PADRE GABRIELE AMORTH
Famoso Exorcista da diocese de Roma.
QUANDO RECORRER AO EXORCISTA
É habitual dizer-se que o demônio fica contente quando não se fala sobre ele, pois assim pode trabalhar à vontade sem ser perturbado; ou, então, que também fica contente quando se fala demais dele, porque se sente protagonista da história.
A mim parece-me que é necessário falar acerca dele porque existe e está em plena atividade, mas é importante falar sobre ele de maneira equilibrada, com clareza de idéias, como a Bíblia nos ensina.
É de todo contraproducente falar sobre o demônio de maneira errada, por exemplo, ridicularizando-o ou assustando as pessoas, como freqüentemente fazem os meios de comunicação, sobretudo, nestes últimos tempos, desde que perceberam de que o demônio é espetáculo garantido.
O exorcista, última tábua de Salvação
É fato que atualmente a requisição de exorcistas (até há bem pouco anos quase desconhecidos) é grande e, se não estamos atentos e não fazemos alarde das disposições eclesiásticas, também esta procura por exorcistas pode tornar-se uma espécie de superstição, tal e qual como virar-se para os bruxos.
Na sua raiz, jamais me cansarei de repetir que, há sempre falta de fé, acrescida da mais completa ignorância religiosa.
No fim de um congresso de exorcistas da Puglia, que se realizou no dia 8 de junho de 1995 em Marina Franca, foi distribuído um panfleto que continha, entre outras coisas, dois dados interessantíssimos: os católicos italianos que têm uma consciência explícita da Igreja, tal como é exigida a quem se diz católico, são pouco menos de quatro milhões (cf. F. Garelli, Religione e modernità, in AA.VV., La religione degli Europei (a religião dos europeus), Turim, 1992).
Em compensação, já toda a gente conhece os resultados da pesquisa levada a cabo pela professora Cecília Gatto Trocchi, segundo a qual os italianos que freqüentam magos, cartomantes e semelhantes são mais de doze milhões. Menos de quatro milhões e mais de doze milhões: não me parece que o ministério do exorcismo possa ser considerado uma pastoral direcionada a uma minoria.
Também é verdade que a instrução de base não pode e não deve ser exigida dos exorcistas, mas a quem se ocupa da catequese, sacerdotes e leigos. E é talvez por causa desta carência que muita gente se dirige aos exorcistas por motivos inadequados, quando não há necessidade alguma de o fazerem. Acontece-me freqüentemente de ter que repetir que, nas várias situações da vida, o exorcista deve ser a última pessoa em quem pensar.
Quais são os casos mais comuns e errados em que as pessoas procuram ansiosamente um exorcista, como última tábua de Salvação para resolverem os seus problemas?
Faço uma pequena referência aos principais.
Por motivos de saúde, quando a própria pessoa ou alguém da família ou amigo tem uma doença incurável do ponto de vista médico. Por motivos afetivos, quando a mulher ou o marido abandona o respectivo cônjuge, para ir conviver com outra pessoa: “Gostávamos tanto um do outro, certeza que alguém lhe fez um feitiço”. Ou então, quando um filho ou uma filha se apaixona por uma pessoa que, aos olhos dos pais, é completamente errada. Também neste caso o motivo é idêntico: “Devem-lhes ter feito um ‘trabalho’!”.
Tanto mais nos casos em que se ouviu dizer (eventualmente da boca de um mago, ou de uma cartomante ou ainda do chamado vidente) que realmente foi feito um “trabalho”; são talvez os casos mais freqüentes. Acrescento também os casos em que se altera o caráter de um familiar (marido, mulher, filho...): “É certo que traz o diabo no corpo!” Ou quando a situação econômica vai por água abaixo. Poderia continuar a dar exemplos de casos e erros comuns.
Que fazer nestes casos? O que aconselhar?
É certamente errado precipitar-se na procura de um exorcista.
O primeiro passo que seguramente deve ser feito é precipitar-se para os braços de Deus: a oração, a confiança em Deus e na sua Providência, a disponibilidade para aceitar a vontade divina, tal como se apresenta nas circunstâncias concretas da vida.
Se depois essa pessoa ficar realmente convencida de ter sido atingida por um malefício, a primeira resposta a dar é a de Paulo VI: “Tudo o que nos defende do pecado, protege-nos do maligno”. Portanto, o recurso aos meios anormais da graça, como se recorda na carta que a Congregação para a Doutrina da Fé enviou aos bispos em 1985: “Os pastores podem servir-se desta ocasião que lhes é apresentada, para recordar aquilo que a Igreja ensina a respeito da função que é própria dos sacramentos, da intercessão da Santíssima Virgem Maria, dos anjos e dos santos, também na luta espiritual dos cristãos contra os espíritos malignos”. Em todo o caso, é sempre necessário um caminho de conversão e oração.
Um caminho acompanhado
Esta caminhada de conversões e oração também deve ser acompanhada; pelo menos por um sacerdote, que pode ser o confessor habitual ou o diretor espiritual. Mas é muito mais útil o auxílio de uma comunidade, e considero uma imperdoável carência se a comunidade paroquial não é capaz de fornecer a ajuda necessária neste campo. Costumo dizer que, em ordem de eficácia e de recurso, os exorcismos estão em último lugar.
1- Antes de mais, é necessário viver em graça e afastar os impedimentos à graça, por isso, a primeira coisa a fazer é sempre uma boa confissão. Se uma pessoa vive num estado habitual de pecado, deve remediar esta situação. Se uma pessoa tem impedimentos à ação da graça (o mais freqüente é a incapacidade de perdoar, deve afastar tais impedimentos…)
2- Viver a Eucaristia, de que sublinho três aspectos: a Missa, a comunhão, a adoração eucarística.
Devemos dizer com clareza que estes quatro meios já citados, e o seguinte, têm muito mais força e mais valor do que um exorcismo.
As pessoas, normalmente, são preguiçosas: querem que sejam os outros a fazer, a livrá-las dos problemas. Aquilo que mais falta, na maioria dos casos, é o empenho pessoal.
3- A oração. É lógico que estes meios devem ser todos utilizados; não um a seguido de outro, mas segundo a natureza própria de cada um; por isso, a oração deve ser diária, com fé, num certo espaço de tempo.
Todas as orações são boas, mesmo as que inventamos por nossa conta. Têm particular e evidente eficácia as orações bíblicas (salmos, cânticos) e o Terço do Rosário, que realmente tem uma força incrível.
Já só utilizando estes meios – e, portanto, sem utilizar o exorcismo -, é possível libertar-se dos malefícios e, até, da possessão. É impossível libertar-se mediante o exorcismo se também não se recorre a estes meios. Excetue-se os casos em que a pessoa gostaria de utilizar estes meios e esforça-se por utilizá-los mas é impedida pelo demônio. Neste caso, é necessário ajudá-la e são precisos mais dois meios.
4- As orações de libertação. Antes de mais têm um duplo efeito e é por isso que, por vezes são mais eficazes do que os exorcismos: geralmente, fazem-se orações de cura e de libertação; por isso é que são mais pertinentes nos casos em que é necessário a cura.
Depois, é precisamente a partir de uma série de orações de libertação, notando as reações e os resultados, que se evidencia se são necessários, ou não, os exorcismos. Em geral, se não há reações às orações de libertação, também não haverá em relação aos exorcismos; ou seja, não se trata de malefícios, mas de males de que devem ser curados por via médica.
Recordo também que nos chamados “males menores” podem ser suficientes estes meios para alcançar a libertação, reservando os exorcismos apenas para os casos mais graves.
5- Os exorcismos. É verdade que o exorcismo não almeja apenas a expulsão dos demônios, mas é também um adjuvante contra a influência do maligno; por isso, deve ser utilizado nos casos de possessão, mas também nos casos de influência demoníaca. Estas afirmações são claramente expressas no Catecismo da Igreja Católica (cf. nº 2673).
Mas também é verdade que para avançar com um exorcismo é necessário encontrar-se perante um caso grave, com sintomas suficientes e tais que façam suspeitar da presença ou da influência maléfica; mesmo que a certeza só se tenha depois do exorcismo, que também tem um efeito de diagnóstico: que resulta das reações durante o exorcismo, dos efeitos que se seguem, da evolução que se nota após uma série de exorcismos.
Dado que atualmente os pedidos, como sublinhava no início, são exagerados e freqüentemente não pertinentes, cada exorcista tem os seu método de seleção antes de marcar um encontro e, sobretudo, antes de avançar para o exorcismo. De minha parte, exijo que previamente haja uma vida de oração e de freqüência dos sacramentos e que a pessoa me seja apresentada por um sacerdote, ou por um grupo de oração, após uma série de orações de libertação. Algumas vezes, podem bastar-me os sintomas que me são comunicados, mesmo tendo em conta a tendência que as pessoas têm de exagerar as manifestações de maneira a obterem a marcação de um encontro.
Mas muitas vezes basta-me a apresentação por parte de um sacerdote experiente. Creio que todos os sacerdotes deveriam ter aquele mínimo de experiência que lhes permitisse estudar um caso e verificar se existem verdadeiros motivos para suspeitar de um influxo maléfico. Conheço alguns sacerdotes que acompanham as pessoas durante algum tempo, abençoam-nas e, depois, conseguem perceber se existem ou não motivos de suspeita; por isso, quando são esses sacerdotes a enviar-me pessoas, tenho a certeza de que o caso merece a devida consideração.
O demônio é esperto; é verdade que não devemos ser crendeiros e que temos de agir com muito tato e lentidão antes de acreditar numa presença demoníaca. Mas também é verdade que o demônio faz de tudo para se esconder e que pode manifestar-se de formas muito diferentes.
É suficiente pensar nos endemoninhados do Evangelho: o endemoninhado de Gerasa é uma pessoa furiosa, tem uma força hercúlea, atira-se às pessoas; o jovem aos pés do Tabor tem manifestações que o fazem confundir com o epiléptico, não é violento contra os outros, mas é autodestrutivo; a mulher corcunda e o surdo-mudo podiam parecer simples doentes, mas Jesus viu que a causa dos seus males dependia de uma presença demoníaca. Conheci casos de possessão sem sintomas exteriores durante o exorcismo.
Creio que chegados a este ponto não é fácil responder à pergunta: quando se deve recorrer ao exorcista? Quando não existem explicações humanas para os males que afligem o paciente; quando um caminho de conversão, de oração, uma série de orações de libertação não obtiveram o efeito desejado, mas sublinharam reações crescentes inexplicáveis do ponto de vista natural, quando se notam motivos de suspeita como expus na parte dedicada ao diálogo com psiquiatras, ou quando se notam fenômenos estranhos e inexplicáveis, é então necessário recorrer ao exorcista.
Contudo, é fundamental que a pessoa, mesmo durante os exorcismos e após ter obtido a libertação ou a cura, viva plenamente a vida cristã e seja fidelíssima ao momento de oração, à Missa, aos sacramentos, à instrução religiosa. Na ausência destes fatores, todos nós, exorcistas, já tivemos experiências de libertações provisórias ou de dolorosas recaídas.
Fonte: Extraído do Livro "Exorcistas e Psiquiatras" - Pe. Gabriele Amorth - Ed. Palavra & Prece.