PADRE GABRIELE AMORTH
Famoso Exorcista da diocese de Roma.
As seitas.
Começo por este tema, embora não seja o mais perigoso, nem o mais consistente em termos numéricos; mas é o fenômeno mais chamativo, aquele que até o momento mais tem preocupado as autoridades eclesiásticas, se lermos os documentos oficiais.
A designação seitas é pejorativo e, certamente, não engloba apenas movimentos enraizados no ocultismo. Foi por isso que se procurou utilizar uma nova terminologia: novos movimentos religiosos ou mágicos. Para falar sobre eles, inspiro-me amplamente em quatro documentos: as Atas do Consistório Extraordinário, que se realizou em abril de 1991; a pesquisa a nível mundial e, depois, o documento conclusivo de quatro dicastérios do Vaticano, coordenados pela Secretaria de Estado, em 1986; o estudo que o monsenhor Casale, arcebispo de Foggia, realizou na qualidade de presidente do CESNUR (Centro de Estudos das Novas Religiões), em 1993, intitulado Nuove religiositá e nuova evangelizzazione (Nova religiosidade e nova evangelização) (editora Piemme); o documento da CEI (Conferência Episcopal Italiana), também de 1993: L’impegno pastorale della Chiesa di fronte ai nouvi movimenti religiosi o sètte (O empenho pastoral da Igreja perante os novos movimentos religiosos ou seitas).
O Consistório de 1991 ressalta que nestes movimentos podem ser distinguidos quatro níveis: A rejeição da Igreja (Cristo sim, Igreja não); A rejeição de Cristo (Deus sim, Cristo não); A rejeição de Deus (Religião sim, Deus não). Não havendo mais nada de transcendente, chega-se às últimas conseqüências: deus sou eu; nada mais existe além de mim; só eu conto, independentemente de qualquer outro ser, regra ou autoridade. E o Consitório afirma: “A fragmentação em mais de dez mil movimentos religiosos é também fruto do demônio, embora as pessoas não notem isso”. Diabolos significa aquele que divide.
O problema é muito sério e de conseqüências práticas chamativas. Por exemplo, na América Latina, a cada dia que passa, entre seis a oito mil católicos abandonaram a Igreja católica para aderirem às seitas. É claro que a autoridade eclesiástica se preocupou com a situação.
Em proporção aos seus habitantes, à Itália é o país que tem o maior número de Testemunha de Jeová, seita das mais recentes, que tem uma doutrina e faz profecias sem pés nem cabeça. Mas foram difundidas devido à ignorância dos italianos em matéria de religião e, sobretudo, de cultura bíblica; devido à insistência asfixiante dos seus métodos de conversão; devido ao tom apocalíptico utilizado, embora periodicamente desmentido pelos fatos: anunciaram que o fim do mundo ocorreria em 1874 – ainda mal tinham nascido como grupo; adiaram a data para 1914; como também nesse ano nada aconteceu, adiaram para 1925, outro ano em que não se deu o fim do mundo; foi então que anunciaram nova data para 1975 e, depois, 1986. Não obstante as minhas banais contradições, o movimento difundiu-se pelo mundo e continua a crescer.
As pessoas vivem inquietas, num mundo que mete medo porque é privado de qualquer garantia de segurança. As pessoas vivem problemas de todos os tipos; onde podem encontrar respostas? Os padres não as ouvem. Preferem ir aos magos, aos cartomantes, aos adivinhos, aos curandeiros, aos videntes. Ou, então, mudam-se para as religiões orientais; ou dedicam-se ao ocultismo propriamente dito.
As pessoas vivem pressionadas pelos seus próprios problemas, que deu um modo ou de outro é preciso resolver. Encontram alguém que as ouvem, alguém que demonstra compreensão; e é deste modo que entram para uma seita. Para um cristão entrar numa seita significa procurar a verdade fora do único Salvador; significa procurar a verdade fora do único Mestre. Por vezes, significa querer dominar o futuro, o além, a vida mortal, seguindo o caminho indicado pelos ocultistas.
O documento dos quatro dicastérios do Vaticano tem a característica de olhar para as seitas com respeito; considero-as um “desafio pastoral”, ou seja, ocasião de exame de consciência, para ver que auxílios as seitas prometem ou oferecem, e nós, pelo contrário, não oferecemos; o que é que as pessoas procuram e encontram nas seitas, já não encontrando na Igreja aquilo de que necessitam.
A sondagem preparatória, de abrangência mundial, acentua os aspectos que as pessoas procuram nas seitas: amor, comunidade, comunicação, amizade, afeto, fraternidade, auxílio, diálogo, compreensão, participação, segurança, proteção. Surge uma pergunta espontânea: a comunidade paroquial tradicional oferece tudo isto? E ainda nos admiramos com o abandono, de fato?
O documento considera também outros aspectos importantes, de origem evangélica certa, de auxílio às pessoas. Refere-se à possessão diabólica, mais insiste, sobretudo, na cura: as pessoas querem ser curadas no corpo. O Evangelho afirma claramente: “uma grande multidão de pessoas (...) tinha vindo para ouvi-lo e ser curada das suas enfermidades” (Lc 6,17).
Nós nos tornamos, por demasiado, espiritualistas no sentido errado. O homem é alma e corpo. É por isso que o ministério de cura e libertação está bem fundamentado nas palavras do Senhor, que deu este poder aos Apóstolos, depois aos discípulos e, por fim, estendeu-o a todos os que acreditam nEle: “Estes milagres acompanharão os que crerem (homens ou mulheres, jovens e velhos; o único requisito é a fé): imporão as mãos aos enfermos e eles ficarão curados” (Mc 16, 17-18).
É claro que estas palavras não contrastam, mas devem ser harmonizadas com todos os outros ensinamentos evangélicos sobre o valor do sofrimento, da necessidade de pegar na própria cruz para poder seguir o Mestre; a fé valoriza o sofrimento, digo mesmo, que só a fé dá plena explicação ao maior problema do homem, que é a presença do sofrimento no mundo.
Completar “o que falta aos sofrimentos de Cristo”, como se expressa Paulo (cl 1-24), é uma contribuição que todos devem dar em função da Salvação. Mas este fato não deve nos fazer esquecer o desejo natural de sermos curados, o poder de Cristo sobre o mal e a ininterrupta série de milagres que a história da Igreja nos apresenta: pensemos também nas beatificações e canonizações de santos, que exigem sempre a presença de um milagre minuciosamente verificado.
Não é de se espantar, portanto, a insistência do documento do Vaticano: “Atenção especial deve ser prestada ao ministério da cura (...). A nossa pastoral não deve ser unidimensional; não deve estender-se apenas à dimensão espiritual, mas também à dimensão física, psicológica, social, cultural, econômica e política”.
Pensemos também, independentemente dos milagres de cura, na imensa contribuição dada pelos homens da Igreja para a cura dos doentes e na fundação de hospitais.
Vários Sínodos diocesanos foram concluídos com uma escolha, uma declaração que tem um propósito: a escolha dos pobres. Também foi a escolha da Conferência Episcopal Italiana, no documento La Chiesa italiana e lê preospettive del Paese ( A igreja italiana e as perspectivas do País), em 23 de outubro de 1981.
Certamente que deram origem a iniciativas louváveis. Mas também receio a retórica, quando vejo, no meu serviço de exorcista, tantas pessoas que não são compreendidas, nem mesmo pelos familiares, nem pelos médicos, nem pelos sacerdotes, e não sabem a quem se dirigir.
Gostaria que em todas as Igrejas se repetisse a oração dos primeiros cristãos: “Senhor, olhai para as suas ameaças e concedei aos vossos servos que com todo o desassombro anunciem a vossa palavra. Estendei a vossa mão para que se realizem curas, milagres e prodígios pelo nome de Jesus, vosso santo servo!” (At 4,29-30).
Há também um outro tema no documento do Vaticano que mereceria uma dissertação à parte: os carismas, o papel profético e carismático das pessoas. Que grande regresso às origens genuínas! Até o passado recente, ensinava-se que há a Igreja docente (o Papa e os bispos) e a Igreja discente (todos os outros), que nada tem a dizer e tudo tem a aprender.
Mas não era assim na Igreja dos Apóstolos, ensinada por São Paulo quando fala dos carismas (e que põe, na hierarquia dos carismas, os pastores em quarto lugar, quando não chega palavra, mas não a única palavra); e também não é assim na Igreja apresentada pelo Vaticano II, se lermos o nº 12 da Lúmen gentium e o nº 3 da Apsotolicam actuositatem.
Também não há dúvida de que uma maior valorização das pessoas em termos individuais, especialmente das mulheres, contribuiu para a expansão dos novos movimentos religiosos ou mágicos.
A nova religiosidade
É uma expressão que está na moda. Foi escolhida para indicar aquelas pessoas que se consideram cristãs, mesmo aceitando idéias teológicas ou morais incompatíveis com o cristianismo.
Um dos italianos é o de acreditar na reencarnação, crença totalmente incompatível com a ressurreição e, portanto, com a fé cristã. Ou então: freqüentar sessões de espiritismo, magos, cartomantes e outras coisas parecidas. Entre as formas de superstição, também englobo quem corre atrás de presumíveis aparições, revelações privadas, pretensiosos carismáticos. Todas estas formas sempre são acompanhadas por uma total ignorância da Bíblia, da doutrina cristã, dos ensinamentos da Igreja. Já não se acredita no Deus único, no único Salvador, no único Mestre. Quer se conciliar tudo. Todas as religiões são iguais.
No que respeita o comportamento moral, considera legítimo o divórcio, o aborto, as relações sexuais antes do Matrimônio. Mais grave ainda é freqüentar ambientes ou pessoas totalmente contrárias ao cristianismo: grupos de religiões orientais, pessoas como Sai Baba, que considero o filho primogênito de Satanás.
É inútil dizer que só a nova evangelização, ou seja, só um sério aprofundamento do cristianismo pode remediar estes freqüentíssimos casos de nova religiosidade.
Fonte: Extraído do Livro "Exorcistas e Psiquiatras" - Pe. Gabriele Amorth - Ed. Palavra & Prece.