundamental: isto é, amar a Deus com todo o seu ser e amar o próximo como a si mesmo. É isto que judeus, cristãos e muçulmanos são chamados a testemunhar, a fim de honrar com fatos aquele Deus que anunciam com os lábios.
Foi precisamente isto que levei no coração, na oração, ao visitar, em Jerusalém, o Muro Ocidental o Muro das Lamentações e a Cúpula da Rocha, lugares simbólicos respectivamente ao Judaísmo e ao Islão. Um momento de intenso recolhimento foi ainda a visita ao Memorial Yad Vashem, erigido em Jerusalém em honra das vítimas do Shoah. Detive-me ali em silêncio, rezando e meditando sobre o mistério do "nome": cada pessoa humana é sagrada, e o seu nome está inscrito no coração do Deus eterno. Nunca deve ser esquecida a tremenda tragédia do Shoah! Ao contrário, é preciso que esteja sempre na nossa memória como admoestação universal ao respeito sagrado da vida humana, que assume sempre um valor infinito.
Como já mencionei, a minha viagem tinha como finalidade prioritária a visita às comunidades católicas da Terra Santa, e isto aconteceu em diversos momentos também em Jerusalém, em Belém e em Nazaré. No Cenáculo, com a mente dirigida para Cristo que lava os pés aos Apóstolos e institui a Eucaristia, assim como para o dom do Espírito Santo à Igreja no dia de Pentecostes, pude encontrar-me, entre outros, com o Guardião da Terra Santa e meditar juntos sobre a nossa vocação para sermos uma só coisa, para formar um só corpo e um só espírito, para transformar o mundo com o poder humilde do amor.
Certamente, esta chamada encontra na Terra Santa dificuldades particulares, por isso, com o coração de Cristo, repeti aos meus irmãos Bispos as suas mesmas palavras: "Não temas, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino" (Lc 12, 32). Depois saudei brevemente as religiosas e os religiosos de vida contemplativa, agradecendo-lhes o serviço que, com a sua oração, oferecem à Igreja e à causa da paz.
Momentos culminantes de comunhão com os fiéis católicos foram sobretudo as celebrações eucarísticas. No Vale de Josafat, em Jerusalém, meditamos sobre a Ressurreição de Cristo como força de esperança e de paz para aquela Cidade e para o mundo inteiro.
Em Belém, nos Territórios Palestinianos, a Santa Missa foi celebrada diante da Basílica da Natividade com a participação também dos fiéis provenientes de Gaza, os quais tive a alegria de confortar pessoalmente garantindo-lhes a minha particular proximidade. Belém, o lugar no qual ressoou o cântico celeste de paz para todos os homens, é símbolo da distância que ainda nos separa do cumprimento daquele anúncio: precariedade, isolamento, incerteza, pobreza.
Tudo isto fez com que tantos cristãos partissem para longe. Mas a Igreja continua o seu caminho, amparada pela força da fé e testemunhando o amor com obras concretas de serviço aos irmãos, como, por exemplo, o Caritas Baby Hospital de Belém, apoiado pelas Dioceses da Alemanha e da Suíça, e pela ação humanitária nos campos de prófugos. Naquele que visitei, quis garantir às famílias que lá estão hospedadas, a proximidade e o encorajamento da Igreja universal, convidando todos a procurar a paz com métodos não violentos, seguindo o exemplo de São Francisco de Assis.
A terceira e última Missa com o povo celebrei-a na quinta-feira em Nazaré, cidade da Sagrada Família. Rezamos por todas as famílias, para que sejam redescobertas a beleza do matrimônio e da vida familiar, o valor da espiritualidade doméstica e da educação, a atenção pelas crianças, que têm o direito de crescer em paz e serenidade.
Além disso, na Basílica da Anunciação, juntamente com todos os Pastores, pessoas consagradas, movimentos eclesiais e leigos comprometidos da Galiléia, cantamos a nossa fé no poder criador e transformador de Deus. Lá, onde o Verbo se fez homem no seio da Virgem Maria, brota uma nascente inexaurível de esperança e de alegria, que não cessa de animar o coração da Igreja, peregrina na história.
A minha peregrinação terminou na sexta-feira, 15 de Maio, com a visita ao Santo Sepulcro e com dois importantes encontros ecumênicos em Jerusalém: ao Patriarcado Greco-Ortodoxo, onde estavam reunidas todas as representações eclesiais da Terra Santa, e por fim, à Igreja Patriarcal Apostólica Armênia. Apraz-me resumir todo o itinerário que me foi concedido percorrer precisamente no sinal da Ressurreição de Cristo: apesar das vicissitudes que ao longo dos séculos marcaram os Lugares santos, não obstante as guerras, as destruições, e infelizmente também os conflitos entre cristãos, a Igreja prosseguiu a sua missão, amparada pelo Espírito do Senhor ressuscitado. Ela está a caminho rumo à plena unidade, para que o mundo creia no amor de Deus e experimente a alegria da sua paz.
De joelhos no Calvário e no Sepulcro de Jesus, invoquei a força do amor que brota do Mistério pascal, a única força que pode renovar os homens e orientar a história e a criação para o seu fim. Peço também a vós que rezeis por esta intenção, enquanto nos preparamos para a festa da Ascensão que no Vaticano celebramos amanhã. Obrigado pela vossa atenção.
No final da audiência, o Papa saudou os fiéis presentes na Praça de São Pedro, proferindo em português estas palavras.
Com gratidão e amizade saúdo os diversos grupos do Brasil, o grupo de Terroso no norte de Portugal e demais peregrinos de língua portuguesa, que vieram encontrar o Sucessor de Pedro, poucos dias depois de ter terminado a sua peregrinação à Terra Santa. Lá, onde o Verbo divino se fez carne no seio da Virgem Maria, jorra uma fonte inesgotável de esperança e alegria que não cessa de animar o coração da Igreja, peregrina na história. Penhor de tal esperança e alegria, nos vossos corações de peregrinos, seja a Bênção que vos dou, extensiva às vossas famílias e comunidades eclesiais.