Quartas Moradas
Capítulo 1
Explica a diferença entre contentamentos e gostos na oração e conta a alegria que sentiu ao compreender a diferença entre a imaginação e o intelecto. É de grande proveito para quem se dedica à oração.
1. Antes de começar a falar das quartas moradas, é indispensável o que acabo de fazer. Encomendei-me ao Espírito Santo e supliquei-lhe que, de agora em diante, fale por mim, para que eu possa lhes dizer algo sobre as moradas seguintes de maneira que vocês me entendam. A partir daqui, Deus começa a dar graças sobrenaturais dificílimas de explicar sem o socorro de Sua Majestade, como já fez antes quando escrevi em outra parte até onde eu havia entendido. Parece-me que tenho agora um pouco mais de luz sobre essas graças que o Senhor dá a algumas almas. No entanto, outra coisa é saber dizer. Faça-o Sua Majestade, se disso vier algum proveito. Se não, não.
2. Estas moradas já estão mais perto de onde está o Rei. Têm grande beleza, e há nelas coisas tão refinadas para ver e compreender que o nosso intelecto não consegue sequer transmitir uma pálida ideia do que sejam. Por isso, parecerão obscuras a quem não tem experiência. Mas quem tem poderá reconhecê-las facilmente. Em especial, se estiver muito familiarizado com elas. Acredito que para chegar aqui será necessário permanecer muito tempo nas moradas precedentes. Geralmente passa-se antes pelo aposento que acabamos de visitar. Mas isso não é regra. Como vocês já ouviram dizer muitas vezes, o Senhor dá seus bens quando quer, como quer e a quem quer. E com isso não faz afronta a ninguém.
3. As criaturas peçonhentas quase não entram nestas moradas. E quando conseguem, deixam mais ganho que dano. De fato, creio que as tentações trazem imenso proveito neste grau de oração. Sem elas o demônio poderia semear muitos enganos em meio às consolações de Deus. E assim causaria prejuízo muito maior do que com as tentações. Seria grande erro, por exemplo, se a alma se deixasse ficar num estado de embevecimento permanente. Desse modo, mesmo que não pudesse ganhá-la para si, o inimigo conseguiria ao menos levá-la a negligenciar as obras que a fariam merecer maior graça de Deus. Certamente um estado prolongado de embevecimento não é seguro, pois não me parece possível que o Espírito do Senhor repouse continuamente sobre nós neste desterro.
4. Tratemos então do que prometi dizer sobre a diferença entre contentamentos e gostos na oração. Contentamentos são tudo aquilo que adquirimos por meio da meditação e pedidos a Nosso Senhor. Procedem da nossa natureza humana, ainda que, enfim, Deus nos ajude nisso (deve-se entender, em tudo o que eu lhes digo, que nada podemos sem ele (João 15, 5). Nascem de nossas obras virtuosas e, de certo modo, são fruto do esforço que fazemos para progredir na vida espiritual.
Temos boas razões para sentir contentamento quando nos empenhamos nessas coisas. Mas, pensando bem, experimentamos os mesmos contentamentos por muitas outras razões. Por exemplo, quando recebemos uma grande herança inesperada, revemos de surpresa uma pessoa muito amada, alcançamos sucesso em um negócio importante ou vemos regressar vivo o marido, o irmão ou o filho que se presumia morto. Já vi pessoas derramando lágrimas diante de um grande contentamento, e até a mim isso já aconteceu algumas vezes. Acredito que assim como esses contentamentos são naturais, assim também são os que provêm do serviço de Deus, embora estes sejam de linhagem mais nobre e aqueles não sejam de todo maus.
Enfim os contentamentos começam em nossa natureza humana e acabam em Deus. Pelo contrário, os gostos começam em Deus e só depois são percebidos pela nossa natureza que goza tanto deles como dos contentamentos, embora com muito mais intensidade. Oh, Jesus, quisera saber explicar isso! Vejo muito claramente a diferença entre eles, mas não consigo me fazer entender. Que o Senhor o faça por mim.
5. Acabo de me lembrar do versículo que está no fim do último salmo que rezamos pela manhã e termina dizendo “Correrei pelo caminho dos vossos mandamentos quando dilatardes o meu coração” (Salmo 118,32). Quem tem muita experiência não precisa de mais nada para entender a diferença entre contentamentos e gostos. Quem não tem, pedirá mais explicação. Os contentamentos não dilatam o coração. Na verdade, parece que geralmente o apertam um pouco, embora sinta-se grande alegria por estar a serviço de Deus. E vêm com umas lágrimas sentidas, como que movidas pela paixão. Sei pouco acerca das paixões da alma.
Gostaria de poder explicar melhor, mas, como sou muito rude, não consigo distinguir o que vem da sensualidade6 e o que procede da nossa natureza. Espero ter conseguido me fazer entender, já que compreendo por experiência. Saber as letras é muito proveitoso para tudo.
(6 Contentamentos são todo tipo de experiências prazerosas adquiridas na oração, semelhantes às satisfações que o mundo oferece. Por outro lado, gostos são experiências infusas que o fiel não pode adquirir por conta própria, já que são dadas por Deus.)
6. O que sei desse estado (falo das graças e contentamentos na meditação) é que, se começava a chorar por causa da paixão de Cristo, não podia parar até ficar com a cabeça atordoada. Se chorava por meus pecados, acontecia o mesmo. Com isso, Nosso Senhor me concedia imensa graça.
Não vou examinar agora qual é melhor, se contentamentos ou gostos. Apenas tentarei mostrar a diferença entre eles.
Algumas pessoas são naturalmente inclinadas para esses desejos e lágrimas, outras não. Seja como for, terminam em Deus, embora tenham origem humana. E são de grande valia, se tivermos humildade, para entendermos que não somos melhores por isso, já que não podemos saber se são todos efeitos do amor. Mas, se são, vêm de Deus.
Essas devoções são muito frequentes nas almas das moradas anteriores, pois elas se esforçam quase continuamente para compreender, examinando com o intelecto e meditando. E fazem bem porque ainda não lhes foi dado mais. Acertariam, porém, se passassem algum tempo em atos de devoção, louvando a Deus, alegrando-se por sua bondade, por ele ser quem é e desejando sua honra e glória. Façam isso o quanto puderem, porque desperta a vontade de progredir na vida espiritual. E estejam avisadas para não deixarem a meditação quando o Senhor lhes der graças maiores.
7. Não direi mais nada aqui, porque já me alarguei muito tratando disso em outros escritos. Só quero que vocês entendam que, para progredir neste caminho e subir às moradas seguintes, não se deve pensar muito, mas amar muito. Portanto, o que vocês devem fazer é seguir pelo caminho que mais lhes despertar o amor.
Talvez não saibamos o que seja amar. E isso não me surpreende. Amar não consiste em sentir os maiores gostos na oração, mas sim em tomar a firme decisão de agradar a Deus em tudo; de não o ofender, na medida do possível; e de rogar-lhe que aumente sempre a honra e glória de seu Filho e favoreça o crescimento da Igreja Católica. Esses são os sinais do amor.
E não fiquem imaginando que a coisa toda esteja em não pensar em mais nada ou que, se vocês se distraírem um pouco na oração, estará tudo perdido.
8. Às vezes eu ficava muito preocupada com as distrações do meu pensamento durante a oração. Até que, há pouco mais de quatro anos, compreendi, por experiência própria, que o pensamento (ou a imaginação, para que me entendam melhor) não é a mesma coisa que o intelecto. Perguntei a um letrado, e ele confirmou. Para mim foi motivo de grande alegria. Como o intelecto é uma das faculdades da alma, era-me difícil vê-lo tão desorientado às vezes. Mas isso acontece porque normalmente o pensamento voa tão rápido que só Deus pode detê-lo quando nos une a si na oração, como se desconectasse a alma do corpo. Acontecia comigo que, enquanto as faculdades da alma se entregavam a Deus e se recolhiam nele, o pensamento se alvoroçava. Eu ficava desnorteada.
9. Oh, Senhor, levai em conta tudo o que padecemos no caminho da oração por falta de conhecimento! Quanto mal fazemos a nós mesmas, acreditando que não é preciso nada mais do que pensar em vós. Não sabemos pedir conselho às pessoas instruídas. Nem sequer nos damos conta de que temos necessidade de nos aconselhar. Enfrentamos terríveis dificuldades porque não conhecemos a nós mesmas. E aquilo que não é mal, mas bem, supomos que seja castigo por uma grande falta. Daqui procedem as aflições de muita gente dada à oração e também as queixas de tribulações interiores (principalmente de quem tem pouca instrução), como também as melancolias e a perda de saúde. Chegam até a abandonar a oração. Tudo porque não se dão conta de que existe todo um mundo interior em nós.
Assim como não podemos interromper o movimento do céu que anda apressado, a toda velocidade, tampouco podemos deter o nosso pensamento. Confundimos todas as faculdades da alma com o pensamento. E por isso parece-nos que estamos perdidas e gastando mal o tempo que passamos em oração diante de Deus. Na verdade, porém, a alma está unida a ele nas moradas mais próximas do centro do castelo. Enquanto isso, a imaginação vaga nos arredores do castelo sob o ataque de mil bestas ferozes e peçonhentas, merecendo esse sofrimento. Não devemos nos perturbar nem suspender a oração, pois é exatamente isso que o demônio quer. Em boa parte, as inquietações e tribulações interiores se devem ao fato de não entendermos isso.
10. Enquanto escrevo, vou sondando o que se passa na minha cabeça. Um grande ruído quase me impede de prosseguir. É como o estrondo de muitos rios caudalosos que se precipitam de grande altura. Há também muitas revoadas de passarinhos e silvos de ventos. Não vêm dos ouvidos, mas da parte de cima da cabeça onde, segundo dizem, está a porção superior da alma. Acreditei nisso por muito tempo, imaginando que o espírito se movia para cima com grande velocidade. Queira Deus que eu me lembre de explicá-lo nas moradas seguintes, pois aqui não ficaria bem.
Talvez o Senhor tenha me dado este mal de cabeça para me fazer entender, de uma vez por todas, que não devemos permitir que essas tribulações interiores nos paralisem. De fato, toda esta confusão não me atrapalha nem a oração, nem o que lhes escrevo. Pelo contrário, a alma está toda entregue a Deus, em quietude, cheia de amor e desejos, gozando de claro discernimento.
11. Mas, se a porção superior da alma está na parte de cima da cabeça, por que não se perturba? Isso eu não sei. Só sei que digo a verdade. Havendo êxtase, não se sente nenhum tipo de mal-estar. No entanto, sofre-se quando se trata de oração sem êxtase. Seja como for, seria grande erro se, por conta dessa dificuldade, deixássemos de orar. Nunca devemos permitir que maus pensamentos nos perturbem. O melhor a fazer é não lhes dar atenção. Se vêm do demônio, bastará isso para desaparecerem. E se são, como de fato são, na maior parte das vezes, fruto da miséria em que nos lançou o pecado de Adão, entre tantas outras, tenhamos paciência e suportemos esse mal por amor de Deus. Assim como somos constrangidas a comer e dormir, sem podermos nos desobrigar dessas necessidades corporais, também estamos sujeitas às fraquezas humanas. E isso é grande provação.
12. Reconheçamos a nossa miséria e desejemos ir para onde ninguém nos censure (Cânticos 8, 1-2). De vez em quando, lembro-me dessas palavras da esposa dos Cantares. Vejam como elas caem bem aqui! Realmente todas as humilhações e sofrimentos desta vida não se comparam a essas batalhas interiores. Podemos suportar qualquer desassossego e enfrentar qualquer guerra, desde que encontremos paz em nossa casa. Mas a coisa toda fica muito penosa e quase insuportável quando o Senhor nos prepara o descanso pelo qual tanto ansiamos depois de mil trabalhos neste mundo, e, porém, em nós mesmas, algo nos impede de gozá-lo. Por isso, levai-nos, Senhor, para onde não nos menosprezem essas misérias que parecem às vezes zombar da alma. O Senhor livra a alma disso ainda nesta vida, quando ela chega à última morada, como diremos mais adiante se Deus quiser.
13. Nem todas sofrerão tanto essas misérias, nem por tanto tempo, como me aconteceu durante muitos anos, por ser tão ruim. Até parece que eu queria me vingar de mim mesma. Visto que foi muito penoso para mim, creio que também será para vocês. Estou insistindo neste ponto para mostrar que é inevitável. Não fiquem inquietas e aflitas quando lhes acontecer. Apenas deixemos rodar a taramela desse moinho13 e moamos a nossa farinha com a vontade e o intelecto.
(13 Taramela é uma pequena peça de madeira que, trepidando ruidosamente sobre a mó, faz com que a canoura libere os grãos pouco a pouco. A taramela do moinho simboliza a imaginação, que, em outro lugar, Santa Teresa chamou de “a louca da casa”. Significado da comparação: embora barulhenta e incômoda, a taramela é imprescindível para o funcionamento do moinho, pois é ela que despeja os grãos sobre a pedra onde serão moídos. Do mesmo modo, a imaginação desenfreada – embora perturbe a oração, afligindo o fiel com distrações e maus pensamentos – contribui para seu crescimento espiritual, na medida em que desnuda sua miséria humana e o leva a reconhecer que sua salvação está nas mãos de Deus.)
14. As distrações na oração podem incomodar mais ou menos, conforme o estado de saúde e a fase da vida. Padeça a pobre alma mesmo que não tenha culpa aqui, pois outras terá. Por isso, tenhamos paciência.
Tudo o que lemos e nos aconselham é pouco para nos convencer da necessidade de não prestar atenção aos maus pensamentos. Como não sabemos muito, não me parece tempo perdido o que gasto falando tudo isso para tranquilizá-las. Mas, até que o Senhor nos dê luz, essas advertências quase não trazem proveito. Precisamos buscar os meios de conhecermos a nós mesmas. Sua Majestade quer isso. Não culpemos a alma pelo mal que a fraca imaginação, a natureza e o demônio nos fazem.
Capítulo 2
Prossegue no mesmo assunto. Faz uma comparação para explicar o que são gostos e diz como alcançá-los sem procurar.
1. Valha-me, Deus, neste atoleiro onde me meti! Tinha me esquecido do que dizia, porque os muitos afazeres e a má saúde me interrompem frequentemente na melhor parte. Como tenho a memória fraca e não há tempo para reler cada vez que retomo o trabalho, ficará tudo fora de ordem. Talvez seja despropósito tudo o que disse até aqui. Ao menos é o que sinto.
Voltando então aos contentamentos espirituais, parece-me ter dito que às vezes somos assaltadas por nossas emoções ao ponto de sofrer ataques de soluços. Ouvi dizer que algumas pessoas sentem o peito apertar e têm movimentos involuntários tão violentos que chegam a sangrar pelo nariz, além de sofrer outros acidentes assim penosos. Disso não sei dizer nada, porque não tenho experiência. Mas deve ser motivo de alegria, já que, como mencionei, tudo termina em querer agradar a Deus e deleitar-se com Sua Majestade.
2. Os gostos de Deus, que em outra parte chamei oração de quietude, são muito diferentes, como saberão as irmãs que, pela misericórdia de Deus, já os experimentaram. Para entender melhor a diferença entre os contentamentos espirituais e os gostos de Deus, imaginemos duas fontes que enchem de água dois tanques. (Não encontro nada mais apropriado que a água para representar certos aspectos da vida espiritual. Como sei pouco e o talento não me ajuda e como aprecio muito esse elemento, tenho prestado mais atenção a ele do que a outras coisas. Em tudo o que tão grande e sábio Deus criou deve haver muitos segredos de que podemos nos beneficiar. São esses segredos ocultos na natureza que os estudiosos procuram desvendar, embora eu pense que em cada coisinha que Deus criou há mais mistérios do que somos capazes de compreender, mesmo que seja só uma formiguinha.)
3. Esses dois tanques enchem-se de água de diferentes maneiras. Um a recebe de longe, trazida por aquedutos e máquinas barulhentas que nós mesmos construímos. Outro está erguido sobre a própria nascente e por isso enche em silêncio. Se o manancial é caudaloso como esse de que falamos, logo transborda e faz surgir um grande rio. Não é necessário construir maquinaria nem aquedutos, e mesmo assim sempre corre água dali. A diferença entre gostos e contentamentos, a meu ver, é que nos contentamentos a água vem por aquedutos, isto é, pela meditação, como já disse. Nós os trazemos, meditando e esforçando-nos para compreender as coisas do espírito. Por isso, cansam o intelecto e, quando chegam afinal, fazem barulho, enchendo a alma de benefícios, como disse no capítulo anterior.
4. No outro tanque, ou seja, na oração dos gostos de Deus, porém, a água vem da própria nascente que é Deus. Quando Sua Majestade quer dar alguma graça sobrenatural, ele faz brotar essa água no mais profundo de nosso ser, com grandíssima paz, quietude e suavidade. Não sei de onde procede a alegria e deleite dos gostos de Deus. Não são como os deste mundo que começam no coração e só depois enchem tudo. Essa água vai se derramando primeiro por todas as moradas e faculdades da alma e só depois chega ao corpo. Por isso, disse que começa em Deus e acaba em nós. Todo o nosso ser deleita-se nesse gosto e suavidade, como verá quem o experimentar.
5. Acabei de me lembrar do versículo Dilatasti cor meum (“[Quando] dilatardes o meu coração”), que citei há pouco para mostrar que o coração se dilata. Na verdade, porém, não creio que os gostos de Deus nascem no coração, e sim noutra parte ainda mais interior e mais profunda. Acredito que eles procedem do centro da alma. Vou explicar ao final como descobri isso.
Vejo em nós mesmos segredos que muitas vezes me espantam. E quantos mais deve haver! Oh, meu Senhor e meu Deus, como são insondáveis as vossas grandezas! Andamos como uns pastorinhos tontos, pensando que enxergamos alguma coisa de vós. No entanto, o que conseguimos ver deve ser quase nada, já que não somos capazes de entender sequer os grandes segredos que há em nós mesmos. Disse quase nada pensando no muitíssimo que há em vós, pois até o pouco que podemos alcançar de vossas obras é sobremaneira grandioso.
6. Voltando então ao versículo, o que pode ser útil para eu me fazer entender aqui é a ideia de dilatação. Assim que começa a se produzir aquela água celestial na fonte que mencionei, isto é, no mais profundo de nosso ser, todo o interior vai se alargando e produzindo bens indizíveis. Nem a própria alma entende o que se passa. Apenas sente uma fragrância vinda daquela profundidade interior, como se houvesse ali um braseiro onde se lançassem finíssimas essências. Não se vê o clarão nem se sabe exatamente onde está o fogo. No entanto, o calor e os vapores perfumados penetram toda a alma. Muitas vezes até o corpo percebe, como já disse.
Entendam bem o que estou dizendo. Não se sente calor nem se aspira perfume nenhum. Falo de algo mais refinado que essas sensações corporais. Disse braseiro e perfumes apenas para me fazer entender. Quem nunca teve essa experiência, fique sabendo que é assim mesmo. Entende-se tudo o que se passa, e a alma compreende mais claramente do que eu consigo explicar. E não é nada que possamos fazer com nossas próprias forças. Por mais que tentemos, não conseguimos. Por aí já se vê que essa experiência não pode ser forjada do metal de que somos feitos, mas sim daquele puríssimo ouro da sabedoria divina. Aqui as faculdades da alma não estão unidas, a meu ver, mas olhando espantadas e perguntando-se que será aquilo.
7. Pode ser que eu contradiga algo daquilo que já disse antes acerca desses fenômenos interiores. Não é de admirar. Passados quase quinze anos desde a última vez que escrevi sobre este assunto, acredito que o Senhor me deu uma visão mais clara. Agora como antes posso errar muito, mas não tenho intenção de mentir. Pela misericórdia de Deus, antes preferia morrer mil vezes. Digo apenas o que me foi dado entender.
8. Acredito que essas graças são concedidas apenas a quem tem a vontade unida, de algum modo, à de Deus. Mas, para discernir se elas vêm realmente dele, nada melhor que observar os seus frutos. Esse é o melhor cadinho para prová-las. Reconhecer que as recebe já é grande mercê de Nosso Senhor. Não voltar atrás depois disso é outra maior ainda.
Prontamente vocês vão querer essa oração, minhas filhas. É bom que queiram. Como disse, logo que toma conhecimento dos favores que o Senhor concede ali e do amor com que vai trazendo-a para mais perto de si, a alma deseja saber como alcançar essa graça. Eu lhes direi o que entendo disso.
9. Sua Majestade deseja intensamente nos conceder esses favores. Mas no momento oportuno. Ele sabe quando. Não devemos tentar apressá-lo. Façamos aqui o que fizemos nas moradas passadas: humildade! humildade! O Senhor se deixa vencer pela humildade e nos dá tudo o que lhe pedimos. O primeiro teste que vocês devem fazer para saber se são humildes é perguntarem-se se merecem essas graças e gostos do Senhor e se esperam recebê-los nesta vida.
Vocês podem dizer então: se é assim, como alcançá-los sem procurar? E eu lhes respondo que não existe outra maneira melhor do que essa, pelas seguintes razões:
Primeira, porque, acima de tudo, é necessário amar a Deus sem interesse.
Segunda, porque não deixa de ser falta de humildade pensar que, por nossos serviços miseráveis, haveremos de alcançar tão grande benefício.
Terceira, porque a verdadeira preparação para receber essas graças é o desejo de padecer e de imitar ao Senhor, e não querer os gostos de Deus, já que, afinal, nós o ofendemos com nossos pecados.
Quarta, porque Sua Majestade não está obrigado a dar-nos gostos, como está a dar-nos a glória eterna, se guardarmos os seus mandamentos, pois sem gostos poderemos nos salvar. Ele sabe melhor do que nós o que nos convém e quem o ama de verdade. Se seguirmos por aqui, é certo que alcançaremos essas graças. Conheço pessoas que vão pelo caminho do amor como se deve ir. Só querem servir ao Cristo crucificado. Não desejam nem pedem gostos. E até suplicam que não lhes dê nesta vida. Podem acreditar.
Quinta, porque trabalharemos em vão esperando gostos se Sua Majestade não quiser dá-los. Esta água não vem por aquedutos, ou seja, não é fruto de nenhum engenho humano. Se a fonte que está dentro do tanque não quer produzi-la, de nada adianta nos cansarmos, vertendo muitas lágrimas. Ela só é dada a quem Deus quer e, muitas vezes, quando a alma menos espera.
10. Somos d’Ele, irmãs. Que ele faça de nós o que quiser e leve-nos por onde quiser. Se formos verdadeiramente humildes e desapegadas, certamente o Senhor não deixará de conceder essa graça, além de muitas outras que nem saberíamos pedir. Eu disse que devemos ser verdadeiramente humildes porque não basta apenas pensar que somos. É muito fácil nos enganarmos a respeito de nós mesmas. Precisamos nos desapegar por inteiro. Bendito seja Ele para sempre. Amém.
Capítulo 3
Trata da oração de recolhimento que o Senhor costuma dar antes da oração dos gostos de Deus. Descreve os efeitos de uma e de outra.
1. Vou lhes mostrar alguns dos muitos efeitos produzidos pela oração dos gostos de Deus. Mas primeiro quero falar de outro tipo de oração que começa quase sempre antes dessa, e, como já tratei dela em outros escritos, direi pouco aqui.
É um tipo de recolhimento que também me parece sobrenatural. Não consiste em estar no escuro, fechar os olhos ou em qualquer outra prática exterior. Sem querer, cerram-se os olhos e deseja-se solidão. E, sem esforço, parece que vai sendo construído o edifício da oração dos gostos de Deus. Assim o apego às coisas do mundo diminui à medida que a alma recupera a força primordial que tinha perdido.
2. Dizem que às vezes “a alma entra em si” e outras vezes “se põe sobre si”. Mas desse jeito não saberei explicar nada. Isto tenho de mau: já que sei dizer uma coisa, penso que certamente vocês entenderão. Mas talvez seja claro só para mim.
Voltando então à comparação que uso para me explicar, façamos de conta que os sentidos e as faculdades da alma sejam pessoas que abandonaram o castelo e passam dias ou até anos em companhia de gente estranha que não quer o bem desse lugar. Vendo-se, porém, no caminho da perdição, reaproximam-se dele, embora não cheguem a entrar, porque andar com os inimigos do castelo endurece o coração.
Contudo, já não são traidoras e andam ao redor. Considerando suas boas intenções, o grande Rei que está no castelo, por imensa misericórdia, quer trazê-las de novo a si. Como bom pastor, assobia de maneira tão suave que os ouvidos quase não percebem. Ainda assim, faz que reconheçam a sua voz para que não andem tão perdidas e voltem à sua morada. Por fim, quando esse assobio penetra nos seus corações, adquire tal força que elas abandonam as coisas exteriores com que se ocupavam e entram no castelo.
3. Acho que nunca expliquei isso tão bem como agora. Essa graça é ajuda valiosa para buscar a Deus no interior da alma onde o encontramos mais facilmente e com mais proveito do que nas criaturas, como disse Santo Agostinho, que aí o achou depois de procurar em muitos lugares. Mas não creiam que pode ser adquirida por meio do intelecto, pensando-se que se tem a Deus dentro de si. Nem pela imaginação, representando-O dentro de si. Tudo isso é bom e excelente forma de meditação, porque se funda sobre esta verdade: Deus está dentro de nós. Mas não é disso que estou falando, pois qualquer um pode fazê-lo (com a graça do Senhor, que fique claro). O que vou lhes mostrar agora é diferente.
Às vezes, antes mesmo de pensar em Deus, essa gente já está dentro do castelo. Sentiu o assobio do seu pastor, não sei por onde nem como. Não foi pelos ouvidos, porque não se ouve nada. Sente-se claramente um suave recolhimento para o interior, como verá quem passar por isso, pois eu não consigo explicar melhor. Se não me engano, li em algum lugar que é como um ouriço ou tartaruga quando se recolhem em si mesmos. Quem escreveu devia entender bem isso. Mas esses animais entram em si quando querem. Aqui, porém, esse entrar em nós mesmos não depende da nossa vontade, mas da de Nosso Senhor. Tenho para mim que Sua Majestade concede essa graça a pessoas que já estão dando adeus às coisas do mundo.
Não me parece que seja recompensa por boas obras, pois nem todos que desejam conseguem realizá-las. É uma maneira pela qual o Senhor chama a cada um em particular para que fique atento às coisas interiores. Creio que, se queremos dar lugar a Sua Majestade, ele não concederá só isso a quem já começa a chamar para mais.
4. Louve-O muito quem reconhecer em si semelhante mercê. É muitíssimo justo saber valorizá-la. As ações de graças dadas por ela farão com que a alma se disponha para receber outras maiores. Também preparam para se ouvir a Deus, como nos ensinam alguns livros que aconselham procurar não pensar, mas estar atento para ver o que o Senhor opera na alma.
Entretanto creio que o nosso pensamento só pode ser detido por intervenção de Sua Majestade. Sem isso, qualquer tentativa resultará em mais dano que proveito. Embora essa questão tenha ensejado enorme controvérsia entre algumas pessoas espirituais, de minha parte, confesso a minha pouca humildade: nunca me deram razões suficientes para que eu aceitasse o que dizem. Uma dessas pessoas citou certo livro do santo Frei Pedro de Alcântara, que penso ser alguém diante de cuja autoridade eu me curvaria. Li o livro e diz o mesmo que eu, de outra maneira. Mas se entende em suas palavras que o amor já estará desperto. Pode ser que eu me engane, mas vou ficar com as seguintes razões:
5. A primeira é que, nesses exercícios espirituais, quem menos pensa e menos quer fazer é quem faz mais. Cabe a nós apenas pedir, como pobres necessitados diante de um grande e rico imperador, e logo baixar os olhos e esperar com humildade. Quando o Senhor, por seus secretos caminhos, faz-nos saber que nos ouve, então é melhor calar. Ele nos deixou estar junto de si, e não devemos procurar entender o que se passa, se pudermos.
Mas se este Rei não nos dá a entender que nos ouviu e vê, não devemos ficar ali feito bobas insistindo sempre, porque a alma se cansa e sofre muito mais secura. Além disso, o esforço para não pensar em nada pode, na verdade, avivar ainda mais a imaginação. Não é isso que o Senhor quer. Só devemos pedir e crer que estamos em sua presença. Ele sabe o que nos convém. Não consigo acreditar que habilidades humanas possam realizar coisas que Sua Majestade parece ter colocado fora de nosso alcance e quis reservar para si. Há tantas outras às quais ele não nos impôs nenhum limite e que podemos fazer com sua ajuda, tais como penitência, obras de caridade e oração, até onde nossa miséria permite.
6. A segunda razão é que essas obras interiores são todas suaves e pacíficas. Recorrer a práticas penosas traz mais prejuízo que lucro. Considero penoso qualquer esforço que se queira fazer, como conter o fôlego. Não é isso o que convém, mas sim deixar que a alma se abandone nas mãos de Deus. Que ele faça dela o que quiser, e que ela se esqueça dos próprios interesses e se renda à vontade de Deus tanto quanto puder.
A terceira é que a vontade de não pensar em nada talvez desperte a imaginação para fazer-nos pensar muito.
A quarta é que o mais importante e mais agradável a Deus é nos lembrarmos de sua honra e glória e nos esquecermos de nós mesmas e daquilo que poderemos ganhar em benefícios, satisfações e gostos. Mas como poderá esquecer-se de si a pessoa que, de tão concentrada, não ousa sequer mexer-se nem permite que seu intelecto e sua vontade se movam a desejar a maior glória de Deus ou se alegrar com a sua glória?
Quando quer suspender a ação do intelecto, Sua Majestade ocupa-o de outra maneira, dando ao conhecimento uma luz tão superior à que podemos alcançar ordinariamente que o deixa arrebatado. Então, sem saber como, aprendemos muito mais do que aprenderíamos com todos os nossos esforços, que aqui poriam tudo a perder.
Se o Senhor nos deu as faculdades da alma e se tudo tem o seu valor, então não há porque hipnotizá-las. O melhor é deixá-las fazer o seu papel até que Deus lhes dê outro maior.
7. O que mais convém à alma que o Senhor quis introduzir nesta morada é fazer o que já disse e, sem o menor esforço e agitação, tentar reduzir as atividades do intelecto e do pensamento, sem pretender suspendê-las de todo. Contudo será bom lembrar-se de que está diante de Deus e procurar se conscientizar de quem é este Deus. Se aquilo que sente lhe agrada, tanto melhor. Mas não queira entender, porque é dom gratuito. Permita-se fruir a oração sem nenhum artifício, apenas com algumas palavras amorosas. Porque, se não nos inquietamos na tentativa de suspender o pensamento, voltaremos a esse estado muitas vezes, ainda que por brevíssimo tempo.
8. Entretanto, não se deve deixar de meditar e exercitar o intelecto na oração de recolhimento. Vejo agora que devia tê-la explicado antes da dos gostos de Deus, pois, apesar de ser muito inferior a esta, é o ponto de partida para se chegar a ela.
Como já havia dito em outro escrito, o motivo por que a oração dos gostos de Deus faz cessar o curso do entendimento é que ela é o manancial cujas águas não vêm por aquedutos. Aqui o poder do intelecto encontra o seu limite e se detém, ou melhor, é detido. Não sabe o que quer e anda de um lado para outro atordoado e sem sossego, tentando retomar o seu ofício. Por sua vez, a vontade está tão firmada em seu Deus que sente imenso pesar pela agitação do intelecto. Será melhor não lhe dar atenção, pois a faria perder muito do que goza, e abandonar-se nos braços do Amor.
Nessa altura Sua Majestade lhe ensinará como proceder. Quase tudo que terá de fazer é sentir-se indigna de tantos benefícios e ocupar-se em ação de graças.
9. Como estava tratando da oração de recolhimento, deixei de falar dos efeitos ou sinais que a oração de quietude (ou gostos de Deus) produz na alma que recebe essa graça de Nosso Senhor.
Nos gostos de Deus, percebe-se claramente uma dilatação ou alargamento da alma, tal como a água que jorra duma fonte e não tem para onde correr. Mas é como se o seu reservatório fosse construído de um material que se dilata à medida que a água brota. Assim parece acontecer nessa oração. E sobrevêm muitas outras maravilhas que Deus faz na alma, pois ele a capacita e tudo dispõe para que ela receba todas as suas graças.
Transformada por essa suave dilatação interior, ela não fica tão presa como antes às coisas que estorvavam o serviço de Deus e pode cumpri-lo com muito mais generosidade. Já não se deixa paralisar pelo medo do inferno. Embora aumente o receio de ofender a Deus, o temor servil desaparece, pois adquire grande confiança que entrará na presença do Senhor. E não se preocupa como antes em perder a saúde fazendo penitência. Parece-lhe que tudo poderá em Deus e tem mais vontade de fazer penitência do que tinha até então.
O temor que sentia das tribulações diminui, porque a fé está mais viva e entende que, se as entrega a Deus, Sua Majestade lhe dará graça para sofrê-las com paciência. Por vezes chega mesmo a desejá-las, porque sente uma enorme vontade de fazer algo por Deus. À medida que vai conhecendo Suas grandezas, considera-se mais miserável. Até porque, depois de provar dos gostos de Deus, vê que os do mundo são lixo. Afasta-se deles pouco a pouco e é mais senhora de si para fazê-lo.
Enfim, a alma progride em todas as virtudes e por certo continuará crescendo nelas se não voltar atrás, ofendendo a Deus. Nesse caso tudo se perde, por mais que tenha subido. E não pensem que ela colherá imediatamente todos esses benefícios logo na primeira ou segunda vez que Deus lhe conceder essa graça. Deverá perseverar para fazer-se digna de recebê-los, pois todo o nosso bem está na perseverança.
10. Quero fazer um alerta crucial a quem chegar a esse grau de oração: empenhe-se ao máximo em fugir das ocasiões de ofender a Deus. Aqui a alma ainda não está criada; é como recém-nascido que começa a mamar. Se se afasta do peito de sua mãe, que se pode esperar para ele senão a morte? Temo imensamente que aconteça o mesmo a quem se apartar da oração depois de ter recebido essa graça de Deus. A menos que por gravíssimo motivo, se não a retomar o quanto antes, irá de mal a pior. Há muito que temer nesse caso. Conheço algumas pessoas que me causaram grande lástima pelo que lhes aconteceu quando se afastaram de Quem, com tanto amor, queria se dar a elas por amigo e mostrar por obras sua amizade.
Insisto em avisar que não se metam em ocasiões de pecado, porque o demônio faz maior estrago por uma só dessas almas do que por inúmeras outras a quem o Senhor não concede tais graças. Podem causar imenso dano, levando muitas consigo e deixando de fazer grandes obras na Igreja de Deus. E, mesmo se não houver outro motivo, basta ver que elas recebem particular amor de Sua Majestade para que o diabo se ponha em combate com todas as suas forças para desencaminhá-las. Por isso são muito atacadas pelo inimigo e caem num abismo muito mais fundo quando se perdem.
Vocês estão livres desses perigos, irmãs, tanto quanto podemos entender. Deus as livre da soberba e da vanglória. Se o demônio quiser falsificar essas graças, logo será desmascarado, porque não produzirá os efeitos que disse, mas sim tudo ao contrário (Lucas 6, 44: “Cada árvore se conhece pelo seu fruto”).
11. Embora já tenha dito em outra parte, quero avisá-las de uma armadilha em que vi caírem pessoas de oração, em especial mulheres. Como somos mais fracas, o que vou dizer aplica-se especialmente a nós. É que algumas têm compleição tão delicada que, recebendo uma satisfação espiritual, deixam-se dominar facilmente. Em geral, acontece às que são dadas a muita penitência, oração e vigílias. Mas também pode afetar outras que não fazem nada disso. O contentamento interior combinado com a fragilidade exterior produz um tipo de letargia que chamam de sono espiritual, pouco mais intenso que aquela paz e suavidade experimentada na oração de quietude.
Na verdade, elas confundem a própria debilidade com os gostos de Deus e deixam-se embevecer. Quanto mais tempo permanecem assim, mais se embevecem, porque se cansam mais, e imaginam que seja arrebatamento. Chamo isso de abobamento, pois não é outra coisa senão estar ali perdendo tempo e gastando a saúde. Certa pessoa ficava assim oito horas seguidas sem perder os sentidos nem sentir coisa alguma que viesse realmente de Deus. Proibiram-na de fazer vigílias, jejuns e penitência, pois compreenderam o que se passava: ela enganava ao seu confessor, a outras pessoas e a si mesma, embora não quisesse enganar a ninguém. Estou convencida de que o demônio estava operando para tirar algum proveito. E não era pouco o que começava a ganhar.
12. Quando a coisa é verdadeiramente de Deus, mesmo que haja decaimento interior e exterior, não há decaimento da alma, pois ela sente grandes emoções vendo-se tão perto do Senhor. Também não dura tanto assim, mas pouquíssimo tempo, se bem que ela pode voltar a se embevecer. Se não é fraqueza, como disse, a oração não chega a causar esgotamento físico nem a produzir sensações exteriores.
13. Portanto fiquem atentas. Caso sintam isso, contem à prelada e desviem-se dessa prática mais que puderem. Que a prelada cuide para que não passem tantas horas em oração, mas pouquíssimo tempo. E faça que durmam bem e comam até lhes voltar a força natural, se a perderam por isso. Se alguma tem compleição tão fraca que isso não baste, creiam-me que Deus não a quer para outra coisa senão a vida ativa que deve haver nos mosteiros. Ocupem-na com tarefas e não deixem que fique muito tempo sozinha, porque virá a perder totalmente a saúde e isso será grande mortificação para ela.
Se tal coisa acontece, é porque o Senhor põe a prova o seu amor por ele, para ver como suporta essa ausência. Depois de algum tempo, ele lhe devolverá as forças. Se não, ela ganhará fazendo oração vocal e exercitando-se na obediência. E talvez venha a merecer mais por esse caminho do que mereceria por outros.
14. Também pode haver algumas de cabeça e imaginação tão fracas (como conheço) que supõem ver tudo que pensam. Isso é muito perigoso. Como talvez volte a tratar desse assunto adiante, não direi mais nada aqui, pois já me alonguei muito. Creio que esta é a morada onde entram mais almas. E, como o natural entra junto com o sobrenatural33, o demônio pode causar mais danos. Mas, nas moradas seguintes, o Senhor não lhe dá tanto espaço. Seja Ele para sempre louvado, amém.
(33 O “natural” são os contentamentos adquiridos mediante o empenho do fiel para progredir no caminho da oração. O “sobrenatural” são os gostos infusos, que Deus começa a dar nestas quartas moradas.)