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Recorrer à Virgem Maria na tentação

 
Se o receio de não perseverar no bem é capaz de nos inquietar e perturbar nos períodos de paz e de tranqüilidade espiritual, quanto mais facilmente o faz no momento doloroso e terrível da tentação.


Quando nos encontramos em luta com o nosso mais traiçoeiro inimigo, quando o mundo, os sentidos, as criaturas nos atraem e procuram arrastar-nos para longe de Deus, que luta, que atroz agitação para a alma que não quer sucumbir e está prestes a fazê-lo! Com que terrível força de sedução e de falsidade o demônio sopra ao ouvido da nossa perturbada consciência a insidiosa palavra: é impossível, és fraca demais, não poderás resistir!


Às vezes, esta palavra é poderoso incentivo para o pecado, é o que dá o último empurrão à alma e a faz cair. Se em vez de titubear, ao ouvir a insinuação do inimigo, reagisse prontamente e se dispusesse a repeli-lo; se nesse momento se lembrasse de que no céu tem Mãe poderosa; se n'Ela confiasse, recorrendo como filha a seu todo poderoso patrocínio, acharia n'Ela força, perseverança, vitória.


Recordemo-nos bem: a hora da tentação deve ser, mais que as outras, a de uma terna e ilimitada confiança em Maria.


Da nossa Mãe do céu recebemos o auxílio nessa hora terrível e dolorosa, se a Ela quisermos recorrer sem demora, com sinceridade e com fé.


Recorrer a Maria sem demora 

 

A história da primeira culpa no Éden repete-se quase todas as vezes que uma alma cai no pecado. Recordai a queda de Eva. O tentador aproxima-se dela: antes de mais nada, dirige-se aos sentidos, que sabe serem impressionáveis e mostra o fruto proibido. Incauta, ela olha. Nunca o havia fitado e agora lhe parece belo e despertam a vista e os sentidos. Depois o astuto começa com ela uma discussão: “Por que vos proibiu Deus comer esse fruto?”. O pérfido bem sabe por que, mas vai preparando a cilada. Eva deveria ter recusado discutir com a serpente, mas sempre incauta, aceita a discussão. O inimigo prossegue afoito: “Ah! Deus vo-lo proibiu, porque, comendo-o, ficaríeis iguais a Ele”. Observai bem o que se deu: um olhar para um fruto proibido, uma pergunta insidiosa, uma discussão e logo o doloroso epílogo da queda. Quantas vezes ainda acontece o mesmo! Do nosso lado, falta de presteza no fugir; do outro, uma mentira do demônio que promete a felicidade no pecado; e é sempre a mesma a história de todas as tentações e de todas as culpas. E depois do pecado? A inquietação, a perturbação, o remorso.

 

Não tardemos, pelo amor de Deus, quando nos assalta a tentaçãonão imitemos por descuido a Eva no discutir com o demônio! Se o fizermos, mais cedo ou mais tarde estamos perdidos. Pelo contrário, voltemo-nos logo para Maria pedindo socorro, e do céu Ela nos ajudará. Oh! Também os santos quantas vezes se acharam em perigo de pecar! Por quantas tentações se viram assaltados! Quem os tornou tão firmes no bem? Quem os fez vencer o demônio, constantes como foram na luta e na vitória? Maria, que prontamente invocaram; Maria, que fielmente os rodeou e acompanhou com exército em ordem de batalha: ut castrorum acies ordinata [1]. Não havemos de fazer outro tanto? Pretenderemos ser socorridos pela Virgem sem Lhe ter pedido a proteção ou só a pediremos quando o demônio já tiver ganho terreno?


Recorrer com sinceridade


Para mereceres, porém, o auxílio de Maria, deveis invocá-La cheios da firme e resoluta vontade de fugir ao pecado e animados por fervente desejo de que Ela deveras obtenha para vós força na tentação e perseverança na virtude. Talvez pareça estranho esse aviso, mas na verdade não o é.

 

Quantas vezes na tentação acontece rezarmos, sim, mas sem fervor, distraídos, sem a vontade resoluta que leva a odiar o pecado e sem o horror que é a primeira e indispensável condição para dele sempre nos mantermos afastados! Há almas que, segundo a palavra do Espírito Santo, querem e não querem ao mesmo tempo, ou melhor, que em vez de sincera vontade apenas têm uma veleidade. Bem sabemos que em certos momentos a tentação é forte e insistente, o mal fascina os sentidos, o coração, a inteligência, a imaginação; as paixões tornam-se cúmplices poderosas do demônio e tudo parece conjurar-se contra nossa débil vontade. Nesses momentos, não é fácil à alma dar-se conta do horror e da repulsa explícita que deve ter pelo pecado. Está agitada por forte tempestade; tudo a arrasta para o mal e ela se vê no estado que tão bem descreve São Paulo ao exclamar: “Sinto uma lei nos membros que se opõe à lei do espírito e me faz escravo da lei do pecado, a qual está nos meus membros” [2]. Mas assim como o Apóstolo não perde a firme vontade de resistir a essa lei de pecado e de morte, também a nossa alma deve nesses momentos reunir todas as forças de sua vontade para sinceramente se voltar para a Mãe do céu, que é cheia de graça, ou antes, a própria Mãe da graça divina, para que Ela a ampare e ajude no perigo e no combate.


Costumava dizer um grande Santo que, quando à hora da tentação uma alma invoca sinceramente Maria, por mais que lhe continuem no coração a dúvida e o receio de ter caído, deve absolutamente convencer-se de que não cedeu ao inimigo: porque, concluía, não é possível crer que Maria não a tenha socorrido e que o demônio tenha vencido.


Longe, portanto, de hesitar ou dar à tentação ensejo de ir ganhando terreno em nosso coração, invoquemos a Virgem Santíssima com toda a sinceridade, apelemos para todas as nossas energias espirituais, dirijamos-Lhe uma oração não frouxa e sem convicção, mas animada pelo desejo ardente de fugir ao pecado. Experimentaremos então os efeitos do seu poder e da sua bondade.


Recorrer com fé


Mais uma condição tem de satisfazer o nosso recurso a Maria na hora da tentação: deve ser confiante. Para aumentar em nós essa confiança, reflitamos no que diz São Luís de Montfort: “Pode um homem defendido por um exército de cem mil soldados, temer o inimigo? Pois bem, um fiel servo de Maria, defendido por sua proteção e por seu imperial poder, ainda menos tem que recear. Esta boa Mãe e poderosa Princesa do céu enviaria legiões de milhões de anjos para socorrer um dos seus filhos, mas nunca deixaria dizer que um servo fiel que n'Ela confiou pôde sucumbir por causa da malícia, do número, da força dos seus inimigos” [3].

 

Ao recorrer a Maria e invocar-Lhe a proteção, lembremo-nos de que Ela é a Torre de Davi, contra a qual em vão se enfurecem os demônios. Quantos, refugiando-se nessa torre, conseguiram defesa e salvação! Santa Justina era uma virgem de pureza ilibada; o demônio experimentou todos os meios para arrastá-la ao pecado. Ela, porém, não perdia o ânimo; abrigada nos muros dessa inabalável fortaleza, sentia-se forte e potente do próprio poder de Deus. São Martiniano viu-se no meio das mais terríveis seduções. São Luís, rei de França, viveu nas grandezas do trono. A São Francisco de Sales armaram perigosa cilada alguns jovens sem moral que lhe queriam derrubar a virtude. Como triunfaram esses santos? Não sofreram mal nenhum, pois tinham posto toda a confiança em Maria.


Por que, pois, não os havemos de imitar invocando com fé a proteção e o auxílio de nossa Mãe do céu quando mais necessário o sentimos e mais próximo está o perigo de cairmos no pecado?


Num belo dia de primavera, de céu límpido, toda florida a natureza, um pequenino divertia-se a colher flores num prado. A mãe estava sentada não longe dele. Mas quando as mãozinhas se estendiam para apanhar entre as flores uma rosa silvestre, eis que lívida serpente sai da moita e olha fixamente para o menino. Aterrado, ele dá um grito: Mamãe! Mamãe, socorro! Dum salto, ei-la de pé, corre logo à moita e esmaga com o pé a cobra venenosa. Ainda apavorado, mas salvo, o pequenino agarra-se ao colo da mãe amorosa e beija-a com amor e viva gratidão.


É outra cena que mil vezes se repete: a venenosa serpente do mal se esconde entre ervas e flores, surge onde menos é esperada, mais insidiosa e fatal por isso mesmo.

Queremos evitar-lhe a picada e o veneno? Imitemos a criancinha no prado, voltemo-nos logo para a Mãe boa e poderosa que temos no céu.


Flores da confiança em Maria: a escravazinha da Virgem


No convento de Langeac, na Auvérnia, falecia em 1634 em odor de santidade a Madre Inês de Jesus, religiosa dominicana. A nota característica de sua vida foi uma terna devoção a Maria. Quando contava apenas sete anos, sofria grandes provações espirituais. Um dia suplicava ardentemente à Virgem Santíssima para que tivesse compaixão dela e a socorresse. Uma voz íntima disse-lhe: “Faze-te já escrava de Jesus e de sua santa Mãe; deste modo ficarás livre das provações e serás protegida contra os inimigos de tua alma”.


Que fez a pequenina? De muito boa vontade aceita o convite do céu; arranja uma corrente de ferro e, em sinal de escravidão, com ela cinge o corpo, nunca mais a tirando até morrer. Mas desapareceram os sofrimentos como por encanto e inefável paz lhe inundou constantemente o coração.


Semelhante fidelidade e tão terna confiança merecem-lhe outra visita de sua celeste Protetora. Aparece-lhe outra vez a Virgem e põe-lhe ao pescoço preciosa corrente de ouro. Santa Cecília, que nesta aparição acompanha a Virgem, diz: “Bem-aventurados os escravos da Rainha do céu. Gozarão de sua proteção e da verdadeira liberdade: Tibi servire libertas”.


Notas:

[1] Cant. VI, 3.

[2] Rom. VII, 23.

[3] Tratado da Verdadeira Devoção, Parte II, c. II.

Fonte:
1 - R. P. David Ardito, Ó Maria, Confio em Vós, Edições Paulinas, São Paulo, 1946.