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O que é um padre?

(Padre J.Baeteman)

 

Sem dúvida é um homem como nós, porém um homem obrigado, pela vocação, a viver num plano superior, a tender à perfeição, mesmo à santidade; um homem condenado a viver só, sem família, a fim de ter o coração livre e sempre pronto à todas as dedicações; um homem que segundo a palavra do P. Chevrier, é "feito para ser comido"; um homem que não se pertence, mas que pertence a todos.

 

Como Cristo ele está na terra "para servir". E que servidão a sua! Dia e noite ele está à disposição dos que necessitam do seu ministério; passará horas a fio nisso... quantos padres têm perdido a saúde em conseqüência de estágios prolongados no confessionário! Em particular nas vésperas das festas, ás vezes eles entrarão ali ás seis horas da manhã para saírem já noite fechada! Em certos momentos, o seu pobre corpo não pode mais, a cabeça estala; mas eles têm de permanecer no seu posto. Estão ali "para servir". Ali ouvem confissões perturbadoras, ficam ligados a elas por um segredo terrível, a ponto de deverem morrer antes que revelarem o que ouviram. E, se uma epidemia estender suas devastações sobre o país, eles serão sempre os primeiros, e por dever, a ir à cabeceira dos doentes, ainda quando tivessem com isso de contrair o contágio e a morte. Devem "servir"!

 

No campo, é uma solidão esmagadora e, às vezes, a pobreza extrema... Nas cidades, o padre é "moído", da manhã à noite, pelos ofícios, pelos catecismos, pelos doentes, pelas visitas obrigatórias, pelos patronatos, etc...


E quantos que, á noite, ainda são obrigados a ocupar-se de círculos de estudos, de sessões a preparar, e o mais; expostos ainda a levantar-se se, durante a noite, os chamarem à cabeceira de um moribundo!

 

Na realidade, quando olhada sem "parti-pris", a vida do padre é simplesmente heróica.

 

O que os inimigos exprobram, sobretudo, não é o bem que ele faz, é vê-lo teimar em viver na cruz, como seu Mestre, condenando-lhes assim os costumes dissolutos! A ele, como a Cristo, eles bradam: "Desce da tua cruz!" Então talvez eles lhe perdoassem, se o vissem tornar-se como um deles. Mas o eleito de Deus obstinar-se-á na sua vida rude, crucificado, solitário; jamais descerá da sua cruz, jamais renunciará ao seu papel de Cristo. Por isto, será sempre perseguido pelas injúrias, pelos sarcasmos, pelos escárnios e pelo ódio.

 

Os jornais de 1937 noticiaram que, na Espanha, 50% dos padres haviam sido fuzilados, torturados, trucidados; em certas regiões a proporção foi até 90%.

 

...Um missionário da China, voltando à França depois de haver por milagre escapado a horríveis perigos, ao descer do navio, em Marselha, arrastava o seu pobre corpo gasto, amortecido. Uns operários passam por junto dele, e um deles, apontando-o aos outros, exclama: "Quando será que se jogará na água esse lepra?" Por que esse grito de ódio? Era um padre!

 

... A nossa batina designar-nos-á sempre aos punhais dos sicários e às balas dos desordeiros!

 

(Padre Baeteman - Mais perto de Ti, meu Cristo - pág. 249 a 252)

 

 

O fim do Sacerdócio.

 

I

 

O Sacerdócio, aos olhos dos santos, é um encargo terrível.

 

Dizia S. Clemente de Alexandria que os que estavam verdadeiramente animados do Espírito de Deus, se encontravam possuídos de temor ao receberem o sacerdócio, como um homem que treme à vista dum fardo enorme, que lhe vão lançar sobre os ombros, com perigo de ele ficar esmagado. Santo Efrém nos diz que não encontrava ninguém que quisesse ser ordenado de presbítero (Ep. ad Joan. hieros.). Um concílio de Cartago decretou que os que fossem julgados dignos do sacerdócio e o recusassem, podiam ser obrigados a deixar-se ordenar. “Ninguém, dizia S. Gregório de Nazianzo, recebe de boa vontade o sacerdócio”.

 

Refere o diácono Pôncio que S. Cipriano, ao saber que o queriam ordenar sacerdote, correra a esconder-se por humildade: Humiliter secessit (Vita S. Cypr.). O mesmo fez, por igual motivo, S. Fulgêncio. Prevendo que ia ser eleito, correu a esconder-se num lugar desconhecido. Refere Sozomeno que também Sto. Atanásio fugira para não ser elevado ao sacerdócio. Santo Ambrósio fez grandes resistências, como ele próprio afirma. S. Gregório procurou disfarçar-se em trajo de negociante para escapar à ordenação, apesar de Deus ter mostrado por milagres que o chamava à ordenação.

 

Para não ser ordenado, Sto. Efrém se apresentou como insensato e S. Marco cortou o dedo polegar. O mesmo motivo levou Sto. Amon a cortar as orelhas e o nariz; e, como apesar disso o povo insistia em o fazer ordenar, fez-lhe a ameaça de cortar também a língua; então cessaram de o perseguir. É sabido que S. Francisco, ordenado diácono, não quis receber o presbiterato, porque uma visão lhe tinha revelado que a alma do padre deve ser pura como a água, que lhe fôra mostrada num vaso de cristal. Do mesmo modo o abade Teodoro não era senão diácono, e todavia nunca quis exercer as funções da sua Ordem, porque um dia ao fazer a oração viu uma coluna de fogo e foi-lhe dito: “Se tens o coração inflamado como esta chama, então exerce a tua Ordem”. O abade Motuès era sacerdote, mas não quis celebrar, porque se julgava indigno disso.

 

Antigamente, entre os monges, cuja vida era tão austera, poucos se encontravam que fossem sacerdotes. Aos olhos deles, aspirar ao sacerdócio era presunção. Por isso S. Basílio, querendo experimentar a obediência dum monge, mandou-lhe que pedisse publicamente o presbiterato; o que foi olhado como um ato de obediência; porque, fazendo um tal pedido, o religioso expunha-se a passar por um grande orgulhoso.

 

Mas, enquanto os santos, que só vivem para Deus, têm tanta repugnância em receber as Ordens e se crêem indignos delas, — como é que tantos correm às cegas para o sacerdócio e não descansam até que lá cheguem, por caminhos direitos ou tortos? Ai, exclama S. Bernardo, esses são para lamentar; porque, para eles, o estarem no número dos sacerdotes será o mesmo que estarem inscritos na lista dos condenados!

 

Porquê? Porque de todos esses padres apenas haverá algum que tenha sido chamado por Deus. O que os impediu para o santuário foi o interesse, a ambição, a influência dos pais, e assim não se ordenam para o fim que o sacerdote deve ter em vista, mas para os fins perversos do mundo. Por isso os povos permanecem ao abandono e a Igreja desonrada. Tantas almas se perdem, ao mesmo tempo que tais padres se afundam na ignomínia!

 

II

 

O fim do sacerdócio

 

Quer Deus que todos os homens cheguem a salvar-se, mas nem todos pelos mesmos caminhos: assim como no Céu há diversos graus de glória, também na terra há diversos estados, que assinalam outros tantos caminhos diferentes para ir para o Céu. Entre esses estados, o mais nobre, o mais sublime, que se pode chamar o estado por excelência, é o estado sacerdotal, em razão dos fins altíssimos para que foi estabelecido.

 

Quais esses fins? Só celebrar missa, recitar o ofício, e viver depois como os seculares? Não, por certo; o fim que Deus se propôs foi estabelecer na terra pessoas públicas, encarregadas de tudo quanto respeita à honra da sua divina majestade e à salvação das almas: Porque todo o Pontífice, escolhido dentre os homens, é estabelecido o favor dos homens, para exercer as funções do culto para com Deus, e oferecer dons e sacrifícios pelos pecados; deve saber compadecer-se dos que pecam por ignorância. Assim fala S. Paulo, e o Sábio diz de Aarão que ele fôra escolhido, para desempenhar funções sacerdotais e louvor ao nome de Deus. Foi assim que o cardeal Hugues aplicou as palavras: Habere laudem. E Cornélio A-Lápide ajunta: Assim como o ofício dos anjos é louvar incessantemente a Deus no Céu, assim o dos sacerdotes é louvá-lo constantemente na terra.

 

Estabeleceu Jesus Cristo os padres como cooperadores seus para glória de seu eterno Pai e salvação das almas; por isso ao subir ao Céu declarou que os deixava em seu lugar, para continuarem a obra da redenção, que tinha empreendido e consumado. Conforme a expressão de Sto. Ambrósio, assim que os constituiu delegados do seu amor. O Salvador disse a seus discípulos: Conforme meu Pai me enviou, assim Eu vos envio a vós; deixo- vos, para que façais o que eu próprio vim fazer à terra, isto é, para que manifesteis aos homens o nome de meu Pai.

 

Dirigindo-se a seu Padre eterno, tinha Ele dito: Glorifiquei-vos na terra; a minha obra está consumada... fiz conhecer o vosso nome aos homens. Depois tinha orado pelos seus sacerdotes nestes termos: Confiei-lhes a vossa palavra... Santificai-os na verdade!... Assim como vós me enviastes ao mundo, assim Eu os enviei. Portanto os padres estão colocados neste mundo para fazerem conhecer a Deus: as suas perfeições, a sua justiça, a sua misericórdia, os seus preceitos, e para lhe conciliarem o respeito, obediência e amor que lhe são devidos. Estão encarregados de procurar as ovelhas desgarradas, e dar a vida por elas, se necessário for. Tal o fim para que Jesus Cristo veio à terra, e instituiu os sacerdotes.

 

III

 

Principais deveres do padre

 

O próprio Jesus Cristo diz que viera ao mundo para acender o fogo do amor divino. Eis ao que o padre deve consagrar toda a sua vida e todas as suas forças. Não tem que trabalhar em adquirir tesouros, honras e bens terrenos, mas unicamente em ver a Deus amado de todos os homens. Somos chamadas por Jesus Cristo, diz o autor da Obra imperfeita, não a procurar os nossos próprios interesses, mas a glória de Deus... O amor verdadeiro não se procura a si próprio; deseja em tudo andar à vontade do amado.

 

Na antiga Lei disse o Senhor: Separei vos de todos os povos, para que fôsseis meus. Considerai estas palavras como dirigidas aos padres: Para que sejais meus, inteiramente aplicados aos meus louvores, ao meu serviço e ao meu amor; e, segundo S. Pedro Damião, para que sejais os cooperadores e dispensadores dos meus sacramentos; e segundo Sto Ambrósio: Para serdes os guias e pastores do rebanho de Jesus Cristo. Acrescenta o santo Doutor que o ministro dos altares não é mais seu mas de Deus. O próprio Senhor diz que separa dos outros homens os padres, para os ter inteiramente unidos a si.

 

O divino Mestre disse: Se alguém me está associado, que me siga; Si quis mihi ministrat, me sequatur (Jo. 12, 26). Para seguir a Jesus Cristo, deve o padre fugir do mundo, socorrer as almas, fazer amar a Deus, declarar guerra ao pecado. Deve olhar como feitas a si as injúrias contra Deus: Caíram sobre mim os ultrajes dos que vos ofendem. Entregues aos negócios do mundo, não podem os leigos render a Deus o tributo de homenagem e reconhecimento que lhe é devido; por isso, diz um sábio autor, o Pe. Frassen, é necessário escolher dentre os outros homens alguns que, pelo seu próprio estado, sejam obrigados a prestar ao Senhor a honra que lhe pertence.

 

Em todas as cortes dos soberanos, há ministros encarregados de fazer observar as leis, remover os escândalos, reprimir os sediciosos e defender a honra do rei. Foi para os mesmos fins que o Senhor estabeleceu os sacerdotes: são oficiais da sua corte. Isto fez dizer a S. Paulo: Mostremo-nos verdadeiros ministros de Deus. Estão os ministros sempre atentos a conciliar ao seu soberano o respeito que lhe é devido, e engrandecer a sua glória. Falam dele com veneração; se alguém o censura, logo o defendem com zelo; procuram adivinhar-lhe os desejos, e até expõem a vida para lhe agradar.

 

É assim que procedem os padres para com Deus? Não há dúvida que são ministros seus; é pelas suas mãos que passam e são tratados os negócios que interessam à sua glória. É por intermédio deles que devem ser tirados do mundo os pecados, — fim para que que Jesus Cristo quis morrer, diz S. Paulo. Mas, no dia do juízo, como serão reconhecidos por verdadeiros ministros de Jesus Cristo esses padres que, longe de impedirem os pecados dos outros, eles próprios são os primeiros a conjurar-se contra Jesus Cristo?

 

Que se diria dum ministro que se recusasse a vigiar pelos interesses do seu rei, e se afastasse quando ele reclamasse o seu serviço? É que se diria se este ministro falasse até contra o rei, e conspirasse para o destronar, coligando-se com os seus inimigos?

 

Segundo o Apóstolo, são os sacerdotes embaixadores de Deus; são os cooperadores de Deus na salvação das almas. Deu-lhes Jesus Cristo o Espírito Santo, para que possam salvar as almas, absolvendo-as dos pecados. Donde conclui o teólogo Habert que o espírito sacerdotal consiste essencialmente num zelo ardente, primeiro pela glória de Deus, e depois pela salvação das almas.

 

Não tem pois o padre que se ocupar das coisas do mundo, mas unicamente dos interesses de Deus: Constituitur in iis quae sunt ad Deum (Hebr. 5, 1). Por esta razão, quis S. Silvestre que, para os eclesiásticos, os dias da semana tivessem o nome de Férias, que quer dizer dias feriados, em que não se cuida dos trabalhos ordinários. Assim nos adverte que nós os padres nos devemos empregar exclusivamente em servir a Deus e ganhar-lhe almas, ocupação que S. Dionísio Areopagita chama o mais divino dos ministérios: “Será perfeito o sacerdote se imitar a Deus, se se fizer cooperador de Deus, que é a mais divina de todas as ocupações”.

 

Segundo Sto. Antonino, sacerdos significa sacra docens; e segundo Honório d’Autun, presbyter significa praebens iter. Assim, Sto. Ambrósio dá aos padres o título de guias e pastores do rebanho de Jesus Cristo. Por S. Pedro é chamado o clero um sacerdócio real, uma nação santa, um povo de conquista, povo destinado a conquistar, — o quê? Almas e não riquezas, conforme a reflexão de Sto. Ambrósio. Os próprios pagãos não queriam que os seus sacerdotes se ocupassem senão do culto dos seus deuses; por isso lhes era vedado o exercício de qualquer magistratura.

 

Este pensamento fazia gemer S. Gregório, que dizia, falando dos padres: “Devemos pôr de parte todos os negócios da terra, para só nos darmos à causa de Deus; mas procedemos ao contrário: deixamos a causa de Deus e só vivemos para os interesses terrenos”. Moisés, estabelecido por Deus para só cuidar das coisas da sua glória, aplicava-se a decidir pleitos, mas Jetro advertiu-o e disse-lhe: Estás a gastar-te loucamente; deixa esse trabalho para cuidares do povo e das coisas relativas a Deus.

 

Que diria Jetro se visse os nossos padres feitos negociantes, servos dos seculares, medianeiros de casamentos, e sem se importarem das obras de Deus? Se os tivesse visto, como observa S. Próspero, empenhados em se fazerem ricos, mas não melhores; em adquirirem mais honras, mas não mais santidade?

 

Ó, exclamava a este respeito o venerável João de Ávila, que abuso subordinar o Céu à terra! Que miséria, ajunta S. Gregório, ver tantos padres que procuram adquirir, não os merecimentos duma vida virtuosa, mas as vantagens da vida presente! É porque, nas funções do seu ministério, não intentam a glória de Deus, mas somente o lucro que auferem delas, diz Sto. Isodoro de Pelusa.

 

Santidade exigida no Padre

 

I

 

Em razão da sua dignidade

 

É grande a dignidade dos padres; mas não são menores as obrigações que lhe andam inerentes. Erguem-se os padres a uma grande altura; mas é necessário que sejam elevados e sustentados nela por uma grande virtude. No caso contrário, em vez de recompensa, um rigoroso castigo lhes está reservado; tal é o pensamento de S. Lourenço Justiniano.

 

S. Pedro Crisólogo diz por sua vez: “O Sacerdócio é uma grande honra; mas é também um fardo pesado, e traz consigo uma grande conta a prestar”. E S. Jerônimo: “Não é pela sua dignidade que o padre se salva, mas pela obras concordes com a sua dignidade”.

 

Todo o cristão deve ser perfeito, deve ser santo, por isso que todo o cristão faz profissão de servir um Deus santo. Segundo S. Leão, uma pessoa torna-se cristã despojando-se da semelhança do homem terreno, e revestindo-se da forma de homem celeste. Era a razão por que Jesus Cristo dizia: Vós pois sêde perfeitos, como vosso Pai celeste é perfeito.

 

Mas a santidade do padre deve ser diferente da dos seculares, segundo a observação de Sto. Ambrósio. Ajunta o santo Doutor que assim como a graça dispensada aos padres é superior, assim a vida do padre deve exceder em santidade à dos seculares. E, segundo Isodoro de Pelusa, entre a santidade do padre e a de todo o bom leigo, deve haver tanta distância como do céu à terra.

 

Santo Tomás ensina que cada um é obrigado a cumprir os deveres do estado que escolheu. Por outro lado, assegura Sto. Agostinho que o clérigo, no mesmo instante em que recebe a clericatura, se impõe a obrigação de ser santo. E Cassiodoro escreve: O eclesiástico é obrigado a uma vida celeste. O padre é obrigado a maior perfeição que todos os outros, como diz Tomás de Kempis, porque o seu estado é o mais sublime de todos os estados. Salviano ajunta que Deus ordena a perfeição aos clérigos no mesmo lugar, em que a aconselha aos seculares.

 

Os sacerdotes da Lei antiga traziam estas palavras gravadas na tiara, que lhes cingia a fronte: Consagrado ao Senhor, ou Coisa santa do Senhor. Era para que nunca se esquecessem da santidade que deviam professar. As vítimas, oferecidas pelos sacerdotes, deviam ser inteiramente consumidas, e para quê? Teodoreto responde: Para lhes significarem a integridade da vida, que convém a quem se consagra por completo a Deus.

 

Para oferecer dignamente o divino sacrifício, nota Sto. Ambrósio, deve o padre sacrificar-se primeiro ele próprio, oferecendo-se todo a Deus. E, segundo Sto. Hesíquio deve o padre ser um holocausto contínuo de perfeição, desde a sua juventude até à morte.

 

Na Lei antiga disse Deus: Separei-vos dos outros povos, para que sejais o meu povo. Com quanto mais forte razão quer o Senhor na Lei nova, que os sacerdotes ponham de parte os negócios do século, para só agradarem Àquele a quem se consagraram! É o que ele declara pela voz do Apóstolo: Nenhum soldado de Deus se deve ingerir nos negócios seculares, para agradar Àquele cujo serviço abraçou.

 

E é a promessa que a Igreja exige de todos os clérigos, ao entraram no santuário pela prima-tonsura. Faz-lhes prometer que de futuro só Deus será a sua herança: É o Senhor a parte que me coube em herança, e o quinhão que me é destinado; pois vós, Senhor, que me haveis de dar a devida herança. “Tudo no padre, escreveu S. Jerônimo, reclama e exige a santidade da vida: o hábito que veste, o próprio ofício que exerce”. Como diz S. Bernardo, não lhe basta fugir de todos os vícios, é necessário que faça esforços em que consiste a perfeição única, que o homem viador pode possuir cá na terra.

 

O mesmo S. Bernardo gemia, à vista de tantos insensatos, que se afadigam por chegar às ordens sacras, sem considerarem na santidade exigida aos que aspiram a tão alta dignidade. E Sto Ambrosio exclama: Quanto é raro encontrar-se um ordinando que possa dizer: O Senhor é a minha herança, que não se deixe abrasar da concupiscência, aguilhoar pela avareza, distrair pelos cuidados dos negócios seculares!

 

No Apocalipse de S. João, lê-se: Fez-nos reino seu e sacerdotes de Deus, seu Pai. Tirino, de acordo com os outros intérpretes explica a palavra Regnum e diz que os sacerdotes são o reino de Deus, ou porque Deus reina neles, nesta vida pela graça e na outra pela glória; ou porque eles próprios são constituídos reis para reinarem sobre os vícios.

 

Quer S. Gregório que o padre seja morto para o mundo e para todas as paixões, a fim de se dar a uma vida toda divina. O sacerdócio atual é o mesmo que Jesus Cristo recebeu de seu Pai: E Eu dei-lhes a glória que me deste a mim. Se pois o sacerdote representa Jesus Cristo, diz S. João Crisóstomo, é preciso que seja bastante puro para merecer tomar lugar entre os anjos.

 

S. Paulo exige do padre uma perfeição tal, que o ponha ao abrigo de toda a censura. É certo que neste lugar, por Episcopum, se devem entender não só os bispos, mas também os sacerdotes, pois que o Apóstolo passa em seguida a falar dos diáconos. Como não os chamou pelo apelido de padres, quis ajuntá-los sob esse ponto de vista aos bispos; tal é o sentir de Sto. Agostinho e de S. João Crisóstomo, que sobre este ponto especial se exprime assim: O que ele diz dos bispos aplica-se por igual aos padres.

 

Quanto à palavra Irreprehensibilem, todos vêem com S. Jerônimo que ela compreende a posse de todas as virtudes. E eis a explicação que dá Cornélio A-Lápide: Deve o sacerdote não só ser isento de todos os vícios, mas adornado de todas as virtudes.

 

Durante onze séculos, foi interdita a iniciação na clericatura a todos aqueles que depois do seu batismo tivessem cometido um só pecado mortal; é o que nos ensinam os Concílio de Nicéia, Toledo, Elvira e Cartago. E se um clérigo, depois da sua ordenação, vinha o cair em pecado, era deposto para sempre e encerrado num mosteiro, como lemos em muitos cânones e eis a razão que ali se encontra expressa: “Porque a santa Igreja quer que o sacerdote seja isento de censura, a todos os respeitos. Os que não são santos não podem administrar as coisas santas”.

 

No Concílio de Cartago disse-se: Os clérigos de quem o Senhor é herança devem fazer divórcio com o século. O Concílio de Trento vai mais longe: quer que num clérigo tudo seja santo: o hábito, as maneiras, a linguagem, e todos os atos. E S. João Crisóstomo ajunta que o sacerdote deve ser de tal modo perfeito, que todos os fiéis o possam olhar como um modelo de santidade; porque Deus colocou os sacerdotes na terra, para que eles aqui vivam como anjos, e para servirem a todos os homens de faróis e guias no caminho da virtude.

 

Segundo S. Jerônimo, o nome de clérigo significa: Que tem a Deus como herança. Quer dizer: que o clérigo se compenetre bem na significação do seu nome, e com ele conforme o seu procedimento. Se Deus é a sua herança, que não viva senão para Deus. O que tem a Deus por herança, diz Sto. Ambrósio, de nada se deve ocupar senão de Deus: Cui Deus portio est, nihil debet curare, nisi Deum (De Eseau. c. 2).

 

O padre é o ministro de Deus, encarregado das duas funções extremamente nobres e elevadas, que são: honrar a Deus com sacrifícios, e santificar as almas. Porque todo o pontífice, escolhido dentre os homens, é estabelecido para administrar em nome dos homens as coisas que respeitam a Deus. Sobre este texto diz Sto Tomás: Todo o padre é escolhido pelo Senhor e posto na terra, não para adquirir riquezas, atrair a estima dos homens, entregar-se aos prazeres e engrandecer a sua família, mas unicamente para vigiar pelos interesses da glória de Deus.

 

Também nas Escrituras o padre é chamado Homo Dei: um homem que nem é do mundo, nem de seus pais, nem de si próprio, mas só de Deus e que só a Deus procura. Aos padres pois se aplicam as palavras de Davi: Eis a geração dos que só procuram a Deus. Assim como Deus no céu destinou certos anjos para rodearem o seu trono, também na terra, entre os homens, destinou os sacerdotes para tomarem cuidado da sua glória, por isso lhes disse: Separei-vos dos outros povos, para que sejais meus. Vimos já este pensamento de S. João Crisóstomo: Escolheu-nos Deus, para que sejamos na terra como anjos entre os homens. E o próprio Senhor diz: Serei santificado nos que se aproximarem de mim; o que se interpreta assim: A minha santidade será conhecida mediante a santidade dos meus ministros.

 

O Novo Código de Direito Canônico, no título 3.º, das obrigações dos clérigos, confirma a doutrina exposta. Vide os cânones 124-144, que não podemos transcrever.

 

II

 

Qual deve ser a santidade do padre como ministro do altar

 

Quer Sto. Tomás que se exija aos padres maios santidade que aos simples religiosos, em razão das funções sublimes que exercem, especialmente da celebração do sacrifício da missa. A razão é que recebendo uma Ordem sacra, dedica-se o homem ao mais alto ministério, que consiste em servir a Jesus Cristo até no Sacramento do altar; o que exige uma santidade interior mais elevada que a que se requer para o estado religioso. Em igualdade de circunstâncias pois, um clérigo de Ordens sacras, obrando contra a santidade, peca mais gravemente que um religioso, que não esteja revestido de nenhuma Ordem sacra. É muito conhecida a sentença de Sto. Agostinho: “Dificilmente um bom monge dá um bom clérigo”. Deste modo, nenhum clérigo pode ser olhado como bom, se não exceder em virtude um bom religioso.

 

“Um verdadeiro ministro do altar forma-se para Deus, e não para si”. Significam estas palavras de Sto. Ambrósio que um padre deve esquecer as suas comodidades, as suas vantagens e os seus gostos; deve persuadir-se que, desde o dia em que recebeu o sacerdócio, não é seu, mas de Deus. Tem muito a peito o Senhor que os padres sejam puros e santos, para que possam comparecer na sua presença, isentos de todo o defeito, e oferecer-lhe os sacrifícios: Ele se assentará a fundir e limpar a prata; e purificará os filhos de Levi, e os acrisolará como o ouro e a prata; depois oferecerão os sacrifícios na justiça.

 

Assim fala o profeta Malaquias; e no Levítico lê-se: Serão santos no serviço do seu Deus, e não desonrarão o seu nome; porque hão de oferecer incenso do Senhor e os pães do seu Deus, e por conseqüência serão santos. Se deviam pois ser santos os sacerdotes da Lei antiga, porque ofereciam a Deus apenas o incenso, e os pães de proposição, que eram uma simples figura do adorável Sacramento dos nossos altares, quanto mais devem ser puros e santos os sacerdotes da lei nova, que oferecem a Deus o Cordeiro sem mancha, o seu próprio Filho! Nós oferecemos, observa Estio, não novilhos ou incenso, como os sacerdotes antigos, mas o próprio Jesus Cristo; oferecemos o corpo mesmo do Senhor, que foi suspenso no altar da cruz.

 

É-nos necessária portanto a santidade, que consiste na pureza do coração; quem se aproxima sem ela destes mistérios terríveis, aproxima-se indignamente. Sobre este ponto, escreveu Belarmino: Desgraçados de nós, que, chamados a este ministério sublime, estamos longe do fervor que Salomão exigia dos padres da aliança figurativa!. Até mesmo os que deviam transportar os vasos sagrados queria o Senhor que fossem isentos de mancha: Purificai-vos, ó vós que levais os vasos do Senhor! Quanto mais puros devem ser os padres que trazem nas suas mãos e recebem no seu corpo o próprio Jesus Cristo! Assim fala Pedro de Blois. E Sto. Agostinho diz por sua vez: Deve ser puro quem há de manusear não só vasos de ouro, mas até os vasos em que é renovada a morte do Senhor.

 

Devia ser santa e imaculada a beatíssima Virgem Maria, porque havia de trazer no seu seio o Verbo encarnado e tornar-se sua Mãe; e, à visto disso, exclama S. João Crisóstomo, não será indispensável que brilhe, com uma santidade mais resplandecente que o sol, essa mão do padre que toca a carne dum Deus, essa boca que se enche dum fogo celeste, e essa língua que se banha com o sangue de Jesus Cristo? O padre ao altar ocupa o lugar de Jesus Cristo, deve pois, diz S. Lourenço Justiniano, aproximar-se dele para celebrar, quanto possível, à imitação de Jesus Cristo. Que perfeição não exige duma religiosa o confessor, para lhe permitir a comunhão quotidiana! E porque não se exigiria a mesma perfeição do sacerdote que comunga todos os dias?

 

É preciso confessar, diz o Concílio de Trento, que não é possível a um homem praticar ação mais santa que celebrar uma missa. E acrescenta: deve portanto o padre envidar todos os esforços para celebrar o santo Sacrifício do altar com a máxima pureza de consciência possível. Ai! Que horror, exclama Sto. Agostinho, ouvir essa língua, que chama o Filho de Deus do Céu à terra, falar depois contra Deus, e ver essas mãos, que se tingem no sangue de Jesus Cristo, mancharem-se com as torpezas do pecado!.

 

Se Deus exigia tamanha pureza dos que deviam oferecer-lhe em sacrifício animais ou pães, e aos que qualquer modo estavam manchados lhes proibia que lhe fizessem oferendas, — quanto maior deve ser a pureza de quem está encarregado de oferecer a Deus o seu próprio Filho, o Cordeiro divino! Tal é a reflexão de Belarmino. Sto Tomás diz que pela palavra maculam, no texto citado, se deve entender todo e qualquer vício: Qui est aliquo vitio irretitus, non debet ad ministerium Ordinis accedere (Suppl. q. 36. a. 1).

 

A Lei antiga excluía das funções de sacrificador os cegos, coxos, corcundas e leprosos: Nec accedet ad ministerium ejus, si caecus fuerit, si claudus... si gibbus... si habens jugem scabiem (Levit. 21, 18). Os santos Padres, dando um sentido espiritual a estes defeitos, olham como indignos de subir ao altar: os cegos, ou que fecham os olhos à luz divina; os coxos, ou preguiçosos, que nada adiantam no caminho de Deus, e vivem sempre com as mesmas imperfeições, sem oração e sem recolhimento; os corcovados, que sempre estão com as suas afeições voltadas para a terra, para os bens, honras e prazeres do mundo; os leprosos, ou sensuais que, à semelhança do mundo animal imundo, diz o Sábio, se revolvem no lodaçal dos prazeres torpes. Numa palavra, quem não é santo é indigno de se aproximar do altar, porque, sendo impuro, mancha o santuário de Deus. Não se aproxime do altar, porque tem uma mancha, e não deve manchar o meu santuário.

 

III

 

Qual deve ser a santidade do padre como mediador entre Deus e os homens

 

De mais, deve o sacerdote ser santo na qualidade de dispensador dos sacramentos: É necessário que não tenha mancha, como despenseiro de Deus. E deve ser como mediador entre Deus e os pecadores: O sacerdote, diz um santo Padre, está colocado entre Deus e a natureza humana: traz-nos os benefícios que vem do Céu, e leva para lá as nossas orações; aplaca a cólera do Senhor e arranca-nos das suas mãos.

 

É por ministério dos sacerdotes que Deus comunica a sua graça aos fiéis nos sacramentos. É mediante os sacerdotes que os recebe no número dos seus filhos no Batismo, que é de necessidade para a salvação: Quem não renascer, não pode entrar no reino de Deus.

 

É por ministério deles que Deus cura os doentes e ressuscita os que estão mortos para a graça, isto é, os pecadores, no sacramento da penitência. É por eles que alimenta as almas e lhes conserva a vida da graça, no sacramento da sagrada Eucaristia: Se não comerdes a carne do Filho do homem, não tereis a vida em vós. É por eles que dá aos moribundos a força para vencerem as tentações do inferno, mediante o sacramento da Unção dos Enfermos.

 

Numa palavra, diz S. Crisóstomo, sem os padres não nos podemos salvar. S. Próspero chama aos padres os intérpretes da vontade divina. O autor da Obra imperfeita apelida-os os muros da Igreja; Sto Ambrósio, exército ou campo da santidade; e S. Gregório de Nazianzo, os fundamentos do mundo e as colunas da fé. Daqui a palavra de Sto. Euquério: que os padres devem, pelo vigor da sua santidade, transportar o fardo dos pecados do mundo.

 

Ó, como esse fardo é terrível! Rogará por ele (pelo impudico) o sacerdote e pelo seu pecado diante do Senhor, e o Senhor se lhe tornará propício, e lhe perdoará o seu pecado. É por isso que a santa Igreja obriga os sacerdotes à recitação diária do Ofício divino, e à celebração da missa, ao menos algumas vezes no ano. Santo Ambrósio até diz que os padres nunca devem cessar, nem de dia nem de noite, de orar pelo povo.

 

Mas para obter graças para os outros, é necessário que o sacerdote seja santo. Colocados entre Deus e o povo, diz o Doutor angélico, devem brilhar aos olhos de Deus por uma boa consciência, e aos olhos dos homens por um bom renome. Porque, segundo a reflexão de S. Gregório, seria grande temeridade apresentar-se alguém diante dum príncipe, para obter o perdão para os seus súditos rebeldes, estando ele culpado do mesmo crime.

 

Quem quer interceder pelos outros, deve ser bem visto do príncipe; se lhe for odioso, ajunta o mesmo santo, mais fará indignar o seu juiz. Por esta razão, escreve Sto. Agostinho, o padre, orando pelos outros, deve ter junto de Deus um tal mérito, que possa obter dele o que os outros em razão dos seus deméritos não ousariam esperar. Foi o que declarou o papa Hormisdas: Convém que o sacerdote seja mais puro que o povo para orar pelo povo. Mas S. Bernardo lamenta, que haja poucos padres bastantes santos para serem mediadores dignos. E Sto. Agostinho, falando dos maus eclesiásticos, diz: É mais agradável a Deus o ladrar dos cães que a oração de tais clérigos.

 

Refere o Pe. Marchese, no seu “Jornal dos Dominicanos”, que uma serva de Deus, religiosa da sua Ordem, pedia um dia ao Senhor que perdoasse ao povo em atenção aos merecimentos dos padres; ele respondeu-lhe que os padres, pelos seus pecados, mais o irritavam do que aplacavam.

 

IV

 

Santidade que deve ter o padre como modelo do povo

 

Devem também os padres ser santos, porque Deus os colocou na terra para serem modelos de virtude. O autor da Obra imperfeita chama-lhes os doutores da piedade; S. Jerônimo os salvadores do mundo; S. Próspero, as portas da cidade eterna; e S. Pedro Crisólogo, os modelos das virtudes. Dali esta reflexão de Sto. Isodoro: Quem foi colocado à frente dos povos para os instruir e formas na virtude, deve ser santo em tudo, inteiramente irrepreensível. O papa Hormisdas diz igualmente: Os que têm a seu cargo repreender os outros, devem estar a coberto de toda a censura.

 

S. Dionísio proferiu esta célebre sentença: “Ninguém deve ter a audácia de se constituir guia dos outros, a não ser que na prática das virtudes se tenha tornado semelhante a Deus”. S. Gregório assegura que os sermões dos padres, cuja vida é pouco edificante, produzem antes desprezo do que fruto. Ao que Santo Tomás ajunta: Pela mesma razão (se volvem desprezíveis) todas as de mais funções que exerçam.

 

Eis como S. Gregório de Nazianzo fala do padre a este respeito: “É preciso que ele primeiro se purifique a si próprio, depois que purifique os outros; que se aproxime de Deus, depois lhe reconduza os outros; se santifique a si, depois trabalhe na santificação dos outros; e antes; e antes de alumiar é necessário que seja alumiado”.

 

É preciso, diz S. Gregório, que a mão que empreende lavar as manchas dos outros, seja isenta delas. E noutro lugar acrescenta que a luz apagada não pode alumiar os outros. Sobre o mesmo assunto, diz S. Bernardo, que a linguagem do amor, na boca de quem não ama, é uma linguagem bárbara e estranha.

 

Estão os sacerdotes colocados na terra como outros tantos espelhos, em que se deve rever a gente do mundo: Somos dados em espetáculo ao mundo, aos anjos e aos homens. Por isso o Concílio de Trento quer que os eclesiásticos sejam como espelhos para os quais todos os leigos não tenham mais que levantar os olhos, afim de aprenderem a regular os seus costumes. E segundo o abade Filipe de Boa-Esperança, os sacerdotes são escolhidos por Deus para defesa dos povos, mas por isso mesmo lhes não basta a dignidade sem a santidade da vida.

 

V

 

Conseqüências práticas

 

Considerando tudo quanto fica dito, conclui o Doutor angélico que, para exercer dignamente as funções sacerdotais, é necessária uma perfeição acima do comum. Noutro lugar: “Os que se aplicam aos divinos mistérios devem ser duma virtude perfeita”. Ainda noutra parte: Para exercer dignamente estas funções, requer-se a perfeição interior. Devem os sacerdotes ser santos, para não desonrarem o Deus de quem são ministros, e estão encarregados de honrar: Serão santos na presença de Deus e não mancharão o seu nome.

 

Se se visse o ministro dum rei a folgar pelas praças públicas, a freqüentar as tabernas, confundido com o populacho, a falar e proceder duma maneira desonrosa para o seu príncipe, que caso se faria desse soberano? É assim que os maus padres desonram a Jesus Cristo, de quem são ministros. Segundo o autor da Obra imperfeita, poderiam os pagãos ao falar deles dizer: Que Deus têm esses que de tal modo se comportam?

 

Acaso os suportaria ele, se não lhes aprovasse o precedimento?. Os Chineses, os Índios, que vissem um padre de costumes desregrados, estariam no direito de dizer: Como poderemos crer que o Deus que tais sacerdotes pregam seja o verdadeiro? Se ele fosse o verdadeiro Deus, como poderia, à vista da má conduta deles, suportá-los sem participar dos seus vícios?

 

Daqui a exortação de S. Paulo, dirigida aos padres: Demo-nos a conhecer como verdadeiros ministros de Deus, sofrendo com paciência a pobreza, as doenças, as perseguições, velando com zelo pelo que respeita à glória de Deus, e mortificando os nossos sentidos. Conservemos a pureza do corpo, entregando-nos ao estudo, para sermos úteis às almas, praticando a doçura e a verdadeira caridade para com o próximo. Pareceremos tristes, em razão de vivermos afastados dos prazeres do mundo, mas gozaremos sempre da paz, que é a partilha dos filhos de Deus. Seremos pobres dos bens da terra, mas ricos em Deus, porque possuir a Deus é possuir tudo.

 

Tais devem ser os padres. Devem ser santos, porque são ministros dum Deus santo. Devem estar prontos a dar a sua vida pelas almas, porque são ministros de Jesus Cristo, que veio morrer por nós, ovelhas suas, como ele próprio declarou: Eu sou o bom Pastor. O bom Pastor dá a vida pelas suas ovelhas. Devem enfim empregar todos os esforços para acender no coração de todos os homens o fogo sagrado do amor divino, porque são ministros do Verbo encarnado, que para este fim desceu à terra, como ele próprio nos ensina também: Vim trazer o fogo à terra, e que quero eu senão que ele se acenda?

 

O que Davi pedia com insistência ao Senhor, para bem do mundo inteiro, era que os padres fossem revestidos de justiça. Compreende a justiça todas as virtudes. Assim, todos os padres devem estar compenetrados da fé e viver, não segundo as máximas do mundo, mas segundo as da fé.

 

As máximas do mundo são: “É necessário conseguir bens e riquezas; é necessário procurar a estima dos homens; é necessário gozar quanto possível”.

 

As máximas da fé são: “Feliz o pobre; é preciso abraçar as humilhações, renunciar a si mesmo, amar os sofrimentos; é necessário estar animado duma santa confiança, esperar tudo, não das criaturas, mas de Deus somente; é necessário ser humilde, julgando-se digno de toda a pena e desprezo; é preciso ser manso, praticando a doçura para com todos, principalmente para com as pessoas melindrosas e grosseiras; é preciso enfim estar-se revestido de caridade para com Deus e para com os homens.

 

Quanto a Deus, todos os padres devem viver numa perfeita união com ele e procurar, mediante a oração, que os seus corações sejam outros tantos altares, em que arda de contínuo o amor divino. Para com os homens, todos devem praticar o que diz o Apóstolo: Tomai entranhas de misericórdia, vós, eleitos de Deus, santos e caros a seus olhos. Devem quanto possível prestar a todos os homens socorros corporais e espirituais; a todos, digo, mesmo aos mais ingratos e aos perseguidores.

 

Santo Agostinho dizia: Nada mais ditoso cá na terra, nem mais agradável aos homens que o ofício de padre; mas aos olhos de Deus nada mais miserável, nem mais triste, nem mais arriscado para a salvação. É grande felicidade e honra para um homem ser padre: poder fazer baixar do Céu às suas mãos o Verbo encarnado, e livrar as almas do pecado e do inferno; ser vigário de Jesus Cristo; ser a luz do mundo e o mediador entre Deus e os homens; ser maior e mais nobre que todos os monarcas da terra; ter um poder superior ao dos anjos; ser numa palavra um Deus terreno, conforme a expressão de S. Clemente.

 

Nada mais venturoso, mas por outro lado nada mais terrível. Com efeito, se Jesus Cristo desce às suas mãos para seu alimento, é preciso que o padre seja mais puro que a água que foi mostrada a S. Francisco; se é o mediador dos homens diante de Deus, é preciso, para se apresentar diante do Senhor, que seja isento de todo o pecado; se é o vigário do Redentor, é preciso que lhe seja semelhante na vida; se é a luz do mundo, é preciso que seja todo resplendor de virtudes.

 

Numa palavra, se é padre, é necessário que seja santo; de contrário, se não corresponde aos dons recebidos de Deus, quanto maiores são esses dons, diz S. Gregório, mais rigorosa será a conta a prestar. S. Bernardo diz do padre: Está ele encarregado dum ofício celeste, é o anjo do Senhor; mas é também como os anjos eleito para a glória, ou réprobo e condenado ao fogo. Por isso Sto. Ambrósio ensina que o padre deve ser isento até dos mais leves defeitos.

 

Donde se segue que, se um padre não é santo, está em grande perigo de se condenar. Mas que fazem alguns padres, ou melhor, a máxima parte dos padres, para se tornarem santos? Recitam o ofício, celebram a missa, e nada mais: nem oração, nem mortificação, nem recolhimento.

 

Basta que me salve, dirá algum. — Ó, não, responde Sto. Agostinho, se dizes: Basta, pereceste. Para ser santo, deve o padre ser desapegado de tudo, — dos ajuntamentos do mundo, das honras vãs etc., e em especial do afeto desordenado a seus pais. Estes ao verem o sacerdote pouco interessado no engrandecimento da família, e todo entregue às coisas de Deus, dirão talvez: Por que procedeis assim conosco? — Quid facis nobis sic? Deverá ele responder como o menino Jesus, quando encontrado por sua Mãe no templo: Quid est quod me quaerebatis? nesciebatis quia, in his quae Patris mei sunt, oportet me esse? (Luc. 2, 49). O padre responderá a seus pais: Foste vós que me fizestes sacerdote? Não sabíeis que o padre não deve trabalhar senão para Deus? É só a Deus que eu quero dedicar todos os meus cuidados.

 

Fonte: A Selva. (Santo Afonso de Ligório.)