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PADRE GABRIELE  AMORTH

 

Famoso Exorcista da diocese de Roma.

 

Quem é satanás? Quem são os demônios?

 

Sabemos muito pouco acerca do mundo visível e ainda menos sobre o mundo invisível; por isso, é muito cômodo negar a sua existência, em vez de o investigar. E nem sequer nos apercebemos de que estamos a negar a onipotência e a sabedoria de Deus, que tudo criou com uma majestade inconcebível à mente humana, com uma ordem perfeita, com fins bem determinados. Quando me interrogam sobre o número dos anjos, cito o Apocalipse que fala de miríades de miríades: um número imenso, incompreensível à nossa mente. Quando me interrogam sobre o número dos demônios, respondo com as palavras que o próprio demônio deu através de um possesso: «Somos tantos, que, se fôssemos visíveis, obscureceríamos o Sol».

 

Para dar uma idéia muito pálida da grandiosidade dos seres criados, que nos escapa ou em que nem sequer pensamos, convido a refletir sobre os corpos que giram no céu. Um astrônomo poderia melhor do que eu ilustrar as maravilhas do universo; foi por isso que um deles afirmou: «Eu não creio; eu vejo». Se refletirmos, ficaremos espantados. Todo o universo é dirigido por forças, interligadas com uma sabedoria perfeita; por exemplo, a Terra mantém a Lua ligada a si com uma força de atração, sem que esta lhe caia em cima, porque uma sapiente lei centrípeta a faz rodar à volta do nosso planeta. Todo o sistema solar faz parte de uma galáxia composta por bilhões de corpos estelares; sabemos que nesta galáxia todos estes corpos são mantidos unidos por um centro de atração que os astrônomos colocam a cerca de 30 mil anos-luz do sis­tema solar. O eixo da nossa galáxia é de cerca de 90 mil anos-luz. É uma dimensão perturbadora! E, no entanto, vista de longe, a nossa galáxia parece apenas um ponto luminoso.

 

Vemos muitíssimas galáxias a enormes distâncias. Quantas? É impossível dizer. Os astrônomos gostariam de identificar o centro do universo, gostariam de poder identificar um ponto central de gravitação de todos os corpos celestes; por agora, têm de se contentar com formular hipóteses. Tudo o que admiramos no sistema cósmico, no infinitamente grande, outros cientistas admiram-no na coordenação dos átomos, no infinitamente pequeno.

 

Se a ordem natural nos espanta, que dizer da ordem espiritual? Aquele Deus que criou, com uma ordem admirável e com leis estupendas, miríades de miríades de corpos celestes, criou também com a mesma onipotência e sabedoria miríades de miríades de espíritos celestes. A Bíblia fala-nos de nove coros angélicos. Os Padres da Igreja e os escolásticos estudaram-nos e escreveram muito... Mas os teólogos modernos... ocupam-se de sociologia. E, contudo, entre os espíritos celestes reina uma ordem, uma hierarquia, um fim inteligente (dado que aqui se trata de seres inteligentes e livres) que é alegria, felicidade e beleza. Tudo para louvor do Criador.

 

É opinião comum, dedutível do relato bíblico, que Deus teria criado, primeiro, os anjos e, depois, o cosmo. O mistério da criação do mundo material é certamente admirável, enquanto procede da onipotência e da sabedoria de Deus; mas seguramente só atinge o seu significado quando acontece a criação do homem: porque é somente com a presença do homem que todas as criaturas sensíveis, às quais o homem pertence, se reúnem com Deus, seu criador.

 

O homem, criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26), como ser racional, tem a possibilidade de se juntar ao seu Criador e de comunicar com Ele. Pelo contrário, o mundo material, embora tenha a sua origem em Deus, não pode gozar de um intercâmbio direto e imediato com o seu Criador, de quem depende total e passivamente.

 

Os espíritos celestes ou, seja, os anjos, não estão sujeitos pela sua natureza, a uma relação imediata com este mundo material. Diante da sua inteligência, à medida que Deus os criava, não compreendiam o seu objetivo. Eles eram puros espíritos; aos seus olhos o mundo material não tinha um porquê, antes lhes aparecia sempre como um absurdo completo até ao momento em que apareceu no mundo a criatura racional, o homem, que tinha uma relação imediata com Deus, porque era um ser inteligente e livre, e estava em condições de dar significado a todo o mundo material, servindo-se dele para louvar o Criador.

 

Pode-se pensar que a rebelião da parte dos anjos seja anterior à criação do homem. Uma explicação possível é a de que uma parte dos anjos se teria escandalizado precisamente com a criação do mundo material ou, seja, antes de o cosmo ter sido completado e nobilitado pela presença do homem. Eles, os anjos rebeldes, não louvaram Deus desde o princípio, isto é, desde quando Ele andava a criar o mundo material que, do ponto de vista dos puros espíritos, parecia um absurdo. Não souberam acreditar na sabedoria divina, um pouco como pode acontecer conosco, os homens, perante o problema da dor, deixamos de acreditar em Deus. Este poderia ter sido um motivo da sua rebelião.

 

Quem é Satanás?

 

A tradição rabínica afirma que era o espírito de maior importância diante do trono de Deus, dotado de doze asas, quer dizer, o dobro das asas dos serafins (cf. Pircké de Rabbi Eliézer, 13). Imaginemos que a nossa galáxia se revoltava contra as leis que regulam o movimento incessante dos planetas e atravessava os céus à sua vontade: quantos milhões de milhões de corpos arrastaria atrás de si e que enorme destruição provocaria em todo o firmamento. A maioria dos Padres viram o princípio da queda de Satanás no seu orgulho em querer elevar-se acima da sua condição, em querer afirmar a sua independência em relação a Deus e em querer fazer-se igual a Deus. Outras explicações se deram nos séculos seguintes. Todas concordam em ver uma rebelião, livre e irreversível, contra Deus, em que Satanás arrastou atrás de si uma quantidade de outros anjos que, com um ato per­feito de inteligência e de liberdade, o quiseram seguir. Por isso, a implacável inimizade com Deus e, depois da criação do homem (também ele tendo por fim o próprio Deus), o esforço de subtraí-lo a esta finalidade e de o envolver na sua rebelião contra o Criador.

 

Portanto, Satanás era a criatura principal criada por Deus, o príncipe de toda a criação. Uma vez que se revoltou contra Deus, conscientemente, com toda a plenitude do seu ser e da sua vontade, com uma revol­ta total e perfeita, sem retorno, tornou-se o ser mais afastado de Deus. Aquele pecado de rebelião permaneceu inerente à sua essência e assim permanecerá por toda a eternidade. A Bíblia indica-o com vários nomes: Satanás, Lúcifer, Belzebu, serpente antiga, dragão vermelho... Mas talvez o nome mais exato que se lhe deva dar seja blasfêmia. O mal, se é que pode ser objetivamente personificado em alguém, tem em Satanás a sua hipóstase perfeita.

 

Quais foram as conseqüências desta rebelião?

 

Satanás, pelo primado e pela autoridade de que goza­va, ao revoltar-se contra a ordem moral e espiritual de Deus, arrastou atrás de si como que um sistema planetário inteiro: os anjos que quiseram segui-lo com plena inteligência e liberdade; e agora procura arrastar atrás de si a maior quantidade de homens que possa, tam­bém eles com plena consciência e liberdade. Deus nunca renega as suas criaturas: seria renegar-se a si mesmo. É por isso que Satanás continua a ter o poder que tinha; estava à cabeça da criação e estaria ainda: eis porque foi necessária a Encarnação do Verbo que veio destruir as obras de Satanás e recapitular todas as coisas com o sangue da sua cruz: as celestes e as terrestres.

 

Mas Satanás continua a ser «o príncipe deste mundo» como, por três vezes, Jesus lhe chama; e «o deus deste mundo», como o define São Paulo. De ordenador das criaturas, como fora constituído por Deus, tornou-se o seu infatigável destruidor; é uma espécie de correspondente moral daqueles "buracos negros" que existem no cosmo e engolem a matéria. Daqui provém toda a forma de mal: pecado, as doenças, o sofrimento e a morte. A salvação operada por Cristo reintegrou a ordem do universo de maneira ainda mais maravilhosa do que tinha sido estabelecida originariamente. A redenção é o primeiro verdadeiro grande exorcismo; Jesus é o primeiro dos exorcistas e n'Ele radica toda a força de combate ao demônio.

 

Mas, para que a redenção se aplique a cada homem e com ela a libertação do poder do maligno, é ne­cessário que a graça trazida por Cristo seja acolhida. «Ide pelo mundo inteiro... Fazei discípulos de todos os povos... Quem acreditar e for batizado será salvo» (cf. Mc 16,12 e Mt 28,19): o batismo é o primeiro ato de libertação do poder de Satanás e de inserção em Cristo; por isso, inclui um exorcismo. Entretanto, o demônio continuará a sua obra porque, como afirma o Concílio Vaticano II, derrotado por Cristo, Satanás combate contra os seus seguidores; a luta com os espíritos malignos continuará e durará, como diz o Senhor, até ao último dia (cf. GS 37).

 

 Fonte: Novos relatos de um exorcista - Pe. Gabriel Amorth - Ed. Paulus.