Por que retornar à Missa de São Pio V?
APRESENTAMOS A TERCEIRA CARTA
Do Rev. Padre Louis Demornex a seus paroquianos em CASERTA, ITÁLIA.
« Hoc est enim Corpus meum » Isto é o Meu Corpo.
« Hic est enim Calix Sanguinis mei, » Este é o Cálice do Meu Sangue,
Estas palavras da consagração são o ápice de um itinerário crescente que parte da oferta da vítima (Vítima imaculada, Cálice da salvação) e da sua preparação, procedendo então à sua imolação pelos pecados do mundo.
Este itinerário, composto de textos e ritos, foi estabelecido pela Igreja por séculos, até se chegar à sua última e perfeita redação desejada pelo Concílio de Trento.
O resultado destes séculos de pesquisa e ajustamentos é portanto um texto preciso, selecionado, apto a expressar o Dogma católico e a realidade da Santa Missa. A tal ponto que no dia 14 de julho de 1570, São Pio V pôde promulgar o Missal em modo definitivo com uma bula dogmática (Quo primum tempore) a qual estabilizava para sempre o seu conteúdo:
“E a fim de que todos, e em todos os lugares, adotem e observem as tradições da Santa Igreja Romana, Mãe e Mestra de todas as Igrejas, decretamos e ordenamos que a Missa, no futuro e para sempre, não seja cantada nem rezada de modo diferente do que esta, conforme o Missal publicado por Nós, decretamos e declaramos que a presente Bula não poderá jamais, em tempo algum, ser revogada nem modificada, mas permanecerá sempre firme e válida, em toda a sua força”.
“Assim, portanto, que a ninguém absolutamente seja permitido infringir ou, por temerária audácia, se opor à presente disposição de nossa permissão, estatuto, ordenação, mandato, preceito, concessão, indulto, declaração, vontade, decreto e proibição. Se alguém, contudo, tiver a audácia de atentar contra estas disposições, saiba que incorrerá na indignação de Deus Todo-poderoso e de seus bem aventurados Apóstolos Pedro e Paulo”.
Textos e rubricas obrigavam sub gravi, que é o mesmo que dizer que não era permitido ao sacerdote a mínima improvisação pessoal para as variações e isto em caráter perpétuo. Havia sido encontrada a fórmula perfeita e definitiva pela qual, através da oração oficial da Igreja, se expressava a fé da Igreja.
A Igreja prudentemente não se fiava na fragilidade humana e portanto impunha um percurso seguro para se chegar ao cumprimento válido e eficaz do rito. Fora deste percurso o rito não era válido.
Por exemplo, as palavras da consagração pronunciadas sozinhas, não podem ser válidas, porque essas não são palavras mágicas tiradas do ar, mas apenas se tornam válidas se o sacerdote percorreu o itinerário desejado pela Igreja, com a intenção de se chegar à imolação da Vítima segundo a mesma intenção da Igreja.
E todas as gerações da humanidade deveriam passar por esse rito perfeito do Sacrifício da Cruz para serem purificados dos pecados e promovidos à bem-aventurança eterna.
Com a reforma, mudando a oração, obrigatoriamente mudou-se a fé, e dois fatos o demonstram claramente:
- A nova Missa foi composta com a participação efetiva de seis teólogos protestantes (dott. Georges, canonico Jasper, dott. Sephard, dott. Konneth, dott. Smith, e o Irmão Max Thurian);
- Estes demonstraram a sua plena satisfação por este rito ser admissível até mesmo pelas comunidades protestantes, portanto um rito não mais católico.
Enquanto antes a Missa Católica era considerada a pior “abominação”, hoje para os protestantes (luteranos, anglicanos, calvinistas) a Missa não apresenta mais nenhum obstáculo para a comunhão, e não porque esses tenham aceitado a nossa fé; muito pelo contrário, foi porque a fé católica foi alterada.
É o cúmulo em absoluto, que nós católicos tenhamos solicitado esta “graça” aos heréticos, saídos da Igreja há mais de quatrocentos anos atrás, exatamente os negadores do sacrifício propiciatório, ignorantes da nossa fé, membros de igrejas mortas que não possuem os sacramentos, especialmente o da Eucaristia, Pão da vida eterna. Um povo sem verdade, sem doutrina. A esses foi solicitado o favor de nos ajudar a compor uma Missa católica!
Absolutamente um absurdo, realmente é flagrante a incapacidade e a incompetência deles ao tentarem criar um culto justo e agradável a Deus.
Pedimos a pessoas que não crêem na Missa que nos ajudassem a compor a nossa Missa!
Seria o mesmo que pedir a um cego que nos guiasse por uma trilha montanhosa, ou que guiasse um carro em uma via congestionada, ou que pedíssemos a uma analfabeta para que nos ensinasse o grego, ou que desmontasse um quebra-cabeças perfeito para fazer com que fosse remontado usando apenas algumas peças ao improviso.
Será que poderíamos imaginar os muçulmanos pedindo aos judeus para que os ajudassem a compor as cerimônias da mesquita?
Ora, como podemos confiar em pessoas sem doutrina, sem regras morais precisas, abandonadas ao livre exame, estrangeiros, inimigos da Igreja, geradores incansáveis de confusão espiritual, renegadores da fé de seus antepassados antecedentes à reforma?
Não afirmo nada disso gratuitamente: por experiência de ecumenismo (três anos muito empenhadíssimo), posso afirmar que o protestantismo é uma empresa de demolição. Com esse, nenhum diálogo é possível porque lhes faltam as bases doutrinárias sobre as quais se possa fundamentar um ponto de partida para o diálogo.
Que coisas poderíamos discutir quando eles mesmo não sabem no que crêem? Eu constatei o seu desdém quando com a Bíblia na mão, demonstrava-lhes a justiça das posições católicas. Com os ortodoxos era bem diferente: amor, sinceridade, seriedade na busca da verdade.
Dou-lhes um exemplo: uma conferência de ministros do monoteísmo. Cada um falou com clareza da própria religião, exceto o protestante, ao qual no final, como profissão de fé fundamental, eu perguntei se acreditava na divindade de Cristo. Ele disse que sim. Então resolvi perguntar se para ele os reformados que negam a divindade de Cristo, seriam considerados irmãos separados. Ele me respondeu que não e ainda acrescentou: “vou igualmente celebrar o culto com eles, somos todos irmãos reformados”. Aí eu disse-lhe: “Então crer ou não crer na Santíssima Trindade pra vocês é algo indiferente! Portanto ser protestante significa crer em qualquer coisa”. Ele apenas sacudiu os ombros e saiu. Esse era o presidente da Confederação Calvinista francesa.
Bonum ex integra causa, malum ex uno defectu. Vejamos então a que ponto chegaram esses negadores da verdade revelada. E na Missa, uma só vírgula introduzida por sugestão dos protestantes já é uma verdadeira lesão ao rito, aquele malum ex uno defectu.
Isto constitui a máxima desonestidade contra Deus, contra a Verdade e contra as almas.
Criou-se um compromisso na confusão para promover simpatias terrenas. Chamou-se caridade ecumênica aquilo que é traição à Igreja Católica. Sufocou-se a Verdade na teia dos comprometimentos.
Os protestantes, habituados a crerem apenas naquilo que lhes é conveniente, viram-se de repente alegrando-se pelos textos neo-católicos.
Acostumados a viver na confusão por tantos séculos, certamente que ficaram muito satisfeitos por levarem à Igreja Católica a sua mentalidade, se bem que com quase quatro séculos de atraso, depois de tantos conflitos de palavras e derramamento de sangue (digo mentalidade porque no que lhes diz respeito, estando neles ausente a fé e a obediência à Verdade revelada, certamente que não se pode falar de religião, mas somente um pensamento vago, flutuante, incerto, unicamente moralizante, que vai do rigorismo ao indiferentismo, e tudo isso, de qualquer modo, apenas fruto da criação humana)
“Ninguém vem a mim se o Pai não o atrair“, o que significa: o conhecimento da verdade não depende da capacidade humana, mas de uma revelação do alto: “... porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas o meu Pai que está nos céus”. (Mt 16, 17.)
O que quer dizer, que quem nega a verdade revelada como tal, não foi chamado pelo Pai e portanto é obrigado a inventar e a andar errante e sem meta até exaurir-se no ateísmo.
O Concílio Ecumênico das Igrejas (CEC) foi criado justamente para tentar segurar o fracionamento infinito das teorias dos reformadores, numa tentativa desesperada de estabelecer um acordo sobre alguns elementos comuns a serem mantidos, para conservar uma aparência cristã.
Aos católicos sempre foi proibido tomar parte neste marasmo dramático, porque a Igreja Católica ao invés, luminosa e florescente, está apoiada sobre três colunas: a Doutrina revelada, os santos Sacramentos e o Vigário de Cristo, o qual está encarregado de vigiar com olho bem aberto e competente (infalibilidade) para que o depósito da fé seja conservado e transmitido integralmente, já que é algo celestial.
No que diz respeito aos protestantes, se esperava para eles um feliz retorno ao redil divinamente alimentado nas pastagens eucarísticas. Se olhava com profunda piedade para estas almas errantes e doentes, há tantos séculos privadas do Alimento de vida eterna.
Jamais se sonhou em unir-se a eles no seu estado de morte, pensando em proporcionar-lhes algum bem ou de querer o seu bem.
No entanto, eis o espetáculo mais doloroso: justamente a eles, os negadores do dogma, os blasfemadores do Sacrifício perpétuo (“Eu declaro que todos os bordéis, os homicídios, os furtos, os assassinatos e os adultérios não são nada em comparação com aquela abominação que é a missa papista.“), os desprezadores da Igreja católica (Lutero chamava a Igreja de “a grande prostituta“), os odiadores do Papa (”Quem não se opõe com todo o coração ao papado não pode atingir a eterna felicidade“), a esses foi confiada à tarefa de criar um rito litúrgico que lhes fosse aceitável, seja no seu todo, seja nos detalhes, como foi confirmado pelos responsáveis católicos. Um rito que se tornou lei na Igreja Católica e que eu, como sacerdote católico, sou obrigado a celebrar.
Eis aí então a origem de toda a anarquia litúrgica e dos abusos assinalados mais acima: também nós nos tornamos protestantes, isto é inventores dos nossos ritos sem mais nenhuma certeza.
Todavia, a este ponto, tendo então mudado o itinerário canonizado em caráter perpétuo pela Igreja, seria ainda válida a Missa? Chegamos ao ápice do itinerário com esta outra via paralela que é o texto reformado dos Reformadores?
Com quanta alegria os protestantes conseguiram tomar pelas mãos estas “criancinhas católicas” atrasadas há quatro séculos, para enfim fazê-las se aproximar da liberdade de pensamento, da liberdade religiosa, da idade adulta em que se descobre autônomo, emancipado, em condições de gerir a própria vida sem mais nenhuma referência a uma Autoridade superior! Eis aí a anarquia litúrgica, dogmática e moral: o protestantismo dentro da Igreja Católica.
No que diz respeito aos autores do novo rito, creio que a sentença da Igreja seja mais que uma excomunhão. De fato, a excomunhão pode ser abusiva e portanto inválida. No passado, Papas e Patriarcas a distribuíam sem nenhuma parcimônia.
O último e único caso na Igreja atual, que anulou a excomunhão de tudo quanto é espécie de heréticos e cismáticos, foi o caso da excomunhão de Mons. Lefebvre. Uma excomunhão desmentida depois por uma famosa tese de doutorado em Direito Canônico, sustentada e aprovada summa cum laude na Universidade Gregoriana em 1995.
É portanto óbvio que a Igreja não é infalível ao aplicar sanções disciplinares, e a maior prova disso é a anulação das excomunhões lançadas no passado contra ortodoxos e protestantes (o ecumenismo pode tudo!).
Já na Bula “Quo primum tempore”, parece-nos que São Pio V empenhou até mesmo o juízo divino e o da hierarquia triunfante:
“Assim, portanto, que a ninguém absolutamente seja permitido infringir ou, por temerária audácia, se opor à presente disposição de nossa permissão. Se alguém, contudo, tiver a audácia de atentar contra estas disposições, saiba que incorrerá na indignação de Deus Todo-poderoso e de seus bem aventurados Apóstolos Pedro e Paulo”.
Portanto a Bula é mais do que uma canonização do rito, é mais do que um decreto de excomunhão para os transgressores: enquanto a excomunhão não empenha o juízo de Deus, mas tão somente a sociedade eclesial terrena, estes termos da Bula empenham também os decretos divinos e eternos.
A reforma litúrgica, desejada por Paulo VI e realizada com a contribuição e satisfação de teólogos protestantes, “produziu - como diz o Card. Ratzinger - danos extremamente graves para a fé!” (JOSEPH RATZINGER, La mia vita, p. 112).
Pe. Louis Demornex.