Almas do Purgatório II.jpg

DESCRIÇÃO DO ESTADO DAS ALMAS DO PURGATÓRIO

 

Santa Catarina de Gênova

 

Afiançam os biógrafos que Catarina de Gênova ditou em êxtase o seu Tratado do Purgatório; ditava o que via e experimentava. Os teólogos sempre apreciaram muito este tratado, por encontrarem nele um precioso complemento daquilo que a ciência teológica pode dizer. Em vez de analisar apenas o aspecto negativo do purgatório, de se ficar no afastamento dos obstáculos, a santa observa de preferência o lado positvo, que conhecia por experiência. Sublinharemos os traços desta descrição que nos parecem mais significativos. (Padre Garrigou-Lagrange)

 

Cap. I. As almas do purgatório não têm outra alternativa, a não ser ficarem onde estão, visto ter sido isso que Deus ordenou… Não podem nem pecar, nem merecer pelo fato de se absterem de pecar.

 

Cap. II. Não há paz comparável à delas, a não ser a dos santos no céu, e tal paz cresce incessantemente por influência de Deus, à medida que os impedimentos vão desaparecendo. Tais impedimentos são como que ferrugem e a felicidade das almas aumenta à medida que esta ferrugem diminui.

 

Cap. III. Deus aumenta nelas o desejo de o verem e acende-lhes no coração um fogo de caridade tão poderoso que se lhes torna insuportável depararem com um obstáculo entre elas e o seu fim.

 

Cap. IV. No fim da vida terrena, a alma permanece para sempre confirmada no bem ou no mal que escolheu. As almas do purgatório encontram-se, portanto, confir- madas na graça.

 

Cap. V. Deus castiga menos os condenados do que eles merecem.

 

Cap. VI. As almas do purgatório conformam-se perfeitamente com a vontade, de Deus.

 

Cap. VII. Sentem-se tão fortemente atraídas para Deus que nenhuma comparação pode exprimir tal atração. Ima-ginemos, todavia, um único pão para matar a fome a todas as criaturas humanas e que bastava vê-lo para a fome ser satisfeita.

 

Cap. VIII. O inferno e o purgatório manifestam a sabedoria admirável de Deus. No próprio instante em que a alma se separa do corpo, ela dirige-se para o lugar que lhe corresponde e que lhe assinalam. Mesmo a alma em pecado mortal, não encontrando lugar mais próprio para si, precipita-se por si mesma no inferno… A alma justa, que ainda não tem a pureza necessária para a união divina, lança-se voluntariamente no purgatório para ser purificada.

 

Cap. IX. Pelo que diz respeito a Deus, vejo que o céu tem portas e pode entrar nele quem quiser, porque Deus é todo bondade; mas a essência divina é tão pura que a alma, se nota em si qualquer impedimento, precipita-se no purgatório e encontra esta grande misericórdia: a destruição de tal impedimento.

 

Cap. X. A maior pena destas almas consiste em terem pecado contra a divina Bondade e terem ainda em si como que uma ferrugem, que são restos do pecado.

 

Cap. XI. A alma vê que Deus, pelo seu grande amor e Providência constante, jamais deixará de a atrair à sua última perfeição. Vê também que, ligada pelos restos do pecado, não pode por si mesma corresponder a esta atração. Se encontrasse um purgatório mais penoso, no qual pudesse ser mais rapidamente purificada, mergulharia nele imediatamente.

 

Cap. XII. Vejo raios de fogo que purificam as almas como o ouro no cadinho é libertado das suas escórias. Quando a alma fica completamente purificada, o fogo já nada tem a queimar; e se ela se aproxima dele não sentirá dor alguma.

 

Cap. XIII. O seu desejo de ver a Deus é tão ardente e tão poderosamente reprimido, que se torna um tormento para ela… Deus, pela sua misericórdia, esconde-lhe conse-qüências do pecado, que ainda restam nela, e quando estiverem destruídas, dar-lhas-á a conhecer, para que compreenda a ação divina que lhe restituiu a pureza. (Eis um ponto que não se lê nos escritos dos teólogos!)

 

Cap. XIV. O amor divino, ao subjugar estas almas, confere-lhes uma paz indescritível. Têm, assim, grande alegria e grande pena; uma não diminui a outra.

 

Cap. XV. Se ainda pudessem merecer, bastaria um só ato de arrependimento para se libertarem da sua dívida, em virtude da intensidade deste ato. Elas sabem que nem um óbulo sequer lhes será perdoado; eis o decreto da justiça divina. E se a favor delas são oferecidos piedosos sufrágios por pessoas deste mundo, tal fato só as alegra de harmonia com a vontade de Deus e sem amor próprio.

 

Cap. XVI. Enquanto a purificação não estiver concluída, estas almas compreendem que, se se aproximassem de Deus pela visão beatífica, não estariam no seu lugar e por isso sentiriam um maior sofrimento do que se permanecessem no purgatório.

 

Cap. XVII. Esclarecidas, assim, a respeito da necessidade da reparação, gostariam de dizer aos mortais: «Ó criaturas miseráveis, por que vos deixais cegar de tal modo pelas coisas transitórias, que não fazeis nenhum aprovisionamento para a grande necessidade que cairá sobre vós?» Dizeis: «Confessar-me-ei, ganharei uma indulgência plenária e serei salva». Lembrai-vos que a confissão completa e a perfeita contrição requeridas para ganhar a indulgência plenária não se atingem assim facilmente.

 

Cap. XVIII. Estas almas sofrem tão voluntariamente as suas penas, que não desejariam o menor alívio, por conhecerem quão justas são.

 

Cap. XIX. Esta espécie de purificação a que vejo sujeitas as almas do purgatório, experimentei-a em mim mesma durante dois anos… Tudo o que constituía para mim um alívio corporal ou espiritual foi-me tirado gradualmente… Finalmente, para concluir: vede bem que tudo o que é humano o nosso Deus todo poderoso e misericordioso transforma-o radicalmente. Não é outra a obra que se leva a cabo no purgatório.

 

(R. Garrigou-Lagrange. O homem e a eternidade. Lisboa, Aster, 1958, p. 225-229)