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O milagre eucarístico de Daroca foi um sinal do céu para que a festa de “Corpus Christi”, hoje solenidade, fosse estabelecida.

 

Enquanto continuamos a sentir o vazio da presença eucarística (teremos a emblemática procissão de Corpus Christi pelas ruas de nossas cidades?), saiamos do prosaico dia-a-dia em que vivemos e nos desloquemos no espaço e no tempo para a Espanha, ou Las Españas, no século XIII. 

 

Daroca, uma bela cidade medieval em Aragão, que já fora uma vila celta e mais tarde uma cidade romana, localizada a cerca de 80 km de Saragoça, foi escolhida por Deus para ser a guardiã de um maravilhoso milagre eucarístico. Ainda hoje, apesar da descristianização generalizada, em Daroca são solenemente celebrados (pelo menos até 2019…) a Semana Santa e o Corpus Christi.

 

Os muçulmanos, em seu esforço por conquistar toda a Península Ibérica, rondavam Daroca. As tropas cristãs de Aragão foram então organizadas para defender e reconquistar suas terras. Católicos de Daroca, Teruel e Calatayud estavam se preparando para a batalha. Eram 23 de fevereiro de 1239.

 

O pároco de Daroca, Pe. Mateo Martínez, estava celebrando a Missa e havia consagrado seis hóstias para a comunhão dos capitães das tropas. De repente, um ataque inimigo forçou a suspensão da Missa, e o padre correu apressadamente para uma montanha próxima, a fim de esconder, envoltas em corporais, as hóstias já consagradas.

 

No ataque, os cristãos saíram vitoriosos, e os comandantes pediram ao sacerdote que lhes desse a comunhão em ação de graças pela vitória. O padre foi até o lugar onde havia escondido o Santíssimo Sacramento para que não fosse profanado e, para seu espanto, encontrou as seis hóstias embebidas em sangue e coladas nos corporais.

 

Os comandantes da guerra ficaram encantados com a visão do milagre e o consideraram um sinal de que seriam vitoriosos no futuro ataque. Eles pediram ao clérigo que colocasse os corporais manchados de sangue em uma moldura para elevá-los como um estandarte. Com ele, retornaram à batalha, obtendo novas vitórias.

 

Os seis comandantes eram de lugares diferentes e, naturalmente, cada um queria que os corporais fossem para sua própria cidade, para serem homenageados na respectiva catedral ou templo. Eles discutiram e discutiram… ninguém cedia, e eles não entraram em acordo. Eles decidiram, então, fazer um sorteio. E a própria cidade de Daroca acabou sendo escolhida para ser a sede desse tesouro precioso.

 

Dois dos chefes, porém, não aceitaram. Então, uma solução singular foi proposta: os corporais seriam colocados nas costas de uma mula árabe, capturada na conquista, que nunca antes pisara terras cristãs. Eles a deixariam perambular pelo tempo que quisesse e, onde ela parasse, ali seria definitivamente o lugar escolhido para as relíquias ficarem. O plano foi executado.

 

A mula, com o tesouro às costas, pôs-se em marcha e andou por doze dias uma distância de cerca de 200 km, beirando as cidades, sem entrar em nenhuma. Por fim, caiu exausta diante da Igreja de São Marcos… na cidade de Daroca, para a qual retornou! Ali permaneceram os corporais, que, mais tarde, foram levados para a atual Basílica de Santa Maria dos Sagrados Corporais, onde são venerados em uma capela decorada com pinturas que evocam o milagre.

 

Existem tradições interessantes, transmitidas por gerações, sobre a jornada da mula. Contam que vários milagres aconteceram em sua jornada: cânticos de anjos, demônios que abandonaram possessos, conversões etc.

 

Alguns anos após o milagre, em 1261, uma delegação de Daroca viajou a Roma para informar Urbano IV — um Papa que muito amava a Eucaristia — sobre o milagre eucarístico em sua cidade. O pontífice foi contemporâneo da religiosa Santa Juliana de Cornillon, de Liège, Bélgica, que tanto trabalhou pela instituição de uma festa própria para o Santíssimo Sacramento. Na época, Urbano IV, que já havia sido canonista em Liège, estava em Orvieto, onde declarou outro famoso milagre eucarístico, o de Bolsena, e instituiu em 1264 a festa de Corpus Christi. O milagre eucarístico de Daroca foi considerado mais um sinal do céu para que a festa de Corpus Christi, hoje solenidade, fosse estabelecida.

 

Santo Tomás de Aquino, que providencialmente esteve na ocasião com o Papa, compôs hinos para a própria Missa de Corpus Christi. Mais tarde, o sábio santo dominicano seria nomeado padroeiro da cidade de Daroca. E, em 1444, o Papa Eugênio IV concedeu indulgências e jubileus a serem celebrados em Daroca. Foi esse Pontífice quem declarou autênticos outros milagres eucarísticos: o de Walldurn, na Alemanha, e o de Ferrara, na Itália. Foi um tempo de fé ardente… 

 

Alguém pode se perguntar: por que em tempos de fé robusta os milagres acontecem com relativa frequência e, na sociedade materialista de hoje, os milagres são tão raros ou quase inexistentes? Os milagres não tocariam os corações e alimentariam a fé sonolenta das pessoas?

 

Claro que não. Porque os milagres são, precisamente, presentes de Deus para almas que têm fé, que estão dispostas a acreditar. “Se não ouvirem a Moisés e aos profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite algum dos mortos”, disse Abraão ao homem rico da parábola, que ardia no inferno (Lc 16, 31).

 

De qualquer forma, todos os dias, em todos os momentos e em milhares de lugares, acontece um milagre muito maior e mais impressionante do que todos os outros: a transubstanciação. Na Missa, pelas palavras da consagração, proferidas pelo próprio Cristo pela voz do sacerdote, e por obra do Espírito Santo, pão e vinho tornam-se Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor.

 

Não se valoriza adequadamente este milagre supremo, e se pretendem outros, que seriam “inúteis”!

 

https://padrepauloricardo.org/blog/as-hostias-milagrosas-de-daroca